13 de agosto de 2009

LI E GOSTEI (3)

Uma manhã de Inverno, passeava com Arrieta pelo Jardin du Luxembourg quando numa alameda secundária vislumbrámos um pássaro negro e solitário, quase imóvel, a ler o jornal. Era Samuel Beckett. Vestido rigorosamente de preto dos pés à cabeça, estava ali numa cadeira, muito quieto, parecia desesperado, metia medo. E até quase parecia mentira que fosse ele, que fosse Beckett. Nunca tinha previsto que pudesse encontrá-lo. Sabia que não era um clássico morto, mas sim alguém que vivia em Paris, mas imaginara-o sempre como uma escura presença que sobrevoava a cidade, nunca como alguém que encontramos a ler desesperado um jornal num velho parque frio e solitário. De vez em quando mudava de página, e fazia-o com uma espécie de nojo tão grande e uma energia tão intensa, que se o Jardin du Luxembourg inteiro tivesse tremido não nos teria surpreendido nada. Quando chegou à última página, ficou entre absorto e ausente. Metia mais medo do que antes. «É o único que teve a coragem de mostrar que o nosso desespero é tão grande, que nem palavras temos para o exprimir», disse Arrieta.

Enrique Vila-Matas, Paris nunca se acaba