POETAS DE ÁGUA DOCE. Terminaram cedo as minhas veleidades poéticas, logo após a leitura de Pessoa, e depois de Cesário, Sophia, Herberto e do senhor O’Neill, quase senti vergonha de ter feito uns versinhos. Reza a lenda que somos um país de poetas, embora desconfie que também outros países reclamem o mesmo estatuto. Mas quando alguém diz que somos um país de poetas, apetece-me acrescentar que somos um país de poetas de água doce, expressão como o dicionário define os poetas de maus versos. Os exemplos são muitíssimos, e há-os para todos os gostos. Qualquer analfabeto que conhece uns rudimentos da língua em que diariamente se expressa consegue alinhavar uns versinhos em que a bota emparelha com a perdigota, e por isso se julga à altura de dar à estampa ou mesmo de antologia — e é vê-lo como incha de gozo quando alguém o trata por poeta ou adjectivos assim. Mas não me refiro apenas à poesia popular — ou ao gosto popular, ou como lhe queiram chamar. Refiro-me também à poesia que passa por ser erudita, mas que no fundo é um mero jogo de palavras que tem tanto de erudito como a Modestine de Stevenson — e se destina, claro está, a impressionar os pategos. Sim, hoje é Dia Mundial da Poesia, soberana ocasião para nos embebedarmos de versos e cantarmos as musas. Mas eu permaneço sóbrio, estranhamente sóbrio, e talvez mais logo leia as últimas páginas de um livro divinamente escrito por um cavalheiro que nada sabia de versos.
21 de março de 2012
POETAS DE ÁGUA DOCE. Terminaram cedo as minhas veleidades poéticas, logo após a leitura de Pessoa, e depois de Cesário, Sophia, Herberto e do senhor O’Neill, quase senti vergonha de ter feito uns versinhos. Reza a lenda que somos um país de poetas, embora desconfie que também outros países reclamem o mesmo estatuto. Mas quando alguém diz que somos um país de poetas, apetece-me acrescentar que somos um país de poetas de água doce, expressão como o dicionário define os poetas de maus versos. Os exemplos são muitíssimos, e há-os para todos os gostos. Qualquer analfabeto que conhece uns rudimentos da língua em que diariamente se expressa consegue alinhavar uns versinhos em que a bota emparelha com a perdigota, e por isso se julga à altura de dar à estampa ou mesmo de antologia — e é vê-lo como incha de gozo quando alguém o trata por poeta ou adjectivos assim. Mas não me refiro apenas à poesia popular — ou ao gosto popular, ou como lhe queiram chamar. Refiro-me também à poesia que passa por ser erudita, mas que no fundo é um mero jogo de palavras que tem tanto de erudito como a Modestine de Stevenson — e se destina, claro está, a impressionar os pategos. Sim, hoje é Dia Mundial da Poesia, soberana ocasião para nos embebedarmos de versos e cantarmos as musas. Mas eu permaneço sóbrio, estranhamente sóbrio, e talvez mais logo leia as últimas páginas de um livro divinamente escrito por um cavalheiro que nada sabia de versos.