12 de março de 2007

Eduardo Cintra Torres (ECT) prossegue, no Público, a cruzada contra o Governo, mais exactamente contra o que ele designa por «intervenções cirúrgicas» do Governo na RTP. Argumenta o crítico que o Telejornal deu 2 minutos e 28 segundos à posição do Governo sobre as estatísticas dos tribunais e 3 minutos e 14 segundos às posições contrárias. Como «dar os dois lados da questão era mau para o governo», concluiu, a televisão pública resolveu convidar o ministro da Justiça para o mesmo Telejornal, onde terá falado durante 6 minutos e 33 segundos. Remata ECT sobre este episódio que o «governo ficou a ganhar com o triplo do tempo e a última palavra». Ora, apesar de rigorosos na aparência (veja-se o pormenor dos segundos), os factos avançados por ECT são insuficientes. Resumir a questão ao tempo de antena a que cada um teve direito não me parece razão bastante para que se possa dizer que o Governo beneficiou, como também não me parece que a simples presença do ministro no Telejornal beneficie, por si só, o Governo — além de me parecer plenamente justificada a presença do ministro no Telejornal. Se o ministro Alberto Costa beneficiou com as explicações que deu, é coisa que não se pode aferir, apenas, pelo tempo de antena que lhe concederam. Prossegue ECT afirmando que o Notas Soltas é «o mais aviltante programa de propaganda governamental pós-moderna da actualidade», alegando que é um espaço televisivo onde «o governo dá instruções ideológicas aos seus militantes». Pior: o Notas Soltas é feito pelo «nº 2 do partido do governo», apesar de reconhecer ao dr. Vitorino «algumas opiniões genuinamente individuais». Ora, quer isto dizer que a televisão do Estado não pode ter comentadores pró-governamentais ou do partido do Governo? Será que o modelo de televisão pública só comporta comentadores políticos da oposição? Termina ECT dizendo, sem dúvida para reforçar a tese das «intervenções cirúrgicas», que o Prós & Contras desse mesmo dia «cumpria uma vez mais a sua missão cirúrgica» de apoiar o Governo ao conceder 189 minutos de antena ao ministro Correia de Campos, esquecendo-se de especificar o tempo gasto por quem se lhe opôs e repisando a tese de que o tempo é tudo o que importa — além de acusar os profissionais que fazem aquele programa de cederem às pressões do Executivo. Tudo isto para dizer que o Governo instrumentaliza a televisão sob a sua tutela, demonstrando estar disposto a tudo para alcançar esse propósito, incluindo tirar olhos. Ora, o Governo usa a RTP em seu benefício? Hoje como ontem, a resposta é: provavelmente. Aliás, há anos que ouvimos esta conversa, e não deve haver Governo que não tenha ficado com a fama de controlar a RTP — e, provavelmente outra vez, com o proveito. Ora, é precisamente este o meu ponto. Que um cidadão tenha suspeitas e as divulgue, aceita-se. Mas de um crítico de media espera-se mais, muito mais: espera-se que vá além das insinuações, e espera-se que apresente factos sólidos quando faz acusações. Pior: as críticas sobre esta matéria vêm quase sempre de gente suspeita politicamente, o que leva os cidadãos menos apaixonados pela política a encará-las com cepticismo e a reduzir-lhes a eficácia. Devo dizer, depois destas reticências, que não tenho razão alguma para defender o Governo nesta ou noutras matérias, e que o meu ponto de vista sobre este assunto não varia consoante a cor política de quem está no Governo. Devo dizer, também, que tenho plena consciência de que estou a remar contra a maré, que me vão acusar de estar ao serviço de não sei que forças, pois o normal num caso destes não é defender o que se julga estar certo mas puxar a brasa à sardinha. Digo isto sobre a tese de ECT por outras razões: porque criticar assim não custa nada; porque me chateia que se façam acusações que nunca se provam; porque me chateia que praticamente ninguém dos que discordam reaja ao que ele escreve; porque me chateia que acusações deste teor deixem quase sempre a quem acusa o estatuto de corajoso — que nem sempre merece — e o acusado sem hipótese de defesa — o que é uma injustiça.