21 de novembro de 2008

ZAFÓN. Li, com prazer, A Sombra do Vento, um livro que considero notável. Ao que parece por vender às mãos-cheias, o autor, Carlos Ruiz Zafón, tornou-se motivo de desconfiança. Percebe-se porquê. Afinal, um livro que vende como pão quente costuma ser mau, logo motivo de desconfiança. Mas já não percebo algumas coisas que se disseram a propósito. Por exemplo, Lídia Jorge acha que A Sombra é um livro «feito com uma habilidade extraordinária», mas está fora de questão colocar o autor ao lado de escritores que «escrevem com a verdade ontológica em sangue». Segundo ela, Zafón «não explora o mergulho abismal da contradição interna» nem «subverte os códigos do sentimento», muito menos pertence ao grupo dos que «procuram falar de uma verdade intrínseca». Os livros dele não passam, para ela, de «literatura popular», do género Pérez-Reverte. Fernanda Abreu, que também compara Zafón a Pérez-Reverte, acha que não há, no escritor catalão, «um trabalho linguístico» ou «narrativo». Embora confesse ter lido, apenas, o início, percebeu, de imediato, que A Sombra «traz uma receita de ‘best-seller’ internacional». Foi mais longe a professora: «uma coisa é um livro, outra coisa é a literatura». Sobre a arte de contar uma história, não tem dúvidas: «já os folhetinistas do século XIX o faziam, e bem melhor». Como já perceberam, discordo praticamente de tudo o que as senhoras disseram ao Público (Ípsilon de 14 de Novembro) a propósito do «fenómeno» Zafón, e faço a ressalva porque não percebi algumas coisas que foram ditas. Não percebi, por exemplo, o que é escrever «com a verdade ontológica em sangue», ou «falar de uma verdade intrínseca». Não percebi «o mergulho abismal da contradição interna», muito menos o que são «os códigos do sentimento». Depois, contar uma história é uma arte menor? Pérez-Reverte, que também sofre do mal de Zafón (vende muito), é um autor de segunda? O Pintor de Batalhas, para só falar no último livro que li dele, faz farte do que as senhoras designam «literatura popular»? Pena é que o grosso dos argumentos não chegue, sequer, a entender-se, o que me leva a suspeitar que as senhoras procuraram esconder a ignorância atrás de frases grandiloquentes, que se desmoronam logo que «traduzidas» para português corrente. Já os argumentos que se entendem, é evidente que são preconceitos que não convencem ninguém. Infelizmente, não são as únicas praticantes da modalidade, o que me leva a perguntar: gostarão elas de literatura? Sinceramente, duvido. Pior que aqueles que acham que um livro é bom porque vende às mãos-cheias, só quem acha um livro mau por esse motivo. Se, no primeiro caso, a conclusão se deve, essencialmente, à ignorância, no segundo esperar-se-iam melhores argumentos. Argumentos que, pelos vistos, não têm.