31 de maio de 2011

GARCÍA MÁRQUEZ. Descobri García Márquez há mais de trinta anos, como quase toda a gente com Cem Anos de Solidão. Lido o livro, seguiu-se tudo o que dele então consegui apanhar, que o deslumbre foi total. Lembro-me especialmente de O Amor Nos Tempos de Cólera, que achei comovente, mas também de Relato de Um Náufrago, que achei decepcionante. Um dia destes descobri El coronel no tiene quien le escriba, e apesar da minha dificuldade com o espanhol fiquei «agarrado» logo à segunda página. Roberto Bolaño considerou-o «um livro perfeito». Eu não me atreveria a tanto, porque não há, para mim, livros perfeitos. Mas é um livro que se lê com o prazer reservado aos melhores, disso não duvido.
RI DE QUÊ? Se a empregada de hotel que terá sido abusada por Strauss-Kahn fosse você, ou alguém próximo de você, acharia assim tanta graça?

27 de maio de 2011

LIVROS ROUBADOS. Que me lembre, apenas roubei um livro em toda a minha vida, e nem foi bem um roubo. Saí da livraria na posse de um exemplar que tencionava devolver às estantes, e só dei por ela alguns quilómetros depois. Por sorte, uma falha de electricidade inutilizou o alarme nas portas, evitando-me um embaraço dos grandes — e uma explicação que, por melhor que fosse, não convenceria ninguém. Confrontado com a situação, o primeiro impulso foi devolvê-lo, mas a história que eu tinha para lhes contar era tão inverosímil que achei melhor não arriscar. Por azar, o livro não vale o papel em que foi impresso, e só ainda não me livrei dele porque ficará como lembrança. Como não me consta que alguém tenha roubado alguma coisa que não lhe interessasse (quando lhe perguntaram se alguma vez tinha roubado um livro que depois não gostou Roberto Bolaño respondeu que a parte boa de roubar um livro é que o seu conteúdo é cuidadosamente examinado), nem foi bem um roubo, ou foi um roubo, no mínimo, sui generis. Um roubo, no entanto, que me poderia custar caro.

26 de maio de 2011

SONDAGENS. Como os resultados eleitorais, as sondagens prestam-se a múltiplas leituras, e cada um vê nelas o que mais lhe convém. Mas há factos que se tomam por determinantes na oscilação das sondagens que, afinal, não têm assim tanta importância. O debate entre Sócrates e Passos Coelho, antes e depois considerado decisivo, nada mudou nas sondagens/intenções de voto dos portugueses. Dantes havia um empate técnico, agora há um empate técnico. Mais uma bela teoria, portanto, que não resiste ao confronto com a realidade.

24 de maio de 2011

COISAS SEM IMPORTÂNCIA (2). Imaginem que as coisas são o que parecem, que Dominique Strauss-Kahn é culpado do que é acusado. Por acaso já pensaram na vítima? Imaginaram o calvário que terá pela frente até ao julgamento? Imaginaram que lhe vão vasculhar a vida privada desde que nasceu e usar tudo o que contribua para a desacreditar, incluindo mentiras da pior espécie? Imaginaram que a violência de que já foi vítima poderá não ter sido, afinal, a parte pior? Claro que nada do que se diz nas notícias contribui para que se olhe para o caso também por este ângulo. Afinal, a vítima é uma simples camareira, é mãe separada, nasceu num país mais ou menos desgraçado, e vive num local pouco recomendável — tudo factores que, além de não a ajudarem, ainda se poderão virar contra ela. A ver vamos o que isto vai dar, mas caso se demonstre que DSK é culpado é mais que certo que haverá quilómetros de prosa a dizer que a pena foi excessiva e horas de televisão a relembrar que a justiça americana é coisa de primatas, e nem uma lágrima por ela. Ela que, até ver, é a vítima, embora às vezes não pareça.

20 de maio de 2011

O DEBATE. Passos Coelho partiu derrotado para o debate com José Sócrates na bolsa de apostas, e eu próprio dava pouco por ele. Pelo que se viu, julgo que se poderá dizer que houve equilíbrio, talvez mesmo um ligeiro ascendente do líder do PSD. Passos Coelho entrou bem, mostrou firmeza e serenidade, e mandou umas farpas certeiras. Sócrates foi igual a Sócrates, talvez uns furos abaixo. Um empate, portanto, que o líder do PSD pode saborear como se fosse uma vitória. Já se o debate decidiu alguma coisa, se fez com que os indecisos caíssem para a esquerda ou para a direita, duvido.
COISAS DOENTIAS. Eduardo Cintra Torres ainda não percebeu que todos já perceberam o problema dele com José Alberto Carvalho e Judite de Sousa, como um processo em tribunal bem o demonstra. Vai daí acha que vale tudo, incluindo defender o «jornalismo» de Manuela Moura Guedes e o famoso Jornal de Sexta onde Manuela se fartou de fazer tábua rasa das mais elementares regras do jornalismo, que Cintra Torres, na sua qualidade de crítico de media, nunca se cansou de aplaudir, apesar de saber melhor que ninguém que o «produto» não é defensável. Agora tem um problema com o «estúdio de várias assoalhadas» que Alberto e Judite terão ocupado na TVI, como se o argumento servisse para alguma coisa e não fosse a TVI, como empresa privada, senhora de esbanjar o dinheiro como muito bem entende. Este post do Pedro Rolo Duarte, publicado em Setembro do ano passado e nunca desmentido por Cintra Torres, diz bem da natureza do sujeito.
O FIM DO MUNDO. Em menos de uma semana, uma profecia de um cavalheiro que morreu há trinta anos diz que vai haver um terramoto em Roma e milhões de romanos fogem assustados, em Fátima terá havido um milagre, e um americano anuncia o fim do mundo para amanhã. Sim, para amanhã, às seis da tarde, hora de Nova Iorque. Como dizia o outro, também não acredito em bruxas, mas convenhamos que isto é demais até para um ateu.

19 de maio de 2011

ANTIAMERICANISMO ESTÁ DE VOLTA. Como seria de prever, a prisão de Dominique Strauss-Khan tornou-se motivo para manifestações de antiamericanismo primário. Os americanos quiseram, com a prisão do presidente do FMI, mostrar não sei quê a não sei quem. Os americanos são uns provincianos. A justiça dos americanos vem dos tempos das cavernas. Resumindo, os americanos são primários, simplórios, umas bestas. Juízos, curiosamente, também eles primários e simplórios, e geralmente assentes na ignorância. Talvez valesse a pena ler o Pedro Lomba no Público de hoje para melhor perceber como são as coisas e não dizer tantas asneiras.

17 de maio de 2011

STRAUSS-KAHN. Não me consta que Renato Seabra, de quem as autoridades nova-iorquinas suspeitam de ter cometido um crime, tenha chocado alguém quando apareceu algemado nas televisões e nas fotografias. Espanta-me, por isso, que alguns bem-pensantes venham agora exprimir indignação por ver Dominique Strauss-Kahn algemado, quando não abriram a boca ao verem o jovem modelo aparecer nas televisões e nos jornais com as mãos atrás das costas. O que parece incomodar esta gente é o facto de as autoridades nova-iorquinas terem dado tratamento idêntico ao caso Renato Seabra, uma coisa, para eles, inconcebível. Também não aprecio os métodos da polícia nova-iorquina — e, já agora, da polícia americana em geral. Mas não posso deixar de registar — e aplaudir — que em circunstâncias idênticas a polícia nova-iorquina age de modo idêntico, sejam os suspeitos quem forem.
O EUROFESTIVAL DAS CANTIGAS. Os Homens da Luta foram à Alemanha fazer pela vida, e apesar de terem sido corridos da fase final não se poderá dizer que a coisa lhes tenha corrido mal. A música não valia um caracol? Pois não, mas que outras cantigas por lá debitadas valiam mais do que isso? Dizem antigos concorrentes que os nossos representantes no eurofestival não dignificaram a música portuguesa. Infelizmente, não esclareceram o que entendem por tal coisa. Mas já foram mais claros quando deixarem implícito no que disseram que as musiquetas por eles defendidas estiveram à altura do exigido. Isto é, dignificaram a música portuguesa, apesar de já ninguém se lembrar de que cançonetas estão a falar — e o tempo, como é sabido, é o grande juiz. Aliás, quem se lembra de uma única música cantada no eurofestival? E, já agora, quem se lembra de uma única música que o tenha vencido? Não será a amnésia motivo bastante para demonstrar que o festival não tem, nos últimos anos dez ou vinte anos, dignificado a música, portuguesa ou outra?
HÁ AQUI UMA LIGEIRA CONTRADIÇÃO. Se o programa eleitoral do PSD «sofre de algum irrealismo e desconhecimento da realidade nacional», como diz Pacheco Pereira, como pode dizer que vai «no sentido certo»?
ALBERTO JOÃO JARDIM. Por uma vez estou inteiramente de acordo com o Daniel Oliveira.
EMPREGO PARA OS AMIGOS. Não se preocupe, vai ver que uma semana bastará.

16 de maio de 2011

COISAS SEM IMPORTÂNCIA (1). O João Gonçalves tem toda a razão. Afinal, a alegada vítima do director do FMI é só «uma camareira de hotel».

13 de maio de 2011

PERDAS IRREMEDIÁVEIS. Há quase nove anos que ando pela blogosfera e só hoje me aconteceu: um erro do Blogger fez com que perdesse um post. Escusado será dizer que era um post genial, que é sempre a sensação com que se fica quando perdemos um texto, mesmo que escassos minutos antes de o perdermos achássemos banal. Espero que o incidente não tenha relação com o fim do mundo, que se anuncia para a semana.
ARRASADOR. Concordo em absoluto com a análise do Tomás Vasques sobre o debate Passos Coelho-Paulo Portas. De facto, o desnível foi enorme, e notou-se bastante.

12 de maio de 2011

BIN LADEN. Não me regozijo com a morte de ninguém, e parece-me obsceno que a morte de alguém possa ser motivo de festejos. Mesmo a morte de um torcionário que matou — ou mandou matar — milhares de pessoas, como Bin Laden, que se preparava para matar ainda mais. Dito isto, parece-me que os EUA estiveram bem na operação que eliminou o líder da Al-Qaeda, sobretudo no modo como foi planeada a fase posterior, o destino a dar ao cadáver. Com certeza que o ideal seria capturá-lo e julgá-lo, apesar dos riscos que tal comportaria. Mas o mundo não é perfeito, e nem me surpreenderia que a captura estivesse, à partida, excluída. Também me parece evidente que a morte de Bin Laden não põe fim ao terrorismo islâmico, e é de prever um aumento de actividades terroristas nas próximas semanas. Mas é preciso ver que todas as opções seriam más. Seria má a opção que o deixasse em liberdade, seria má a opção que o capturasse e levasse à justiça, seria má a opção que o matasse e não se livrasse do corpo, e não foi perfeita a opção adoptada. A modalidade escolhida pareceu-me, portanto, a menos má. E teve ainda a vantagem de recolher material precioso, a partir do qual já se descobriram planos para novos atentados. Ironicamente, a morte de Bin Laden foi ordenada por um Nobel da Paz, de quem na altura se disse não ter currículo para o merecer.

10 de maio de 2011

CHRISTOPHER HITCHENS. Li, com gosto, um texto de Martin Amis sobre Christopher Hitchens, originalmente publicado no Guardian e posteriormente reproduzido no Público, e apeteceu-me acrescentar: um homem que negou deus a vida inteira (Hitchens é ateu, ou agnóstico, não me lembro bem) não deve converter-se no leito de morte. Afinal, deus, a existir, não apreciará os cobardes.
WRITERS AND KITTIES












Para quem gosta de escritores e de gatos.

5 de maio de 2011

DA VIDA SAUDÁVEL. Sigmund Freud fez questão de manter o hábito de fumar vinte charutos por dia mesmo depois de saber que tinha um cancro, e todos conheciam a sua dependência da cocaína e o namoro com uma cunhada. Truman Capote e William Faulkner morreram alcoólicos. Van Gogh bebia demais. Hemingway, além de alcoólico, era aldrabão. Gauguin seria pedófilo pelos padrões de hoje. Rousseau abandonou os cinco filhos logo à nascença. Naipaul forçou a amante a abortar. Mailer esfaqueou a mulher. Arthur Miller rejeitou o filho deficiente. O que há de comum entre Wagner, Heidegger, Hamsun e Richard Strauss? Eram, todos, nazis, ou simpatizavam com o nazismo. Céline apoiou a ocupação de França pelo regime nazi e defendia a inferioridade dos judeus. Karajan não hesitou em inscrever-se no Partido Nazi para subir na vida. Borges foi condecorado por Pinochet. Pound apoiou o regime de Mussolini. Sartre defendeu o estalinismo. Foucalt simpatizava com o Irão de Khomeini. Dalí apoiou o ditador Franco, e contratou assistentes para lhe pintarem centenas de obras que depois assinava e vendia como suas. Muitíssimos outros criadores (escritores, artistas plásticos, músicos, cineastas, etc.) houve cujo legado se tornou referência nas artes, nas letras e nas ideias cujos modos de vida não se recomendam. Perguntar-me-ão a que propósito vem tudo isto. Vem a propósito dos tempos politicamente correctos em que vivemos, que pretendem catar as «impurezas» das biografias dos mortos e «limpar» a cabeça dos vivos. Ficaremos sem nada «se tirarmos os filhos da puta da literatura e da pintura», dizia, há pouco, Miguel Esteves Cardoso. De facto, é pena que nem todos vejam a evidência. É que um só destes filhos da puta tem mais a ensinar-nos que todos os outros que por aí andam a pregar as virtudes do corpo e da alma, verdadeiros fascistas do politicamente correcto, que ainda hão-de fazer com que os médicos recusem tratar-nos por consumirmos sal em excesso e com que as seguradoras recusem pagar-nos os tratamentos por ingerirmos produtos cujo mal que fazem não estamos dispostos a trocar pelo bem que sabem, prática hoje intolerável para essa cambada, a quem sinceramente desejo que morra saudável.

3 de maio de 2011

TRISTE PAÍS. Esperar pelo intervalo do jogo entre o Barcelona e o Real Madrid para anunciar ao país o programa de ajuda financeira, como fez o primeiro-ministro, demonstra bem o estado a que o país chegou. Um país vergado ao calendário da bola, ainda por cima ao calendário da bola dos outros, não está longe de um país de opereta.