26 de fevereiro de 2013

FALHANÇOS E ALDRABICES. Percebe-se que os falhanços aconteçam, que o diagnóstico e a receita não encaixem com os resultados, mesmo depois de nos terem vendido como inevitáveis e infalíveis. Mas o que se percebe cada vez menos é que os governantes não assumam as falhas, e não expliquem aos portugueses por que não ocorreu o milagre que lhes prometeram. Os governantes anunciam diariamente medidas de austeridade que significam o falhanço das anteriores — mas nada justificam, nada argumentam, nada dizem. Julgam não ter obrigação de explicar nada a ninguém, e quando condescendem a explicar deliberadamente confundem (nos melhores casos), ou aldrabam. Não me revejo no modo como os protestos têm vindo a ocorrer, sei muito bem de onde vêm e o que pretendem, e duvido da sua eficácia. Mas não há dúvida de que os governantes, e políticos em geral, precisam de ser confrontados com a realidade, e a realidade tem forçosamente que passar por não mentir a quem os elegeu. Os portugueses estão fartos de malabarismos, de quem lhes mente sistematicamente. Que a cantoria com que estão a ser recebidos um pouco por todo o lado lhes sirva, ao menos, de aviso para o que pode vir a seguir.

22 de fevereiro de 2013

SEM FACTURINHA. Leio que os consumidores são obrigados, desde Janeiro, a pedir facturinha da bica sob pena de serem multados entre 75 e 2000 euros caso não o façam, e estremeço de emoção com o zelo com que o Estado vela por nós. Entretanto, passam-se coisas inacreditáveis. Por que será que os consulados portugueses, pelo menos alguns consulados portugueses nos EUA, só passam facturas pelos serviços prestados caso os utentes as reclamem, e, se as reclamam, as passam a contragosto? Por que será que os mesmos consulados só aceitam como pagamento dinheiro vivo (repito: dinheiro vivo), mesmo que se trate de valores que atingem as centenas de dólares? Alguém faz o favor de me explicar por que não se pode pagar utilizando os métodos correntes (cartões de crédito ou de débito, cheques, etc.)? E, já agora, para onde vai o dinheiro? Entrará ele, como se espera, na contabilidade, digamos, oficial? Se a ideia é criar uma espécie de saco azul destinado a ensinar boas maneiras à gente que lá trabalha, de modo a ter mais respeito pelos utentes, nada a opor. Mas, nesse caso, avisem, que eu também contribuo.

20 de fevereiro de 2013

POR QUE SERÁ? Tirando o Francisco José Viegas e o Ferreira Fernandes, o primeiro nunca soube porquê e o segundo talvez por pertencer aos quadros do DN, que adoptou o novo Acordo Ortográfico, já repararam que os nossos melhores cronistas escrevem, todos, com a antiga grafia?

15 de fevereiro de 2013

POLÍTICOS. É evidente que os políticos não são todos incompetentes, corruptos e aldrabões, embora os haja em demasia. Mas os políticos honestos e capazes não precisam de nos lembrar a toda a hora que o são, e de se escandalizarem sempre que os colocam, a todos, no mesmo saco. Os políticos honestos e capazes precisam, sim, de denunciar os incompetentes, os corruptos e os aldrabões, um dever que simultaneamente lhes salienta a honestidade e a competência. Será distracção minha, mas não os tenho visto, sobre este assunto, mexer uma palha. Outra coisa que se nota bastante: apesar de cada vez pior vistos pela generalidade dos cidadãos, apesar de estarem cada vez mais sujeitos aos piores nomes, apesar de tantas vezes serem injustamente acusados de maldades que não cometeram, a verdade é que a chamada vida política continua a ser uma actividade apetecível e com enorme procura. Porque, lá está, os honestos e capazes não fazem o que devem, e porque os maus geralmente ficam impunes. Dito de outra maneira, porque a desonestidade e a incompetência geralmente compensam. Não surpreende, por isso, que um estudo recente revele que 96% dos portugueses não confiam na classe política. Surpresa é haver 4% que acredita nela.

14 de fevereiro de 2013

A MENTIRA DA RTP. Quem acredita que a RTP aumentará as audiências e, simultaneamente, a qualidade do que transmite? Quem acredita que, deixando de transmitir programação dirigida ao grande auditório (concursos, novelas, nacional-cançonetismo, futebol), substituindo-os por programas culturais (digamos assim para simplificar), as audiências subirão? A avaliar pelo que disse à própria RTP, o actual presidente acredita. Alberto da Ponte afirmou, preto no branco, que os dois canais públicos têm de ter 22% de audiência global em finais de 2014 (no dia da entrevista tinham 16%). Ao contrário de muita gente, que parece não ter dúvidas sobre tão complexa matéria, não sei o que é — ou deve ser — um serviço público de televisão. Há, no entanto, uma coisa que julgo saber: um serviço público de televisão minimamente decente apenas seria visto pela maioria dos cidadãos caso houvesse uma só televisão. Como não é assim, se a actual programação da RTP mudar de rumo, a maioria dos telespectadores mudar-se-á para a concorrência, que não deixará de explorar o filão. Também me parece que os canais públicos não devem operar com a mesma lógica da concorrência, e o pouco que vejo da programação dirigida ao grande auditório é de fugir. Mas então haja coragem para assumir as consequências — e os custos — que isso comportará.

12 de fevereiro de 2013

UNANIMIDADE BURRA. Se é verdade que Bento XVI está muito debilitado fisicamente, como todos admitem, porquê a surpresa da resignação? Será assim tão surpreendente que alguém renuncie a um cargo por se sentir incapaz de exercer com o grau de exigência que entende necessário? Outra coisa que não percebo na unanimidade dos comentários, a começar pelos responsáveis da Igreja Católica, alguns deles próximos do Papa: se Bento XVI mostrou coragem, lucidez e humildade, quer isso dizer que o seu antecessor, que também terá ponderado resignar, não foi corajoso, lúcido e humilde? E se Ratzinger resignou por estar farto dos intermináveis — e desgastantes — problemas internos, que se sente incapaz de resolver? Será assim tão improvável um cenário destes? Como dizia Nelson Rodrigues, toda a unanimidade é burra. E esta em volta de Bento XVI não me parece excepção.
O DESERTO. Pela enésima vez, o professor Carlos Reis saiu em defesa do novo Acordo Ortográfico (ver última edição do Expresso). Pela enésima vez, não apresentou um único (repito: um único) argumento. Têm sido assim todos quantos, desde o início, defendem o Acordo: zero argumentos, e quando os têm não passam de abstracções que, espremidas, não dão uma gota. O mínimo que se espera de quem defende uma ideia é que apresente argumentos, de preferência muitos e bons. Quem é contra o Acordo tem-nos apresentado às dúzias, quase todos pertinentes, sempre fundamentados, e com exemplos para todos os gostos. Já os defensores do dito, nem um para amostra. Tirando que é crucial para a «afirmação internacional da língua portuguesa», como ainda há pouco lembrou Jorge Miranda (sem que alguma vez se tenha explicado o que isso significa), é o deserto total. Será abusivo deduzir que não os têm?

8 de fevereiro de 2013

HERÓIS E VILÕES (2). Vi com interesse a entrevista do novo secretário de Estado do Empreendedorismo à RTP e retive, essencialmente, duas coisas: Franquelim Alves não informou o Banco de Portugal (BdP) das aldrabices porque não teria, na altura, dados substantivos que as comprovassem; depois assinou as contas do Banco Português de Negócios (BPN) apesar de lhes ter detectado irregularidades, a pretexto de que o fez depois de chamar a atenção para as irregularidades, e de que se não o fizesse seria o colapso do BPN e de todo o sistema financeiro. Temos, assim que Franquelim Alves assinou as contas assumidamente aldrabadas (de que não deu conhecimento ao BdP, apesar de aqui já haver substância) por razões patrióticas. Leram bem: razões patrióticas. Como dizia o ministro da Economia, o país devia agradecer ao seu novo secretário de Estado por ter contribuído para ajudar «a desmascarar a fraude do BPN». Eu bem disse que isto ainda vai acabar em homenagem.

7 de fevereiro de 2013

HERÓIS E VILÕES (1). O ministro da Economia tentou transformar o seu novo secretário de Estado num herói a quem o país devia agradecer por ter contribuído para ajudar «a desmascarar a fraude do BPN». Fez mais: invocou, em defesa de Franquelim Alves, factos que não são verdadeiros, quero acreditar que por mera ignorância, embora isso me sirva de pouco consolo. Quando os factos amplamente conhecidos apontam em sentido contrário, o ministro faz de conta que não ouve e não vê, e ainda tem o desplante de nos vir com a estapafúrdia ideia de que o cavalheiro está a ser vítima de linchamento na praça pública. Só falta ao ministro propor uma homenagem ao dito, naturalmente por relevantes serviços prestados à pátria. Infelizmente, não brinco. A impunidade e a desvergonha chegou a tal ponto que casos como este começam a ser corriqueiros, a que já ninguém liga. E isso, como é óbvio, é meio caminho para se tornarem ainda piores.

5 de fevereiro de 2013

GOZAR COM O PAGODE. Como se diz da mulher de César, não basta ser sério. E convenhamos que o novo secretário de Estado do Empreendedorismo deixa algumas dúvidas a esse respeito. Franquelim Alves pode ter um trajecto imaculado como ex-administrador da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), proprietária do Banco Português de Negócios (BPN), como agora reclama (há quatro anos admitiu ter aprovado irregularidades), mas camuflar a sua passagem por tão malcheirosa coisa não pode deixar de ser visto como um expediente de quem tem algo a esconder. Não basta, portanto, dizer que o novo governante não é arguido nem alvo de investigação, como diz o ministro da Economia, ou o visado jurar que sempre pautou a sua conduta pelo rigor e exigência (já vimos que não foi bem assim). É por demais evidente que o Governo fez mal ao nomeá-lo, e o Presidente fez pior ao dar-lhe posse. Mais: no estado a que o país chegou, em que são cada vez mais necessários sinais contrários ao que daqui emergiu, chega a ser uma provocação. Quem conhece a história da SLN não pode deixar de ficar perplexo quando vê um ex-administrador de uma associação criminosa ser premiado com uma secretaria de Estado. Sim, houve outros que fizeram o mesmo ou pior no caso SLN/BPN. Mas não me consta que algum deles seja governante.

1 de fevereiro de 2013

AGUENTEM, PARTE DOIS. O famoso «Ai aguenta, aguenta» proferido por Fernando Ulrich há três meses, pretendendo dizer que os portugueses ainda aguentariam mais austeridade, foi, segundo o próprio, descontextualizado. Resolveu, por isso, explicar melhor o que então quiz dizer. E o que disse ele agora para esclarecer os mal-intencionados? Comparou a situação dos portugueses aos sem-abrigo. Se os sem-abrigo aguentam a austeridade, diz ele, por que razão não haveremos nós de aguentar? Ficamos, portanto, esclarecidíssimos acerca do «aguenta». Só não percebemos por que razão o Governo resolveu emprestar 1.500 milhões ao banco a que preside quando podia ter dito «aguenta». Empréstimo, já agora, sem o qual o BPI não teria alcançado os 249 milhões de lucro que anuncia, que naturalmente serão repartidos pelos seus accionistas e de que o Governo, que administra o nosso dinheiro, não verá um centavo.