25 de dezembro de 2021

MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (8). Robert Walser descreveu, no romance Os Irmãos Tanner, as circunstâncias da morte do personagem Simon Tanner, ironicamente as mesmas que vitimarão o próprio Walser. Dando um passeio no hospício onde esteve internado nos últimos anos de vida, Walser foi encontrado sem vida faz hoje, dia de Natal, 65 anos, tal como o personagem d’Os Irmãos. «As crianças que fizeram a descoberta de seu cadáver descreveram um homem congelado à beira de um campo coberto de neve, com um longo casaco negro, botas grossas e os olhos abertos. Seu chapéu se encontrava a alguns passos e no seu rosto se desenhava um sorriso terrível. (...) É embrulhado nesse casaco escuro que cairá morto na neve no dia de Natal de 1956», lê-se na apresentação de Caminhadas com Robert Walser, de Carl Seelig, disponível na Amazon Brasil.

16 de dezembro de 2021

GUARDEM OS FOGUETES. Tirando Rui Rio, que nunca perdeu uma oportunidade para dar um tiro no pé, toda a gente deitou foguetes com a prisão de João Rendeiro, mas eu não estou seguro que a história acabe bem. É bom não esquecer que a justiça que agora o prendeu foi a mesma que o deixou fugir, e deixou-o fugir por cometer um erro tão básico que custa a crer que tenha sido inocente. Muita água irá correr até que o ex-banqueiro seja extraditado e posto numa prisão portuguesa, se é que chegará a ser extraditado e cumprirá em Portugal as penas a que foi condenado. Como se demonstrou incontáveis vezes, a justiça portuguesa é excelente a julgar pilha-galinhas, mas em se tratando de alguém que tem poder, a coisa arrasta-se anos a fio e às vezes dá em nada. Como é óbvio, o mal de que padece a justiça não se melhora de um dia para o outro, mesmo que haja vontade de todas as partes — e sabemos que não há. Até lá, o dinheiro continuará a fluir para os melhores advogados, que abrirão — ou fecharão — as portas que for preciso. Como escreveu Eça de Queirós, salvo erro no relato sobre a sua viagem ao Egipto, a justiça afastar-se-á para eles passarem.

1 de dezembro de 2021

TROPA FANDANGA. Não confundir a estrada da Beira com a beira da estrada, diz-se sempre que há «um caso» com as Forças Armadas (FA). Porque as FA são uma instituição respeitável; porque a excelência das FA nunca está em causa mesmo que por lá surjam casos de polícia; porque é preciso preservar a dignidade da instituição; e porque as FA prestigiam o país não sei onde nem porquê. A verdade é que é difícil não confundir a estrada da Beira com a beira da estrada. Ele é o caso do furto das armas, que um soldado da GNR resolveria num abrir e fechar de olhos e o tribunal arrasta há quatro anos e meio; ele é a Força Aérea, que abastecia as messes de oficiais a um preço superior ao devido e depois repartia a diferença entre fornecedores e oficiais de alta patente; ele são os comandos que se envolveram numa rede criminosa internacional de contrabando de diamantes, ouro, estupefacientes e moeda falsa; ele são as caçadas mais ou menos clandestinas em áreas militares praticadas por empresários e altas patentes das FA. Isto só para comentar o que é público e apenas os últimos quatro anos, que o Presidente da República diz serem «casos isolados» que não põem em causa a «excelência» e a «reputação» das FA, que são, para ele, «o orgulho de Portugal». Acontece que são demasiados os «casos isolados» para que se possa falar em «excelência» e boa «reputação» das FA, como o Presidente muito bem sabe, e não escandalizará ninguém dizer-se que o prestígio das FA anda pelas ruas da amargura. As Forças Armadas não são um bando de delinquentes, que fique bem claro. O meu problema com elas é a evidente rebaldaria que por lá vai, e não gosto que me tentem vender como bom o que não é bom. Andei por lá tempo suficiente para ver demasiados «casos isolados» praticados às claras e conhecidos de todos que nunca foram notícia. Nada disto, portanto, é novidade para mim. A novidade é a sofisticação com que hoje se praticam estas e outras malfeitorias e como se tornam públicas mais facilmente do que dantes.