25 de março de 2003

Na sequência de uma notícia publicada no "Expresso" de 8 de Março, sob o título "Você vai ser deportado" e que abaixo transcrevo na íntegra, entendi enviar ao semanário do dr. Balsemão um pedido de correcção. Como tudo indica que o destino da prosa foi o caixote do lixo e porque acho que a notícia em causa merece correcção, aqui fica a minha carta e a transcrição da notícia:

A minha carta: A estória que o senhor Ruben Eiras contou na última edição do "Expresso" («Você vai ser deportado») não tem pés nem cabeça. Diz Ruben Eiras que uma cidadã americana "de origem hispânica" foi deportada para o seu país de origem (o México) "por causa dos dois filhos - também cidadãos americanos - não saberem falar inglês". Ora isto é um perfeito absurdo. Desde quando é que um cidadão americano pode ser deportado? E, já agora, deportado para onde? Como se dúvidas houvesse que não sabe do que está a falar, Ruben Eiras começa por dizer que a referida senhora "é cidadã americana", mas depois acrescenta que "está legalizada". Ora não se conhecem cidadãos americanos que não estejam legalizados. Ou se é cidadão americano ou não se é. Provavelmente Ruben Eiras confundiu o estatuto de cidadão americano com o de residente estrangeiro (possuidor de um documento que lhe permite viver e trabalhar nos EUA, o chamado "cartão verde").
Nada disto teria qualquer importância se a estória não tivesse por objectivo demonstrar onde chegou o suposto "delírio securitário" dos americanos. Como induz os leitores em erro e atribui aos americanos atitudes que eles não têm, parece-me que se impõe uma correcção.

A notícia: Sábado, 22 de Fevereiro de 2002. Aterro em Atlanta por volta das 19h30. Dirigia-me pela primeira vez aos EUA em trabalho, para cobrir a «Training Conference 2003», o maior evento de formação do mercado norte-americano. No aeroporto, depois de a minha documentação ser analisada, sou remetido para a secção de controlo da imigração. Dez minutos mais tarde sou atendido. O funcionário, branco e de cabeça rapada, indaga-me outra vez sobre a minha profissão e os objectivos da viagem. Pergunta-me se o EXPRESSO é um jornal português e respondo-lhe que sim, mostro-lhe o meu cartão de jornalista. É então que ele me informa, com um sorriso cínico, que vou ser «deportado». Atónito, pergunto-lhe porquê. «Porque você não possui o visto especial para jornalistas estrangeiros exercerem a sua profissão em território americano», responde-me secamente. Ignorava a existência desta norma. Pergunto-lhe se não há hipóteses de revisão da situação. Ele vai falar com o superior sobre o caso. Entretanto, observo o ambiente à minha volta. Dou-me conta de que todos os franceses e alemães que vieram no voo são «passados a pente fino». Atrás de mim, está uma senhora de origem hispânica, dos seus 40 anos, a chorar convulsivamente. Conta-me que foi assistir aos últimos dias de vida do pai, residente no México. Grávida de seis meses e acompanhada pelos dois filhos, com seis e cinco anos de idade, é cidadã americana, está legalizada, mas vai ser deportada. Por causa dos dois filhos - também cidadãos americanos - não saberem falar inglês. Mostra-me a documentação e verifico que é verdade. Vivem num gueto hispânico nos EUA. Entretanto, o funcionário regressa. Comunica-me que a decisão é irreversível: vou ser mesmo deportado. Peço-lhe para contactar a embaixada americana em Portugal. Nega. Fico estupefacto. O funcionário de cabeça rapada informa-me de que terei de passar a noite na prisão devido a já não existirem voos para Paris. Completamente sozinho entre quatro paredes metálicas, com um banco em alumínio sem colchão, soçobro e choro. Passada meia hora vejo a maçaneta rodar. Era o funcionário de cabeça rapada, a dar-me a boa notícia de que afinal havia voo para mim. Vou regressar a Lisboa e sair do abismo paranóico em que os EUA caíram.