25 de outubro de 2020

A VERDADE E A MENTIRA. Já disse e repeti que sou, politicamente, independente, por razões que também já disse e repeti. Considero-me, contudo, moderado, avesso a radicalismos de qualquer natureza, sobretudo de natureza política. Mas os tempos não estão (nunca estiveram) de feição para moderados. Hoje é tudo preto ou branco, a favor ou contra, e não há ouvidos, paciência ou tolerância para quem recusa esse quadro mental. Estamos numa espécie de regresso às cavernas do pensamento, e isso é assustador. Dizia-me alguém, apontando para um objecto, que aquilo não é mais preto, mas a cor que cada um lhe queira atribuir. É um facto que se constata quase diariamente, porque os «factos alternativos», «verdades alternativas» ou «pós-verdades» (leia-se mentiras) criam, pelo menos, a dúvida. Bem e mal informados entram, assim, no mesmo saco. A verdade e a mentira são hoje o que cada um quer que sejam, e os factos só interessam se cumprirem essa função. Chamar-lhe-iam louco a quem previsse, há dois ou três anos, uma coisa destas, o que demonstra bem que os acontecimentos são mais imprevisíveis que as profecias melhor fundamentadas.

5 de outubro de 2020

ESCOLHER A DECÊNCIA. Joe Biden não arrebata multidões, e por vezes é-me difícil não adormecer quando o ouço. Kamala Harris, candidata a vice, também não me entusiasma. Mas ambos têm, para mim, o essencial: são pessoas decentes, disputam o lugar de Trump e de Pence, e contra Trump e Pence não se pode exigir muito. A questão das presidenciais americanas de Novembro não é entre republicanos e democráticos, embora também. É, essencialmente, entre a decência e a falta dela. Reparem na quantidade de republicanos que votarão Trump em Novembro, e como alguns dão mesmo a cara pelo adversário. Verdade que sempre houve quem, liberal ou conservador, em determinado momento escolhesse o outro. Mas isso foi no tempo em que a política era a cores. Hoje é quase só preto e branco, a decência conta pouco e até se faz gala disso. É possível, contudo, travar a espiral de loucura, dando uma vitória clara ao candidato democrático antes que as coisas vão longe demais. Trump já avisou que não aceitará os resultados caso perca. Porque se perder, diz ele, foi porque houve fraude (a questão não se porá se ganhar), e agora, infectado pelo vírus que já matou mais de 210 mil norte-americanos, grande parte por culpa dele, a situação tornou-se ainda mais volátil, introduzindo um novo factor de surpresa cujo alcance ninguém parece em condições de avaliar. Votar contra Trump é, no entanto, o mínimo que se pode fazer para que não se entre por um caminho irreversível, e não me parece que seja preciso dizer que caminho será esse.