10 de maio de 2006

As minhas leituras são cada vez mais releituras. Cada vez me interesso menos pelas «novidades», cada vez me apetece mais regressar aos livros onde fui feliz. Hoje decidi reler a História Universal da Infâmia, que li pela primeira vez em meados de 99. Os «exercícios de prosa narrativa» (a caracterização é do próprio Borges) começam assim:
«Em 1517 o Padre Bartolomé de las Casas teve muita pena dos índios que se extenuavam nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas e propôs ao Imperador Carlos V a importação de negros, que se extenuaram nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas. A essa curiosa variação dum filantropo devemos factos infinitos: os blues de Handy, o êxito alcançado em Paris pelo pintor doutor oriental D. Pedro Figari, a boa prosa bravia do também oriental D. Vicente Rossi, o tamanho mitológico de Abraham Lincoln, os quinhentos mil mortos da Guerra de Secessão, os três mil e trezentos milhões gastos em pensões militares, a estátua do imaginário Falucho, a admissão do verbo linchar na décima terceira edição do Dicionário da Academia, o impetuoso filme Aleluya, a forte carga de baioneta conduzida por Soller à frente dos seus Pardos y Morenos no Cerrito, a graça da menina Fulana, o mulato que assassinou Martín Fierro, a deplorável rumba El Manisero, o napoleonismo corajoso e encarcerado de Toussaint Louverture, a cruz e a serpente no Haiti, o sangue das cabras degoladas pela catana do papaloi, a habanera mãe do tango, o candombe.»