28 de julho de 2021

MENTIRAS COM PERNA CURTA. Perdi a paciência para quem não deixa escapar uma oportunidade para dizer mal da imprensa dita mainstream (ou dominante), e depois fundamenta a crítica exibindo «cartazes» onde se diz cobras e lagartos de quem não se gosta, geralmente falsidades, que remetem para sites de escassa credibilidade para validar a origem da «informação» — ou simplesmente omitem a origem da «informação». Onde se informará esta gente que diz não acreditar na imprensa dominante? Como está bom de ver, o mistério tem o rabo de fora. Conheço quem não acredita na imprensa em geral mas sempre que recebe um mail anónimo onde é dito o que quer ouvir vai logo apregoar aos sete ventos o que ele diz já saber, mas agora, graças ao tal mail, tem a prova provada que a imprensa mente. Outros, talvez a maioria, dizem não se lembrar quando interrogados acerca da origem da informação. E outros «argumentos» do género, sempre toscos, sempre esfarrapados. Temos, assim, segundo estes sujeitos, que a imprensa mainstream, que tem que defender os pergaminhos pelo que diz, não é credível, mas já são credíveis mails de proveniência duvidosa com matérias quase sempre falsas ou muito difíceis de comprovar. Moral da história? Com todos os defeitos, a imprensa mainstream, e na imprensa mainstream incluo todas as plataformas informativas de referência, é a única em que podemos confiar. O resto são teorias tão mal-amanhadas que nem esse nome merecem.

14 de julho de 2021

A COR DO PODER. Há um número considerável de americanos brancos convencidos de que o poder lhes pertence por serem brancos, embora muito poucos o assumam. Tirando numa roda de amigos, onde estão à vontade para dizer as maiores barbaridades, não defendem o princípio diante mais ninguém. Porque eles sabem que não há argumentos que fundamentem o que têm como direito adquirido (os brancos são superiores às outras raças, nomeadamente aos negros), e não, como possa pensar-se, por receio da incorreção política. A eleição de Barack Obama, primeiro negro na Casa Branca, impulsionou esta gente, e não foi por acaso que os supremacistas brancos saíram do armário com a eleição de Trump, que os defendeu por acção e omissão. Afinal, os activistas pela supremacia branca são o lado visível do que dantes era quase invisível, e com Trump passaram a contar com os que dantes permaneciam no armário. Tucker Carlson, entertainer da Fox News, supremacista branco nunca assumido, exaltou a atitude de um adolescente que, na sequência dos distúrbios que se seguiram à morte de um negro às mãos de um polícia branco (já condenado a 22 anos de cadeia), veio para a rua armado de metralhadora e matou duas pessoas. Segundo Carlson, o miúdo fez o que a polícia deveria ter feito, e por isso não hesitou em chamar-lhe «patriota». Tirando a indignação de uns poucos, a afirmação do sujeito não chegou a escandalizar, e dois dias depois já não se falava do assunto. Os americanos brancos de que falo julgam que o poder lhes pertence, pelo que estão dispostos a apoiar quem se disponha a lutar, mesmo com armas de fogo, por esse «direito». Com a saída de Trump da Casa Branca, terá passado o pior. Continuam, no entanto, à espera de oportunidade para ir mais longe do que já foram. Convém, portanto, estar atento, e o mal que causaram nos últimos anos deve servir de aviso. Permanecer indiferente ao supremacismo branco nos dias que correm é demasiado arriscado. Ou então é sinónimo de cumplicidade.

1 de julho de 2021


MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (6).
De longe em longe, almoço um hambúrguer num comedouro onde o ícone americano faz as honras da casa, e saio de lá a jurar que jamais voltarei. Não que o hambúrguer seja mau. O problema é o serviço, sempre pior que o anterior, e o anterior já foi mau que chegasse. Calha-me sempre um empregado que não tem ideia do que está a fazer, como se fosse o seu primeiro dia de trabalho — e às vezes é, porque o estaminé está sempre a mudar de gerência, sempre pior que a anterior. Um dia destes reincidi e bateram todos os recordes. A única criatura visível lá dentro quando me sentei ao balcão era o empregado sentado numa das mesas a limpar os talheres. Levantou-se mal me viu, e a primeira coisa que fez foi ligar a música. E que música! Louvar o Senhor a cada dois versos e aleluias a cada três — tudo isto em «brasileiro» e num volume medonho. Encomendei o hambúrguer, e quando escolhi a cerveja a copo nenhuma das torneiras deitava. «Hoje estamos mesmo sem nada», desculpou-se o empregado. De facto, notava-se bastante, e só me faltava que não houvesse cerveja em garrafa. Havia. Não a que eu queria, mas nesta altura qualquer uma servia. Imaginei que iriam fechar a baiuca no dia seguinte, e amaldiçoei a hora em que mudei de planos para o almoço. Degustei o hambúrguer desconfiado, confeccionado por alguém que não cheguei a ver e me surpreendeu pela rapidez com que o fez. Saí de lá com o cérebro em ebulição e a barriga às voltas, na iminência de uma diarreia ou pior, tanto mais que não entrou nem mais um cliente enquanto lá estive. Jurei, pela terceira vez, que jamais lá porei os pés.