30 de janeiro de 2014

ADOÇÃO DE FATO. Mais um reparo ao referendo à co-adopção e adopção por casais do mesmo sexo aprovado pelo PSD: as perguntas não deveriam ter sido formuladas segundo as regras do novo Acordo Ortográfico (AO90), que os deputados sociais-democratas aprovaram? Terá sido porque os «unidos de facto» passariam, no caso, a designar-se «unidos de fato», e porque o «concorda com a adopção» passaria a designar-se «concorda com a adoção»? Tiveram, enfim, receio de cair no ridículo? Nesse caso, que ajam em conformidade quando chegar a hora de desfazer o que nunca deveriam ter feito.

28 de janeiro de 2014

QUANDO A ASNEIRA SE ALIA À IGNORÂNCIA. Já tudo foi dito sobre o referendo à co-adopção e adopção por casais do mesmo sexo, hoje enviado para o Tribunal Constitucional. Mas quase nada foi dito sobre as perguntas propostas, que são as seguintes:

1. Concorda que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adoptar o filho do seu cônjuge ou unido de facto?

2. Concorda com a adopção por casais, casados ou unidos de facto, do mesmo sexo?

Por mim, concordo, desde já, num ponto: isto está escrito num português miserável. O PSD «está disponível para reformular as perguntas» se o Tribunal Constitucional «considerar que elas desrespeitam a lei», disse o líder da JSD, que aprovou o referendo. Como se imagina que o Tribunal Constitucional terá dificuldade em perceber o que se pergunta (além de eventuais dúvidas de natureza constitucional), adivinha-se um molho de brócolos. Como nas novelas, os próximos capítulos prometem. Nada de bom neste caso, até porque já há perdedores: as crianças, cujos direitos deveriam prevalecer sobre todos os outros, e foram, de novo, adiados.

27 de janeiro de 2014

COISAS QUE VOU LENDO (2). «All I can say about Italians is this: they are children of Nature, who, for all the pomp and circumstance of their religion and art, are not a whit different from what they would be if they where still living in forests and caves.» Goethe, Italian Journey

24 de janeiro de 2014

INOVAR A IGNORÂNCIA. Alguém devia explicar ao secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade, se preciso for com um desenho, que a saída para o estrangeiro de portugueses qualificados significa que esses portugueses jamais voltarão. Quando muito voltarão para apanhar sol e banhos de mar, matar saudades da comidinha, rever a família e os amigos — e adeusinho até à próxima. Um governante que considera que a saída para o estrangeiro de pessoas com elevada formação académica «traz coisas boas para Portugal» (poderão, segundo ele, «regressar ainda mais qualificadas e experientes»), ou está a gozar connosco, ou não sabe o que anda a fazer. Convinha, portanto, libertá-lo da tarefa de que a pátria o incumbiu, que inovadores destes já temos que chegue.
MAIS UMA BELA TEORIA QUE A REALIDADE DESMENTE. Afinal, o Aeroporto da Portela, segundo alguns saturado ou em vias disso, vai acolher uma base da Ryanair, a partir da qual tenciona operar quatro novas rotas. Como fosse preciso, por aqui se vê a natureza de quem nos governou nos últimos anos, que se fartou de gastar dinheiro a tentar convencer-nos do que a realidade diariamente desmente.

22 de janeiro de 2014

PRÉMIOS LITERÁRIOS. Um dia destes alguém me disse, a propósito do lançamento de um livro de um jovem autor português, que o dito já foi premiado não sei com que prémios. Respondi-lhe em jeito de provocação: e quem são os escritores portugueses contemporâneos, novos e velhos, que nunca foram premiados? Tirando quem publicou por conta própria, não deve ser fácil encontrar um. Conquistar prémios literários é, hoje em dia, uma meta ao alcance de qualquer alfabetizado, e até conheço casos em que nem isso foi preciso.

20 de janeiro de 2014

CLAUDIO ABBADO, 1933-2014.


Obrigado por me ter ensinado a gostar de música.
COISAS QUE VOU LENDO (1). «Quando já havia luz suficiente para usar os binóculos, levou-os ao rosto e examinou o vale mais abaixo. Tudo perdera a cor e se dissolvia no negrume. A cinza macia era arrastada em remoinhos soltos por cima do asfalto. Perscrutou tudo quanto a sua vista alcançava. Os troços de Estrada lá ao fundo, no meio das árvores mortas. Procurava qualquer mancha colorida, qualquer indício de movimento, qualquer vestígio do penacho de fumo de uma fogueira. Baixou os binóculos e retirou a máscara de algodão do rosto e limpou o nariz ao pulso e depois tornou a examinar as cercanias com os binóculos. Em seguida limitou-se a ficar ali sentado, a segurar os binóculos e a ver a aurora cor de cinza a congelar sobre a terra. Sabia apenas que o rapaz era a sua garantia. Disse: Se ele não é a palavra de Deus, Deus nunca falou.» Cormac McCarthy, A Estrada

17 de janeiro de 2014

PROVAR DO PRÓPRIO VENENO. Embora nuns países mais do que noutros, os candidatos a cargos políticos gostam de exibir as esposas ou os maridos, os filhos e a sogra, o cão e o periquito. Porque isso dá a aparência de que são «pessoas como nós», logo rende votos. A novela à volta de Hollande não foge à regra. A imprensa cor-de-rosa descobriu que o presidente francês terá uma amante, a imprensa cor-de-burro-quando-foge agarrou a história com unhas e dentes — e a oposição, embora fingindo não dar importância ao caso, vai fazendo o que pode para dar cabo dele. Resumindo, um assunto que em países como a civilizadíssima França ninguém dará importância tornou-se, de repente, um assunto de Estado. Alguém duvida que o affaire desestabiliza Hollande e o Governo a que preside?

16 de janeiro de 2014

YELP IS GOOD FOR BUSINESS, NOT FOR CONSUMERS. For those, like me, who believe in Yelp, this is the message they just sent me: «We wanted to let you know that we've removed your review of Mike's Cigars. Our Support team has determined that it falls outside our Content Guidelines because it lacks a firsthand customer experience at this business location.» What I wrote was the following: «Online products arrive in miserable conditions (I bought some Padron cigars and I have to put them in garbage). Service doesn't exist at all (nobody answer my question). Conclusion: don't buy anything from this store, at least the online store. Use Famous Smoke Shop, for example.» Any conclusion to be drawn? Yes, it’s in the title of this post.

15 de janeiro de 2014

SE PODEM MUDAR-SE, POR QUE NÃO SE MUDAM? Pior que complicar a vida às grandes empresas portuguesas que em Portugal produzem riqueza e empregam milhares de pessoas, só dizer-se que os portugueses têm muita sorte em tê-las, pois os seus proprietários poderão facilmente mudá-las para outros países. Como é evidente, o argumento é fraquinho, e escassamente fundamentado. Se podem mudá-las para outros países, naturalmente com vantagens, por que não as mudam? Por razões patrióticas? Não será porque a balbúrdia fiscal em vigor, de que os empresários tanto se queixam, as beneficia? Não será porque, contas feitas, a famosa estabilidade fiscal (e outras condições tidas como fundamentais) dos países para onde poderiam mudar-se significaria ganhar menos?

10 de janeiro de 2014

JORNALISMO ANEDÓTICO. Forçado pelas circunstâncias a pronunciar-se sobre Eusébio, José Sócrates terá feito uma investigação apressada — e acabou a dizer que se lembrava muitíssimo bem do memorável Portugal-Coreia do Norte onde Eusébio foi rei e senhor, pois nesse mesmo dia o ex-primeiro-ministro estava na escola. O resultado desta revelação é conhecido: alguém se deu ao cuidado de «investigar» (ele há gente para tudo), e logo descobriu que o Portugal-Coreia do Norte foi, afinal, a um sábado, dia em que não há escola. Perante isto, a reacção só podia ser uma: risota geral. Sócrates foi novamente apanhado a mentir, coisa a que já nos habituou e alguns garantem estar-lhe na massa do sangue. Houve, porém, um percalço: um amigo de infância confirmou que nesse dia houve, de facto, escola, onde esteve na companhia de Sócrates e outros colegas. Resumindo, Sócrates não mentiu. Se a história tivesse moral, a moral seria esta: há sempre um desmancha-prazeres disposto a dar cabo de uma bela teoria com a mania dos factos, e um jornalista a omitir os factos se lhe derem cabo da história. (Ler, a propósito, as duas últimas crónicas de Ferreira Fernandes.)

8 de janeiro de 2014

TÍTULO MAIS «ACORDISTA» QUE O ACORDO. Cirurgia de Nélson Évora "correu de forma expetável"

7 de janeiro de 2014

MILES DAVIS.
 

Comecei por In a Silent Way, a que regresso com frequência. Depois descobri a pérola cuja ligação aqui deixo. Foi ontem à noite, para desenjoar de Eusébio, que me ocupou no trabalho e fora dele. Não tanto ele, mas as dezenas de lugares-comuns que sobre ele disseram e escreveram – que, estou certo, o haveriam de enfastiar tanto como me enfastiaram a mim.

3 de janeiro de 2014

TOMA LÁ E CALA-TE. Como estarão lembrados, a revista Forbes publicou, em Setembro último, um artigo onde explicava detalhadamente a origem da riqueza da empresária angolana Isabel dos Santos, filha do presidente Eduardo dos Santos. Estranhamente, o artigo não mereceu qualquer reacção pública de Isabel dos Santos – nem, sequer, da trombeta do regime, sempre muito sensível a estes assuntos. Três meses depois do artigo da Forbes (resumo em português aqui), eis que a revista anuncia uma edição em português. Será um projecto em parceria com a angolana ZAP Publishing, que a revista identifica como líder no mercado de «pay-TV» em Angola e Moçambique. Infelizmente, a notícia não diz quem manda na ZAP Publishing. Adivinhem quem é.

2 de janeiro de 2014

E QUE TAL COMEÇAR PELO QUE INTERESSA? Em vez de legislar sobre o que não deve (ortografia, por exemplo), que tal o Estado rever os portais de que é responsável e pôr o que lá está em português que se entenda? Isso, sim, seria um verdadeiro serviço à língua portuguesa e aos portugueses em geral. Quanto ao Acordo Ortográfico, o chamado AO90, só mais uma achega: quem é contra já exibiu dezenas de argumentos concretos (repito: concretos) a fundamentar a discordância; quem é a favor não apresentou um único argumento concreto (repito: concreto) sustentando a bondade do negócio. Por aqui se vê o absurdo da coisa.
RECOMEÇAR DE NOVO. Terminei o ano com as últimas páginas de Nas Trevas Exteriores, de Cormac McCarthy, comecei o novo retomando The Journals of André Gide após longo interregno. É o que eu chamo acabar bem, e começar melhor — apesar da neve e do frio que se anunciam para as próximas horas. Oxalá seja um bom prenúncio para o que aí vem.