30 de outubro de 2015

QUEM COPIOU POR QUEM? Li com atenção a peça que Kathleen Gomes escreveu, no Público, sobre o juiz que no Brasil dirige a investigação ao maior escândalo de corrupção da história do país, que já está a chamuscar a actual presidente. A dado passo, lê-se o seguinte: «Uma [das estratégias da investigação] é a fuga de depoimentos e provas para a imprensa e a ampla exposição mediática do processo ­– reforçada pela disseminação nas redes sociais –, garantindo o apoio da opinião pública e impedindo as figuras investigadas de travar o trabalho judicial.» Ora, isto é normal? É legal que num estado democrático a justiça promova julgamentos mediáticos? E, já agora, foi a justiça brasileira que copiou o modelo português seguido pela investigação do caso Sócrates (mas não só), ou o contrário? Não, não defendo Sócrates de coisa nenhuma. Defendo, sim, que este método, largamente praticado em Portugal, é inadmissível. Seja para o que for e para quem for.
PAZ À SUA ALMA. Se nada mudou na liturgia católica, um funeral costuma ser precedido de missa — a chamada missa de corpo presente. Foi isto que hoje me ocorreu durante a tomada de posse do novo Governo, cujo funeral segue dentro de momentos (10/11 dias, ao que parece). Ou, então, uma pantomina, com os pantomineiros a fazer de conta que era o que não era. Considerei acertada a decisão do Presidente da República de dar posse a um Governo de Passos Coelho. Mas, olhando para o que hoje nos foi dado ver, é difícil ver aquilo doutra maneira. Até o Presidente da República se comportou como num mortório. Contido e sereno, Cavaco deu mostras de já ter digerido meio elefante sem problemas de maior. Resta-lhe digerir o outro meio.

23 de outubro de 2015

AS RAZÕES DE CAVACO. Por razões que já disse, o Presidente Cavaco tomou a decisão acertada. Mas suspeito que, dizendo o que disse da coligação que por aí se vai cozinhando, afirmando que não tem consistência e apontando-lhe outros defeitos irremediáveis (uma evidência que qualquer mortal constata mas que o Presidente devia guardar para si), Cavaco vai ter que engolir o que disse. A não ser que o Governo liderado por Passos Coelho consiga «passar» no parlamento, que a coligação das esquerdas ainda não está consolidada — embora o «toque a reunir» que o discurso de Cavaco causou possa dar um empurrão decisivo. Dez dias para apresentar um governo e mais uns quantos para o levar a votos é muito tempo. Muita água passará, até lá, debaixo das pontes. Prognósticos, portanto, só no final do jogo.
CARLOS ALEXANDRE E O PODER. Por razões que me parecem óbvias, é pouco saudável que em Portugal (ou em qualquer outro país) todos os grandes processos estejam, há anos, nas mãos de um só juiz. Não tenho como aferir a competência (e imparcialidade) do juiz Carlos Alexandre. Mas não é normal (nem saudável) que todos os grandes casos passem, em Portugal, pelas mãos de um só juiz, no caso Carlos Alexandre. Tanto poder nas mãos de um só homem, não só é assustador como legitima até as mais descabeladas suspeitas.

16 de outubro de 2015

GOLPES E CONTRA-GOLPES. Defendi ontem que o Presidente da República deve chamar a governar a coligação vencedora das eleições de 4 de Novembro (PSD-CDS/PP). E que, uma vez empossada como governo, deve negociar caso a caso com a oposição o que houver a negociar. Embora os resultados eleitorais permitam outras soluções, igualmente constitucionais, esta será, como também disse, a solução natural. Mas se este cenártio não me oferece grandes dúvidas, discordo totalmente da tese de que o governo deve manter-se em gestão até novas eleições (parece que não antes de Maio do próximo ano) caso seja chumbado no parlamento. Se não me repugna que se chame golpada a uma coligação de esquerda como primeira opção de governo, um governo de gestão seria outra golpada.

15 de outubro de 2015

ASSIS E O SENSO COMUM. Desculpem a presunção, mas defendi, em privado, a solução que Francisco Assis agora defendeu em entrevista à RTP. Que, face aos resultados de 4 de Novembro, a coligação vencedora deve ser chamada a governar, e que o PS deve assumir-se como oposição. As negociações com a coligação vencedora, necessárias no actual quadro parlamentar, deverão ser feitas caso a caso, à medida das necessidades. Isto seria, para mim, a solução natural, a que melhor traduz o que ficou expresso nas urnas. Como Assis demonstrou com vários exemplos, uma coligação do PS com o Bloco e o PC (ou um governo PS com o apoio das duas forças políticas à sua esquerda) seria contranatura, previsivelmente destinada ao fracasso — e a curtíssimo prazo desastrosa para o país e para o PS. Não será só Assis, no PS, a pensar desse modo. Mas a partir do momento em que Assis deu a cara por outra solução que não a preconizada pelo chefe (e expressão ao que muitos pensarão mas não se atrevem a dizer), espera-se que mais vozes constatem o óbvio.

9 de outubro de 2015

DOS SANTOS E PECADORES. Devo dizer que não aprecio José Rodrigues dos Santos como jornalista, e como romancista ainda me haviam de pagar para o ler. Mas não contem comigo para o apedrejar no «caso» Quintanilha. Li várias notícias sobre o incidente, e não entendi bem o que se passou (pareceu-me que não passou de um mal-entendido, mas não tenho a certeza). Mas constatei que o jornalista assumiu logo o erro, e logo pediu desculpa por ele. Assim sendo, o assunto morreu ali. Estranha-se, por isso, tamanho alarido e a indignação que causou. Mais postiça que real, mas isso são outras contas.

7 de outubro de 2015

OPINAR SOBRE O QUE NÃO SE CONHECE. Numa coisa tem Ana Gomes razão: houve, na campanha eleitoral para as legislativas, mais opinião que informação. Quanto vale o PSD na coligação vencedora? E o CDS/PP? Quantos deputados elegeram cada um? Vão formar um só grupo parlamentar? Já disse que prestei escassa atenção às eleições, mas isto devia encontrar-se facilmente em qualquer lado. Como não encontrei em lado nenhum, deduzo que não está em lado nenhum. Já a opinião, mal um político deu um pu, cinco segundos depois já os jornalistas perguntavam a alguém (comentadores, politólogos, políticos em pousio e vários eteceteras) o que pensava. Não foram poucas as vezes que os desgraçados dos «pensadores de serviço» foram obrigados a botar opinião antes mesmo de lhe avaliar o cheiro.
UM BOM TÍTULO. Joana Amaral Dias teve menos votos do que leitores da “Cristina”

2 de outubro de 2015

A DEMOCRACIA QUE HÁ. Tirando «as gordas», li quase nada do que se escreveu sobre a campanha eleitoral para as eleições de domingo, e também não sei o que disseram as rádios e as televisões. Porque as férias me ocuparam o tempo todo. Porque as reportagens e as análises foram tantas que se tornou impossível manter-me actualizado. Porque acompanhar a campanha seria uma canseira e uma perda de tempo. Porque, enfim, o proveito seria escasso ou nulo. Desconfio, aliás, que a generalidade dos eleitores não ligou nenhuma à campanha eleitoral. Apesar de quilómetros de prosa nos jornais, e de centenas de horas nas rádios e nas televisões. Cada um pelas suas razões, mas parece-me que por dois ou três motivos comuns: porque o modelo da campanha está ultrapassado; porque as promessas que se fazem não são, em princípio, para cumprir; porque os eleitores se sentem cada vez menos representados pelos políticos que há; porque os eleitores estão fartíssimos de políticos que nestas alturas os beijam e abraçam e o resto do tempo os ignoram. Sim, é a democracia, o pior dos regimes excluídos todos os outros. O problema é que a falta de concorrência (a que há felizmente não chega, na prática, a sê-lo) não ajuda a torná-la melhor.