31 de maio de 2005

Para o caso de alguém não ter lido, passo a transcrever os três primeiros parágrafos de uma crítica literária publicada no Diário de Notícias de hoje sob o título Identidade nacional e sexual em causa no tecido da ficção. A ideia é perguntar se alguém percebeu o que lá se diz, pois eu não tenho a certeza que o defeito não seja meu. Aqui vão, então, os três primeiros parágrafos:
O Mensageiro Diferido (1981, A Regra do Jogo) surge em reedição não aumentada mas revista frases despojadas, ritmo afinado, fragmentos reorganizados. Com plena actualidade, pelo lado da relação conflitual com o País e o lado gay. Agora a abrir e a fechar, o discurso directo duma "carta sempre recomeçada" a Riki carta leitmotiv da narrativa legível também como deriva epistolar; destinatária que é parte de triângulo amoroso reconfigurado em ficções posteriores, como O Incêndio (As Escadas Não Têm Degraus/5, 1991) ou Osculatriz (1992).

Riki ressurgirá em Álbum de Retratos (1994), filha de Gretta Augenfeld, a judia errante fugida ao nazismo e à guerra, matéria seminal do imaginário do autor. Além de Riki, compõem o triângulo d'O Mensageiro Diferido Jan, também estrangeiro, e Rui, português que diríamos "estrangeiro aqui como em toda a parte". Fica este para contar - em diferido mas presentificando o passado - as "férias de passagem" em que aquele desapareceu sob um comboio, fosse por desencontro amoroso ou sentimento de rejeição. Fica com dor e choro: "escrevo como choro/para não morrer" (pp. 94); "mesmo que chore: é sempre a chuva,/mesmo que não chore: chora" (pp. 99). Choro a remeter, na coincidência temporal-editorial, para texto contemporâneo da revisão-reescrita deste, no catálogo da exposição de Paulo Nozolino em Serralves O Choro É Sempre Um Lugar Incerto (Faces Cry).

Aí "a palavra recomeça o seu longo tecido" como aqui, como se na escrita de um mesmo livro, embora já outro, tecido ficcional de incidência lírica e componente social apesar do niilismo "não a fábula, mas a ordem linear do gesto" de quem "leva ao extremo a ferocidade de se explicar" (Sauromaquia, 1976); "pelos caminhos deflagrados das histórias, o mar perfeito dos destroços" (Os Deuses da Antevéspera, 1977). A pista autobiográfica, dada na simbologia do nome Rui, entra num jogo irónico, onde o narrador intervém, baralhando (ao afirmar a sua omnipotência no curso da ficção) e voltando a dar...