20 de outubro de 2019

HEMINGWAY. Nunca foi um dos meus favoritos, e só concluí O Velho e o Mar depois de um amigo me ter garantido que o tinha lido mais de uma dúzia de vezes. Como suspeitava, não me entusiasmou. Gostei mais de Paris é uma Festa e de O Sol Nasce Sempre, pelo que os cinco títulos restantes que aguardam nas estantes provavelmente ficarão por ler. Mas gostei de visitar a casa-museu de Hemingway, de que me ficaram agradáveis memórias. Indo eu à procura do local, já farto de caminhar e a duvidar que estava no caminho certo, eis que me cruzo com um sósia de Hemingway, que só podia vir de lá. Chegado ao local, calhou-me uma visita guiada num grupo com outro Hemingway, este um pouco menos perfeito mas que passaria por Hemingway caso fosse preciso. Mas o espanto não acabou aí. Manteve-se quando subi, por uma escada íngreme, ao primeiro andar da cabana que Hemingway mandou construir nas traseiras da residência (onde, ao que consta, se isolava para escrever), imaginando-o a subi-las e a descê-las embriagado. Como não há notícia de qualquer incidente neste sobe e desce, deduzo, sem grande convicção, que não tenha havido. Mas custou-me a crer quando desci, tão sóbrio como subi. Afinal, tratei de não me distrair para não me estatelar — e a sobriedade é-me infinitamente mais fácil de gerir que a embriaguez. No caso de Hemingway, talvez a lendária embriaguez, o seu estado normal quando não escrevia, lhe fosse mais eficaz.

4 de outubro de 2019

DOIS MAIS DOIS IGUAL A CINCO. Muito curioso de saber até onde os republicanos estão dispostos a ir para defender o inocente até prova em contrário. Como já disseram nada ver na conversa de Trump com o homólogo ucraniano, onde Trump tentou, não se sabe com que sucesso, chantagear Zelensky, ou vão ter que recuar muito, ou vão ter que mentir muito. Mas nem com uma imaginação prodigiosa poderão afirmar que a conversa entre os dois presidentes se presta a duas interpretações. É claríssimo o que lá está, a não ser que dois mais dois sejam cinco. E é preciso lembrar que o episódio da Ucrânia é mais um dos muitos já conhecidos, porventura o mais grave. E que há mais ucrânias. As conversas com os mandantes russo e saudita, que Trump mandou pôr longe de «olhares indiscretos», e agora também com o primeiro-ministro australiano (à hora a que escrevo já se fala dos primeiros-ministros britânico e italiano e, quem diria, do mandarim chinês), são os casos mais recentes. E que fazem os republicanos diante esta avalanche? Sem mais a que se agarrarem, os poucos que abrem a boca fazem-no para discordar dos factos, como se fosse possível discordar dos factos, ou «justificam» pela enésima vez o que não tem justificação. E depois há Rudy Giuliani, sempre a meter os pés pelas mãos, a jurar uma coisa e o seu contrário — e que, presumo que involuntariamente, vai comprometendo ainda mais o Presidente. Pobre Partido Republicano, que a sobreviver a Trump vai precisar de anos para colar os cacos. A coisa chegou a um ponto que, não fosse ele quem é, seria um caso de polícia. Será, no entanto, uma questão de tempo. Mais tarde do que seria desejável, provavelmente depois de mais alguns danos irremediáveis, a justiça há-de chegar.