31 de outubro de 2005

Consta que os embaixadores portugueses espalhados pelo mundo podem, na qualidade de cidadãos, apoiar o candidato presidencial que muito bem entendam. Segundo o porta-voz dos Negócios Estrangeiros, qualquer impedimento nesse sentido seria, aliás, «inconstitucional». Quer isto dizer que os actuais presidente da República e primeiro-ministro podem, na qualidade de cidadãos, apoiar um candidato presidencial? Sim, a lei deve ser igual e a lógica é a mesma.
Os tribunais despacham menos do que os europeus. Os juízes julgam menos. Há mais juízes e tribunais do que na maior parte dos países europeus. Os processos duram mais tempo. A justiça é mais cara e burocrática. A assistência judicial é ineficaz e depende, estranhamente, da segurança social! Os direitos das vítimas, sobretudo se forem pobres, são pouco respeitados. A investigação e as escutas telefónicas deixam muito a desejar, como se viu com a Casa Pia, o Apito dourado e a autarca de Felgueiras. Sucedem-se impunemente as fugas de informação, dirigidas e intencionais, com origem no aparelho judicial ou policial. Com a mesma impunidade, mas com descaramento superior, quebra-se, dentro do sistema e com evidente deliberação, o segredo de justiça, como acaba de se ver com o episódio das investigações à banca e à evasão fiscal. Para não falar da enorme trapalhada processual visível quando estão em causa poderosos ou famosos, autarcas, banqueiros, políticos, empresários, dirigentes do futebol ou estrelas de uma qualquer galáxia, como se viu com a Universidade Moderna, o Benfica e a Casa Pia. António Barreto, Público de domingo

28 de outubro de 2005

Caríssima Carla Hilário Quevedo, concordo que a coragem não é, por si só, uma virtude, nomeadamente em casos como os que refere. Aceito, também, que a formulação da minha ideia se preste a interpretações que não estavam nos meus planos. Mas já me parece um exagero considerar uma heresia o facto de eu ter elogiado o presidente iraniano por este ter tido a coragem de dizer o que muita gente pensa e não é capaz de dizer. Contrariamente à Carla, que gostaria que o cavalheiro não tivesse tido a coragem de abrir a boca, acho positivo que o sr. Ahmadinejad nos tenha dito o que pensa sobre a questão de Israel, pois ficamos a saber com o que contamos e a comunidade internacional fica sem desculpa para não enfrentar o problema. Depois, o meu problema com o presidente iraniano não é ele ter assumido que acha que o Estado de Israel deve ser «varrido do mapa». O meu problema com o presidente iraniano é ele pensar que o Estado de Israel deve ser «varrido do mapa», o que faz alguma diferença, pois se acho terrível que ele pense dessa maneira já acho bem que o assuma. Daí o elogio à coragem, motivo da nossa discórdia. Finalmente, a minha ideia ao escrever o post em causa foi chamar a atenção para os que pensam como o sr. Ahmadinejad e se rebolam de gozo por alguém o ter dito por eles, para os que assobiam para o lado ou destilam hipocrisia sempre que alguém fala da existência do Estado de Israel. Grupo a que acrescento, agora, algumas figuras da blogosfera, que se pronunciaram sobre esta matéria com um silêncio ensurdecedor.

27 de outubro de 2005

O meu post de ontem a propósito das declarações de Mahmud Ahmadinejad causou alguns mal-entendidos, nomeadamente por parte da Carla Hilário Quevedo. Relido o texto em causa, admito que possa haver mais que uma leitura, mas devo dizer que não era essa a intenção. O que eu queria dizer era o seguinte: o presidente iraniano teve a coragem de dizer alto e bom som o que muita gente diz por aí à socapa. Apenas isso. Não o desculpei, pois o que ele disse não tem desculpa. Gabei-o pela coragem de dizer o que pensa, não por aquilo que pensa. Devo acrescentar, aliás, que não tenho sentimentos ambíguos face ao Estado de Israel ou à chamada questão judaica, como aqui pode ser confirmado em variadíssimos posts. Posto isto, lamento o equívoco e a má-disposição.

26 de outubro de 2005

Confesso que não percebo tanta indignação pelo facto de o presidente do Irão ter dito que o estado de Israel deve ser «riscado do mapa». Afinal, Mahmud Ahmadinejad limitou-se a dizer o que muita gente pensa mas não tem coragem de dizer. Eu próprio conheço pessoalmente quem defenda o fim do estado de Israel e a «solução final» para os judeus. Disse bem: a «solução final» para os judeus. Só não o dizem em público porque não têm tomates para isso. Ou, então, porque lhes falta uma justificação com pés e cabeça, embora isso não os impeça de pensar da forma que pensam.
Ricardo Espírito Santo revelou que O Código Da Vinci foi o último livro que leu. Face às trapalhadas em que o Banco Espírito Santo se viu metido nos últimos tempos, é bem capaz de não ter sido por acaso.

25 de outubro de 2005

«A nossa crise aí está, cada vez mais complexa, mais demorada e mais perigosa. Tenderá a agravar-se enquanto os "optimistas profissionais" não entenderem que o mal não é o pessimismo, mas o atraso; não é a desconfiança, mas os embustes; não é a descrença, mas a incompetência; não são os défices, mas a inviabilidade de viver à custa alheia; não é a falta de desenvolvimento, mas o conservadorismo que o bloqueia; não são as ideias, mas as palavras; não são os males do mundo, mas a nossa incapacidade para vencer os próprios.» Um artigo de Medina Carreira no Público de hoje que vale a pena ler com atenção.
O meu amigo Rui Geraldes regressou à blogosfera com O Zabrolho. António Ribeiro Ferreira mudou O Estado do Sítio do DN para a blogosfera.

24 de outubro de 2005

A anulação dos depoimentos de três arguidos e das escutas telefónicas no processo que envolve Fátima Felgueiras — obrigando, para já, ao adiamento do início do julgamento (já se fala em um ano) — pode ser um procedimento normal e não querer dizer nada de especial. Mas, face ao que já se passou — fuga da arguida para o Brasil e regresso apoteótico, além de mistérios nunca inteiramente esclarecidos — qualquer movimentação que favoreça a autarca é altamente suspeita. Aliás, as aparentes pressões de que terão sido vítimas algumas das testemunhas de acusação, de que deu conta o Expresso, tornam esta decisão ainda mais suspeita. Mas há outro dado que merece reparo: a anulação dos depoimentos ter-se-á devido a erros processuais. Ora, quantas vezes já vimos este filme? Será normal tanto erro processual?
As farmácias portuguesas ter-se-ão oferecido para distribuir medicamentos gratuitos caso se registe uma epidemia generalizada de gripe das aves. Depois de ainda há pouco terem dito que o fim da venda exclusiva dos medicamentos sem receita médica as levaria à ruína, não deixa de ser curioso vê-las dispostas a esbanjar tanto dinheiro, ainda que com fins filantrópicos. Quer isto dizer que, afinal, não lhes falta dinheiro para gastar? Ou quer dizer que estamos perante um caso de tentativa de melhoramento da imagem a custo zero? Sim, porque eu não acredito que se trata de demagogia pura.

20 de outubro de 2005

Razões de ordem burocrática impedem-me de votar nas próximas Eleições Presidenciais. Mas não era preciso. Escolher entre o prof. Cavaco e o dr. Soares, não vale a deslocação às urnas — nem, sequer, para votar no menos mau. Sobre o anúncio da candidatura do prof. de Boliqueime, tirando aquela parte em que ele disse que não tem nada a ver com o PSD mas que é social-democrata, não me lembro de nada.

19 de outubro de 2005

Lembro perfeitamente o nosso primeiro encontro na Pátria amada, longos anos antes. [O Professor Reineta] era então um homem público em evidência e ocupava posições de alta responsabilidade política e cultural. Parlamentar e orador de recursos, eu tinha-o ouvido discursar algumas vezes fora e dentro do Congresso da República, onde ficou lembrado, entre outras coisas, pelo discurso de nove ou dez horas que pronunciou para salvar o governo do seu partido — a noite inteira, até chegarem da província os deputados que lhe dariam a maioria —, e a respeito do qual um velho líder da Oposição, famoso pelo seu humor, teve este comentário: «O que eu mais admiro no meu colega não é a capacidade oratória: é a capacidade da bexiga!» Rodrigues Miguéis, Estranha Vida e Morte do Professor Reineta

18 de outubro de 2005

Eu não quero ser desmancha-prazeres, mas tenho dificuldade em compreender a euforia do nosso piloto português — e não só do nosso piloto português — na maior competição automobilística mundial. Afinal, Tiago Monteiro terminou o campeonato de Fórmula 1 no 16º lugar entre 24 concorrentes, não foi? Eu sei, eu sei. Foi uma estreia, o carro não é lá grande espingarda, dificilmente podia ter feito melhor. Mas convém não exagerar.
Para não nos desabituarmos, Dias da Cunha resolveu atribuir aos jornalistas a culpa — ou parte da culpa — do que corre mal no Sporting. Temos, assim, que os jornalistas se arriscam à fúria dos adeptos, perante a qual o presidente do Sporting não deixará de lavar as mãos. Com certeza que os jornalistas são tudo menos inocentes, e ninguém duvida que há excessos. Mas insistir em atribuir aos outros o que são erros próprios, é um caso de gato escondido com o rabo de fora.
«A arte (...) é a única filosofia que pode explicar a natureza humana.» Luiz António de Assis Brasil, O Pintor de Retratos

14 de outubro de 2005

Finalmente alguém chama a atenção para o óbvio: a apreensão de não sei quantas toneladas de drogas leves conduz ao consumo de drogas duras. Convém, pois, menos foguetório e mais reflexão.
Depois de Cemitério dos Barcos Sem Nome e A Rainha do Sul, a vez de O Mestre de Esgrima. Tal como os anteriores, um livro que apetece ler de uma vez só. Estou a falar de Arturo Pérez Reverte, um autor espanhol que é uma delícia. Outro livro magnífico que me apeteceu ler de uma vez só — e quase li de uma vez só — foi O Pintor de Retratos, de Assis Brasil. Já agora, outro que terminei há pouco e recomendo: O Céu Que Nos Protege, de Paul Bowles.

13 de outubro de 2005

Não sei se já repararam na rubrica Grandes Momentos da Língua Portuguesa, sem dúvida um serviço público a merecer atenção (e subsídio) do Ministério da Cultura. Não que eu aprecie por aí além a caça às misérias das letras, porque eu sei que no melhor pano cai a nódoa. Mas aprecio, isso sim, que se divulguem as misérias dos escritores «consagrados» não se sabe porquê nem por quem.
Para um apreciador de vinho do Porto, entre os quais me incluo, o julgamento de 112 arguidos acusados de falsificar a divina pomada só pode ser uma boa notícia. Uma boa notícia, também, para os produtores que não se metem nesses assados, pois a trapalhada também os atinge. Provavelmente que o caso vai dar em nada (a Justiça que temos não se presta a grandes esperanças), mas pode ser que a malandragem apanhe um susto e não volte a meter-se noutra.
Eu proponho que o Bloco e a Joana Amaral deixem de usar a Internet como forma de protesto.

12 de outubro de 2005

Ao contrário do que se diz no editorial da Sábado, não é impossível que o júri tome «decisões competentes» no «caso Joana» só porque o júri não é constituído por pessoas com conhecimentos na área da Justiça. A ser assim, os tribunais americanos, onde o júri é uma prática comum, estariam recheados de decisões incompetentes. Não quer dizer que não as haja, evidentemente, mas o sistema não tem sofrido contestação substancial — e tem provado que funciona. Ainda sobre o júri, não é verdade que nos Estados Unidos os jurados estejam impedidos de se deslocarem para as suas casas ou de acompanhar as notícias sobre o caso, como erradamente diz uma notícia do Público. Isso acontece apenas em situações de excepção, e só em situações de excepção.

11 de outubro de 2005

Mariza no New York Times.
O meu sobrinho Luís contou-me este Verão uma história deliciosa, daquelas de fazer corar o mais liberal fundamentalista. Um amigo dele (vinte anos e picos) deu cabo de alguns ossos num desastrado salto à vara. Levado para o hospital, o médico que lhe viu os primeiros raios X fez cara de poucos amigos. Mandou preparar o bloco operatório e murmurou entre dentes qualquer coisa como: "Só a mim é que me calham destas." O pronome demonstrava claramente uma fractura arrevesada.
Depois, virou-se para o lesionado e perguntou-lhe sibilino: "Não fuma, pois não?" "Nunca fumei um cigarro na vida, senhor doutor", respondeu, em auto-estima, o jovem atleta. "Já calculava", grunhiu o médico, enquanto a maca atravessava a enfermaria no seu inexorável caminho para o teatro de operações. "Também não bebe, pois não?", tornou o clínico, com um tom de voz crescentemente áspero. "É muito raro", disse o jovem, "algumas festas, alguns dias de anos." "Pois, pois. Do que gosta mesmo é de desporto, ar livre e musculação, não é?", interrogou o médico, agora quase ríspido. Aflito com dores, mas controlando-se bem, o padecente sorriu com enlevo e confirmou a nobre paixão pelo desporto a que consagrava todos os fins-de-semana.
Foi aí que o clínico explodiu. Apontando-lhe as camas cheias de corpos envolvidos em ligaduras, com braços e pernas suspensos de arames, disse-lhe mal dominando a voz. "Não fuma, não bebe e faz muito desporto. Corpo são em mente sã, não é? Pois olhe bem esses todos que estão para aí. Também não fumavam nem bebiam e só praticavam desporto todos os santos fins-de-semana. Olhe bem para eles e continue. Saltos aparatosos, nada de cigarros, nada de álcool!..." À entrada da sala de operações ainda foi mais explícito: "Fumem, bebam, mas não me caiam para aí todos os dias com essa maldita mania do desporto que enche mil vezes mais os hospitais do que o tabaco ou os copos!" João Bénard da Costa, Público

10 de outubro de 2005

Valentim Loureiro fartou-se de gritar que «Marques Mendes não tem carácter», nem «altura». Fátima Felgueiras não tem dúvidas de que a sua eleição foi «uma vitória da democracia». Isaltino Morais congratulou-se com o facto de ter sido eleito por gente «inteligente» e «culta», pois Oeiras é dos concelhos «com maior população de licenciados». Avelino Ferreira Torres atribuiu à comunicação social e a um construtor civil a estrondosa derrota em Amarante. Manuel Maria Carrilho tentou convencer-nos de que os lisboetas rejeitaram a sua excelsa pessoa por causa de «difamações e calúnias». João Soares perdeu apesar do apelo desesperado (e ilegal) do pai. O presidente da Câmara de Porto de Mós anunciou que vai a Fátima a pé. O STAPE reduziu a pó o «choque tecnológico» do eng. Sócrates. Tudo isto e muito mais num dia em que a realidade superou a ficção.

7 de outubro de 2005

Não faço ideia se George W. Bush alguma vez disse que a invasão do Afeganistão e do Iraque foi decidida por ordem divina, como afirmou o ministro palestiniano da Informação. Como as supostas declarações de Bush sobre esta matéria terão sido feitas em privado, só quem privou com ele é que sabe. Isto é o que me parece dizer o bom-senso, pois estamos a falar da palavra de uns contra a palavra de outros. Também salta à vista outro pequeno detalhe: quem decidiu a invasão do Afeganistão e do Iraque não foi George W. Bush, que não tem poderes para tal. A invasão do Afeganistão e do Iraque foi decidida pelo Congresso, com os votos dos Republicanos e dos Democratas. É claro que tudo isto tem pouca importância para a malta do costume. Importante é que o que foi dito pelo ministro palestiniano é contra George W. Bush, e tudo o que seja contra George W. Bush é bom — e só pode ser verdade. E com certeza que não diriam o mesmo caso fosse o contrário. Se fosse o presidente americano a fazer uma afirmação destas sobre o ministro palestiniano, não teriam dúvidas de que Bush estava a mentir. Mas o mais confrangedor é verificar que alguns dos que não têm dúvidas neste caso do diz-que-disse são jornalistas, quando deveriam ser os primeiros a agir com prudência face à escassez de informação sobre o assunto. Sim, eu sei que está na moda dizer-se que não há jornalistas imparciais, a objectividade jornalística é impossível de alcançar, etcetera e tal. Assim sendo, vale tudo. Até fazer passar por factos indesmentíveis o que são meras suposições.
Contando que Manuel Maria Carrilho não seja eleito presidente da Câmara de Lisboa, qualquer resultado nas Autárquicas me serve. Eu sei que para um sujeito como eu, sensível às artes e às ideias, a possibilidade de um filósofo à frente de uma autarquia é interessante, mesmo não se tratando de um filósofo no activo e não ignorando que um filósofo à frente de uma autarquia não é garantia de que desempenhe melhor o cargo que outro tipo qualquer. Sucede que não gosto do homem, por todas as razões invocadas e outras que poderia invocar, e não há nada a fazer. De maneira que espero que ele perca. Que perca e, de preferência, por muitos. E, já agora, que aprenda alguma coisa com isso.
Nuno Pacheco escreveu sobre os cartazes autárquicos que o blogue Autárquicas em Cartaz resolveu juntar e exibir. Acontece que o director-adjunto do Público se refere à fonte que lhe forneceu o material com que cozinhou a prosa como «um dos muitos blogues portugueses», nunca referindo o nome do blogue em causa. Ora, muito mais que falta de cortesia, isto parece-me um abuso.
Aqui está um post que eu gostaria de ter escrito.

6 de outubro de 2005

Mudar a lei para melhor combater o enriquecimento ilícito ou a corrupção? Parece-me bem. Mas ainda me pareceria melhor caso se fizesse algo que nos obrigasse a cumprir as leis que já existem. Como isso não acontece, fica-nos a sensação de que as leis de que agora se fala vão ter o mesmo destino das outras.
Não há discurso do Presidente da República que o Presidente da República não necessite de esclarecer no dia seguinte.

4 de outubro de 2005

Toda a gente sabe que Bali é uma estância turística muito frequentada por australianos. Australianos que apoiaram a invasão do Iraque, onde ainda mantêm tropas. De modo que os atentados terroristas do último sábado só podem ter sido por causa do Iraque. Do Iraque e de George W. Bush, evidentemente. O raciocínio é conhecido, mas nunca é demais lembrar. Aliás, ainda se há-de provar que o 11 de Setembro aconteceu por causa do Iraque.
«The contribution of the British education system to the jihad is really quite remarkable.»