25 de junho de 2015

A FUMAÇA CONTINUA. Definitivamente que o futuro da Grécia só os melhores astrólogos conseguem prever. Como esta notícia bem o demonstra (os analistas financeiros não conseguiram prever o colapso do BES), só por acaso alguém acertará no desfecho do «caso» grego. Bem sei que no início da semana, meio ano depois do começo das negociações entre o Governo grego e as agora chamadas «instituições financeiras», anunciaram, como mal contida euforia, «uma base sólida» para um acordo. Reparem: mesmo que sólida, apenas uma base. Hoje constata-se que nem isso é. À semelhança das anteriores, as negociações caminham penosa e rapidamente para o ponto de partida. Haverá um desfecho, com certeza que haverá, e respectiva fotografia da praxe. Mas duvido que alguém fique bem no retrato.
COISAS QUE VOU LENDO (28). «A desconfiança em relação às novas formas de transporte não é inédita. Há coisa de um século, a indústria do cavalo e dos transportes hipomóveis desconfiava do new kid on the block, que ameaçava satisfazer as necessidades de deslocação do ser humano de forma mais capaz, porque mais rápida, confortável e conveniente — o automóvel. A força do lobby do cavalo era tal que o legislador do Estado da Pensilvânia, quiçá sob o efeito do cavalo, aprovou uma lei segundo a qual “qualquer condutor que aviste uma parelha de cavalos a vir na sua direção deve encostar o automóvel à berma e cobri-lo com uma manta que se confunda com a paisagem”. O final da história é conhecido: o automóvel democratizou-se e o cavalo ficou confinado ao Jockey do Campo Grande e à vila da Golegã no São Martinho.» Tito Rendas, Público de 24/06/2015

24 de junho de 2015

KEITH JARRETT, TÓQUIO, 1984. Uma só palavra para adjectivar este concerto: fenomenal.

23 de junho de 2015

O JORNALISMO ONTEM E HOJE. Provavelmente desde A Capital, de Eça de Queirós, onde roubei o título do blogue, que não me ria tanto. Falo de Enviado Especial, paródia de Evelyn Waugh a um certo jornalismo que se praticava na época (Scoop, título original, publicado pela primeira vez em 1938). Terminado o livro, atiro-me a Número Zero, romance de Umberto Eco acabadinho de sair, que leio com um permanente sorriso desde a primeira página. Apesar de separadas no tempo por quase oito décadas, um traço em comum entre estas duas obras: o mau jornalismo. Sim, o bom não se presta a romances.

18 de junho de 2015

POR CAUSA DAS TOSSES. Talvez haja algum exagero, mas Keith Jarrett não se livra da fama de ter uma relação problemática com o público. Tive ocasião de o comprovar no último concerto que vi dele, de que aqui já falei. O primeiro tema da noite terminou com um espectador a tossir mesmo em cima da última nota, que provocou uma reacção intempestiva de Jarrett, que não conseguiu conter a irritação, embora temperada com ironia. Levantou-se de imediato, foi ao microfone e disse, mais coisa, menos coisa, que há pessoas que têm uma pontaria de tal modo afinada que conseguem tossir em momentos cruciais, como foi o caso. Como pouco depois se comprovou, a irritação já vinha de trás. Como estava um dia péssimo (as ruas de Nova Iorque estavam cobertas de neve e escorregava-se por todo o lado), houve quem se atrasasse, como se notou durante a meia hora de atraso com que Jarrett decidiu, e bem, iniciar o concerto. Irritação que o levaria a dizer que os atrasados lhe mereciam um enorme respeito, pois alguns tinham feito três e mais horas de automóvel debaixo de uma tempestade para ali estar — uma alusão à pateada com que os impacientes espectadores o brindaram antes do concerto, reclamando o seu início. Mas houve mais: cavalgando a onda, falou da sua lendária má relação com o público, e apontou para o piano onde acabava de tocar um tema complexíssimo (como, aliás, todos os que tocou naquela noite) para dizer que sem o público não o teria conseguido. Lembrei-me deste episódio enquanto ouço Alfred Brendel tocar o Adagio Un Poco Mosso do Concerto para Piano #5 de Beethoven (que já ouvi dezenas de vezes e a que, por uma razão ou outra, volto sempre), onde as tosses são uma autêntica praga, e provavelmente evitáveis. É conhecido o feitio de Jarrett, que se recusa a tocar enquanto o público não estiver em completo silêncio. (Há notícias de concertos em que se recusou a tocar por esse motivo, entre os quais um concerto em Lisboa em 1981.) Como alcançou um estatuto que lhe permite dar-se a esse luxo, falo-o, e eu acho muitíssimo bem. Até porque o barulho não perturba, apenas, o concertista, mas também o público que vai lá para ouvir. E eu, confesso, detesto ser perturbado, sobretudo por barulhos facilmente evitáveis. Anuncia-se, já depois destas linhas, o fim do trio (Jarrett, Peacock, DeJohnette). Dada a idade dos seus membros, é um fim anunciado. A confirmar-se, tive o privilégio de assistir ao último concerto, de que aqui dei conta. Ficam as memórias, as gravações, a música. A grande música.

16 de junho de 2015

COISAS QUE VOU LENDO (26). «Marques Mendes assessorou Efromovich através da Abreu Advogados; [António] Vitorino assessorou Neeleman através da Cuatrecasas. O que está aqui em causa não é este trabalho de mediação negocial. O problema é que estes mediadores de negócios acabam o seu trabalho às cinco e depois às nove da noite já estão a comentar a pátria nas televisões, como se fossem observadores desligados da realidade que estão a comentar. Nessa noite imprecisa, todos os gatos são pardos.» Henrique Raposo, Expresso Diário de 15/06/2015
COISAS QUE VOU LENDO (25). «Ao propor ao arguido a aceitação de outra medida em substituição da prisão preventiva, o Estado está a dizer que já não a entende necessária, adequada e proporcional. O Estado tem obrigação de saber que o arguido pode não aceitar a prisão domiciliária com pulseira electrónica. É o Estado que faz as leis. Não o arguido. Ao regressar à prisão preventiva, após recusa do arguido em aceitar a pulseira electrónica, o Estado está a dar o dito por não dito. Nem se percebe que agora se prescinda da prisão preventiva e daqui a bocado se volte a aplicá-la. Sem qualquer alteração de facto ou circunstância.» Alberto Pinto Nogueira, Público de 15/06/2015

13 de junho de 2015

O INFERNO DA GRITARIA. Vi duas emissões da Barca do Inferno e fiquei vacinado. Tirando uma senhora, cujo nome não me ocorre, aquilo era uma gritaria pegada. Bem pode Raquel Varela, que o país conheceu graças a um programa de televisão onde um jovem empresário lhe arruinou uma bela teoria com uma evidência que só ela não viu, dizer que o programa foi «inovador», que há vídeos seus no dito programa «que tiveram meio milhão de visualizações», que foi visto e comentado «de norte a sul do país, em universidades e câmaras municipais». Só não viu quem não quis (as emissões estão online): aquilo, como debate, valeu zero. Também o novíssimo programa de debate da RTP, As Palavras e os Atos, é um fiasco. É ruído do princípio ao fim, ninguém deixa falar ninguém. Sabe-se de antemão o que os convidados vão dizer, o moderador fala de mais. Pior: como modelo, o programa não tem conserto. Querem um debate a sério? Copiem o Conversas à Quinta, do Observador, onde os temas são abordados de forma serena e profunda.

10 de junho de 2015

PARADISO. Graças à internet, possuo, desde algum tempo, Paradiso, de Lezama Lima, na língua em que foi escrito (espanhol), que estou longe de dominar. Lidas algumas dezenas de páginas, constato, apesar das dificuldades com a língua, que é um grande livro. Procurada a tradução portuguesa, não há. Só em português do Brasil. Caríssima, e difícil de arranjar. Parafraseando Almada Negreiros, «deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido». Não é caso para tanto, mas vinha mesmo a calhar uma tradução em português «sem sotaque» — e, já agora, sem Acordo Ortográfico (AO90), mas talvez seja pedir muito.

5 de junho de 2015

POBRES E MAL-AGRADECIDOS. Imaginem que ando pelas ruas a anunciar que o jornal X traz a notícia Y, e forneço as direcções do quiosque onde se pode comprar o jornal X. Imaginem agora que cobro um centavo pelo serviço a cada pessoa que informo. Devo reparti-lo com o jornal X? É isto que defende quem acha que a Google deve pagar aos jornais sempre que alguém usa o seu motor de busca para fazer uma pesquisa e a pesquisa remete para esses mesmos jornais. O ponto dos defensores desta ideia é o seguinte: como de cada vez que o motor de busca sugere as ligações exibe publicidade (pela qual a empresa proprietária é paga), não devia a Google pagar aos jornais determinada quantia por revelar que a notícia Y está no jornal X? Não tenho certezas absolutas sobre esta matéria, muito menos o que a lei, a existir, prevê para casos destes, mas a minha resposta tende a ser um rotundo não. Reparem: a questão pode ser vista ao contrário. O que muitos consideram um roubo da Google pode, igualmente, ser visto como publicidade gratuita aos jornais para onde a Google remete quem pesquisa, que dessa forma ganham leitores que doutro modo talvez não tivessem. Imaginem que a Google teria que pagar cada ligação que sugere sempre que o seu motor de busca é usado para efectuar qualquer outra pesquisa. Como a lógica é a mesma, teria, igualmente, de pagar. Assim sendo, teríamos Google? Por mim, desde que a Google me forneça os preciosos serviços que me tem fornecido até agora, pelos quais não pago um centavo, que ganhe muitíssimo dinheiro. Não me escandalizaria, aliás, que o seu motor de busca venha a ser considerado serviço público (que, na prática, já é), e a usufruir dos benefícios que o estatuto lhe confere. O Observador lembrou, por ocasião do seu primeiro aniversário, que vários dos seus textos remetem para artigos da concorrência, para os quais disponibiliza as respectivas ligações. Ora aqui está outro caso (e uma prática que se saúda). Invocando a mesma lógica, não devia o Observador pagar à concorrência sempre que a recomenda?

4 de junho de 2015

A LÓGICA QUE ME ESCAPA. Nem tudo o que reluz é ouro, como nem tudo é verdade o que se diz nos jornais, sobretudo desportivos, especialmente nesta altura do ano. Mas há meses que os jornais vêm dizendo que o Benfica e Jorge Jesus negociavam um novo contrato, que passava pelo Benfica baixar o salário ao treinador, e não vi quem o desmentisse. Ora, tendo em conta os resultados de Jorge Jesus à frente do Benfica, é normal assegurar a sua continuidade baixando-lhe o salário? A lógica aponta para o contrário, e o contrário seria manter-lhe — ou melhorar-lhe — o contrato, por melhor que ele já fosse. Caberá na cabeça de alguém que uma empresa que vê os seus lucros aumentarem substancialmente graças ao desempenho de um gestor (ou em grande parte graças a ele) «premiá-lo» baixando-lhe o salário? Confesso que não percebo. Como não percebo que a direcção «encarnada» se tenha apressado a apagar Jorge Jesus da foto do bicampeonato mal se confirmou a transferência de Jesus para o rival de Lisboa, um gesto próprio de quem não tem memória, nem princípios.