30 de maio de 2014

A EMENDA SÓ PODE SER MELHOR QUE O SONETO. Goste-se, ou não, do PS, a eventual candidatura de António Costa à liderança do PS é uma boa notícia para o país (sim, ainda tenho uma costela romântica). Para já, pouco mais se sabe que se mostrou disponível para se candidatar, e que o actual líder já veio acenar com os estatutos para lhe travar a ambição. Como é evidente, o argumento não vai longe. Quer Seguro queira, quer não queira, haverá eleições antecipadas no PS. A não ser que António Costa recue, como já fez outras vezes, mas nesse caso seria, para ele, um suicídio político. Se não recuar, tudo indica que só um percalço de maior o impedirá de vencer. É uma constatação, mas também um desejo. Afinal, angustia saber que uma espécie de não sei quê sem nada dentro possa, um dia, ser primeiro-ministro, pelo que afastar essa possibilidade é, por si só, positivo. Como já vimos noutros filmes, às vezes nem é preciso ganhar eleições para que isso suceda. Basta que o adversário as perca.
DOS RATOS, E DOS HOMENS. Como seria de esperar, os ratos começam a abandonar o navio. Em apenas 24 horas vi, pelo menos, três socialistas a descolar da actual liderança, e ainda a procissão vai no adro. Adivinha-se que nos próximos dias serão às dezenas, talvez às centenas, a não ser que mudem o filme em exibição. São o que eu designo por espécimes para todas as estações. Se o vento sopra do Norte, deslocam-se para Sul. Se sopra do Sul, deslocam-se para o Norte. É a natureza humana em todo o esplendor.

28 de maio de 2014

SÓ MAIS UMA COISA SOBRE A ABSTENÇÃO. É mais que sabido que os resultados das eleições se prestam às mais variadas leituras — logo a que cada um faça a que mais lhe convém. Mas será razoável dizer-se que a coligação governamental teve uma derrota estrondosa, e que, por mérito próprio ou demérito alheio, o PS teve uma vitória idem? Quatro pontos de diferença entre os dois justificam, no máximo, que se fale de um traque, e mesmo assim com algum comedimento. Afinal, a coligação governamental perdeu por pouco, o PS ganhou por pouco — e ambos perderam milhares de votos para quem conta ainda menos.
A PORTELA CHEGA, AFINAL, PARA AS ENCOMENDAS. Cento e trinta e tal voos a mais que o normal na Portela em apenas dois dias por causa da final da Liga dos Campeões? Mas a Portela já não estava saturada quando, há dois ou três anos, se discutia acaloradamente a urgência de um novo aeroporto não sei onde? Ou percebi mal, ou estamos diante mais um caso em que os factos insistem em estragar as mais belas teorias.
COISAS QUE VOU LENDO (10). «A triste verdade é que dinheiro compra sim felicidade. De modo mais banal, compra férias, qualidade de cotidiano, bons médicos, segurança, casas em ruas com árvores, escolas decentes, conversas mais doces, filhos mais saudáveis, momentos de sensibilidade sofisticada. Dinheiro deixa as mães dos seus filhos sorridentes e generosas no sexo. É claro que existem exceções. Como dizem os darwinistas, o fato de que existam algumas poucas mulheres mais altas do que alguns homens não invalida estatisticamente a seguinte generalização: mulheres são mais fracas e menores do que os homens.» Luiz Felipe Pondé, Contra um Mundo Melhor

22 de maio de 2014

A DOENÇA SILENCIOSA. Marco António qualificou a abstenção como uma «doença silenciosa que mata a democracia». Acontece que o dirigente social-democrata apela ao voto na «candidatura que tem pensamento estratégico para a Europa», e eu, sinceramente, não sei a quem se refere. Se há assunto que ainda não vi debatido nesta campanha eleitoral para as europeias foi a Europa propriamente dita, muito menos quem, sobre ela, apresentasse um «pensamento estratégico». A «doença silenciosa» deve-se, sobretudo, às mentiras como a de Marco António, aos políticos que ele tão bem representa no que têm de pior.
GOVERNO APOSTA EM FORMAR EMIGRANTES. Leio que o ministro da Educação, por sinal um dos mais sensatos deste Governo, tenciona introduzir mais uma língua estrangeira (alemão, espanhol, francês ou mandarim, ainda não sabe qual) no ensino obrigatório. A ideia parece-me boa. Afinal, quanto mais línguas os portugueses falarem, maior será o leque de opções quando tencionarem emigrar.

16 de maio de 2014

LÍNGUA PORTUGUESA GUISADA COM ERVILHAS. Um amigo meu, então professor de língua e cultura portuguesas numa escola frequentada por jovens luso-americanos, contou-me, em tempos, que o seu director lhe pediu, um dia, que os seus alunos escrevessem uma redacção destinada a participar num concurso interescolar. Confrontado com o prazo de entrega, dali a dois ou três dias, o meu amigo comunicou-lhe a impossibilidade de cumprir um prazo tão curto. O director deitou as mãos à cabeça — veja lá o que pode fazer, não nos deixe ficar mal, e o mais que se adivinha. À boa maneira portuguesa, o meu amigo lançou mão do expediente em que dizem sermos bons: escreveu ele próprio a redacção, e apresentou-a a concurso como sendo dos alunos da sua escola. O regulamento previa uma fase preliminar (destinada a escolher as melhores), e uma fase final (destinada a escolher a vencedora). Como já adivinharam, a redacção do meu amigo não passou a primeira fase.

14 de maio de 2014

VOTO OBRIGATÓRIO. Marcelo Rebelo de Sousa afirmou, há dias, que as promessas eleitorais não cumpridas afastam os portugueses da política. «Os políticos têm essa tentação terrível de prometer coisas», disse o professor, a maioria das quais sabe, à partida, não poder cumprir, acrescento eu. Poucos dias depois, o ex-presidente do PSD defendeu que o voto passe a ser obrigatório. Leram bem: obrigatório. Porque só o voto obrigatório combaterá, segundo ele, a abstenção, que não pára de aumentar — e tudo indica que baterá um recorde nas próximas europeias. Acontece que em democracia não votar é um direito, e não estou a ver como o eventual voto obrigatório baixaria a abstenção. Mudaria, quando muito, a natureza da abstenção (quem não tencionava votar é previsível que votaria em branco ou nulo caso fosse obrigado a fazê-lo), mas o problema manter-se-ia. Isto na melhor das hipóteses, que votar contrariado tende, a meu ver, a produzir o contrário do que pretende. Depois há outro ponto a considerar: tirando questões de natureza formal, não vejo diferença entre votar branco ou nulo, ou pura e simplesmente não pôr os pés na mesa de voto. Ao contrário das toneladas de livros que semanalmente recomenda, que obviamente não leu e talvez nunca lerá, o prof. Marcelo devia pensar melhor no assunto.

7 de maio de 2014

QUANDO A ARROGÂNCIA ESCONDE A IGNORÂNCIA. Lembro-me de na comissão parlamentar que apreciou a petição contra o Acordo Ortográfico (vídeo aqui) a deputada Isabel Moreira acusar de atitude pidesca alguém que a confrontou com o facto de o ter defendido e votado mas escrever como se ele não existisse (ou numa mistura dos dois, não me lembro bem), procurando demonstrar que a deputada dizia uma coisa e fazia outra. Confesso que a cena me fez subir a mostarda ao nariz, sobretudo pelo desplante com que o fez, assim julgando calar quem a tinha confrontado, e bem, com a flagrante contradição e «matar» o assunto de vez, coisa que a tréplica arrumou em dois tempos. Não será de esperar que um deputado seja consequente com o que vota, que pratique o que subscreve? Que as suas acções sejam escrutinadas pelos cidadãos? Pelos vistos, Isabel Moreira acha normal defender uma coisa e praticar o contrário, e quem lhe escrutina o que faz é pidesco. Cabe-me, portanto, a liberdade de concluir que o assunto não tem, para ela, a mais leve importância — e não será preciso ser bruxo para adivinhar que a sra. deputada não será capaz de explicar a necessidade de um Acordo Ortográfico e respectivas razões por que votou nele. A sra. deputada pensa assim porque sim, votou assim porque sim, e julga não ter satisfações a dar a ninguém. Acontece que Isabel Moreira tem deveres para com o país, e o país inclui os que não votaram no partido (o PS) que a pôs na Assembleia. Devia, por isso, explicar-nos a utilidade do Acordo Ortográfico, bem como os motivos por que votou nele. Fazer-se de vítima, só se for da sua própria ignorância.
FERREIRA FERNANDES. É um lugar-comum, mas não me ocorre dizê-lo doutra maneira. Este senhor é tão bom como os melhores vinhos do Porto. E, como eles, melhora à medida que vai envelhecendo. Leiam-lhe as crónicas no DN e verão do que falo. Esta, por exemplo, que ainda fumega.
POR ACASO NOTA-SE BASTANTE. «Esta crónica foi escrita sob fortes dores lombares, depois de o autor ter-se posto a abrir covas para plantar árvores, abusando claramente das disponibilidades do corpo.»

2 de maio de 2014

A JUSTIÇA É COMO O ARROZ. Corrijam-me se estou enganado, mas julgo ter sido Almeida Santos quem disse, em tempos, que a justiça é como o arroz: quem pode, compra; quem não pode, não compra. Como hoje se voltou a demonstrar, Jardim Gonçalves livra-se de dois anos de prisão efectiva se pagar 600 mil euros — isto se o tribunal para onde o ex-banqueiro já disse que vai recorrer confirmar a pena, o que eu duvido. Depois de ainda há pouco terem prescrito diversos crimes de que foi acusado, por razões que a razão desconhece, eis que o fundador do BCP caminha alegremente para a impunidade total. Ainda o havemos de ver a processar o Estado pelo atrevimento de o ter acusado.