30 de janeiro de 2004

Daniel Oliveira acha que o relatório Hutton sobre o caso Kelly-BBC é um embuste. Porque o relatório acusa a BBC de ter mentido e iliba o primeiro-ministro britânico. E escuda-se numa sondagem para defender a sua teoria, calando o facto de a BBC já ir na terceira demissão (presidente do conselho de administração, director-geral e jornalista que elaborou a peça da discórdia) e no enésimo pedido de desculpas. Termina dizendo que «o descaramento não tem limites». Pois parece que não. Passa pela cabeça de alguém que a BBC ande a pedir desculpas a toda a hora se acha que não tem culpa? Pelos vistos passa.
Como seria de prever, o espectáculo da morte de Fehér, que as TVs transmitiram em directo e repetiram até à exaustão, causou náuseas em alguns estômagos mais sensíveis. O caso deu azo a que se voltasse a falar de autoregulação — uma peça de retórica de cuja ineficácia ninguém duvida — e se voltasse a pedir que sejam banidas das TVs cenas obscenas e de puro "voyeurismo", embora falte explicar o que são cenas obscenas e puro "voyeurismo", o que é razoável passar e o que ultrapassa os limites. Presume-se que as televisões ouviram o recado, como se presume que se borrifaram no assunto. Afinal, quem se lembra do sucedido daqui a dois ou três dias?
«A questão está em saber se [os EUA] têm ou não o direito de decidir unilateralmente o que é terrorismo e quando é que a ameaça [aos EUA] é verdadeira», diz Miguel Sousa Tavares. Ou seja, antes de pensarem em defender-se, os americanos têm que perguntar a terceiros (presume-se que à ONU) o que é terrorismo, e se esse terrorismo constitui uma verdadeira ameaça. O disparate não tem limites.

28 de janeiro de 2004

O presidente da BBC demitiu-se na sequência da divulgação do relatório sobre a morte do cientista britânico David Kelly. Tendo em conta o comportamento vergonhoso da BBC durante a intervenção anglo-americana no Iraque — fartou-se de mentir e de manipular os factos de modo a defender os seus pontos de vista —, a demissão só pecou por tardia.

27 de janeiro de 2004

Henrique Monteiro acha «necessário que o Estado seja duro e exemplar» para com os jornalistas que não honram as suas responsabilidades, nomeadamente com os «maus editores que mandam em jornalistas inexperientes, ignorantes ou com situações laborais periclitantes». Eduardo Cintra Torres, citando um sociólogo alemão, acha que «a imprensa é livre, mas os jornalistas não». João Miguel Tavares lembra que «não há manchetes grátis», e que «o grande problema da comunicação social portuguesa não é o excesso de poder dos jornalistas, mas o excesso de poder das fontes». Nada mau para um início de autocrítica.

26 de janeiro de 2004

José António Saraiva, jornalista, diz «que ser português é muito perigoso». José Manuel de Mello, empresário, diz que «Portugal deve juntar-se imediatamente a Espanha». O que pensarão disto os adeptos das teorias da conspiração?

23 de janeiro de 2004

Quando nada há para dizer, mais vale ficar calado. Ou, então, recomendar quem tem algo para dizer, como Luís Fernando Verissimo, que escreveu este texto notável.

21 de janeiro de 2004

Francisco José Viegas escreveu uma crónica no "JN" de se lhe tirar o chapéu. Óscar Mascarenhas tem um blogue onde a excelência da prosa e a pertinência do que lá abordou são altamente recomendáveis. Carlos Vaz Marques regressou à blogosfera, agora em nova morada. Três boas notícias, três vozes que vale a pena ouvir.

20 de janeiro de 2004

Parece que os "Repórteres Sem Fronteiras" (RSF) concluíram, como base em não sei o quê, que os americanos cometeram um «duplo homicídio» ao dispararem contra o Hotel Palestina, que resultou na morte de dois jornalistas. Mais: os "Repórteres Sem Fronteiras" consideram uma «mentira de Estado» a explicação das autoridades americanas, que alegaram ter disparado em legítima defesa. Ora, se bem me lembro, o Hotel Palestina servia de abrigo a membros afectos ao regime de Saddam, como a televisão demonstrou. Lembro-me perfeitamente de ter visto imagens da família de destacados membros do regime refugiada dentro do Hotel Palestina quando a tropa americana lá entrou, e penso não estar a delirar. Quer isto dizer que tese dos americanos é, pelo menos, verosímil, até porque é razoável admitir-se que os membros do regime que lá se encontravam estavam armados. Já a tese dos "Repórteres Sem Fronteiras" — que acusa os americanos de homicídio e mentira de estado sem apresentarem a mais leve prova — não tem ponta por onde se lhe pegue.

19 de janeiro de 2004

Não sou um amante de fado, embirro com os maneirismos que o rodeiam e, de modo geral, não simpatizo com os fadistas. Foi isto o que tentei dizer na crónica que acabei de colocar na minha página pessoal.

16 de janeiro de 2004

Miguel Sousa Tavares, que não se tem cansado de demonstrar que não tem quaisquer problemas em transformar suposições em factos e factos em suposições (ou mesmo a mentira em verdade e a verdade em mentira), resolveu dar largas ao seu ódio de estimação: o presidente George W. Bush e sua administração. E que disse MST? O que já tinha dito variadíssimas vezes: que Bush «só conseguiu ser eleito graças a uma batota eleitoral»; que Bush fugiu no dia 11 de Setembro; que a resposta ao 11 de Setembro devia ter sido política e não militar; que basta olhar para a cara de Bush para se perceber que o homem é estúpido. Enfim, nada que não tenha sido dito e repetido em qualquer conversa de taberna. Acontece que MST não ignora que, sobre a suposta «batota eleitoral», ter-se-ia dito a mesmíssima coisa caso tivesse ganho Al Gore, pelo é pouco rigoroso (e sério) envolver Bush num caso de fraude eleitoral. MST também não ignora que a suposta fuga de Bush no 11 de Setembro não passou de uma mentira, e que a resposta política em vez de militar é uma daquelas coisas que se deitam da boca para fora por tudo e por nada sempre que não se tem a mínima ideia acerca do que fazer. Por último, a famosa estupidez e ignorância do presidente Bush, que MST tanto gosta de salientar, é capaz de ser um juízo tão ligeiro que nem o próprio Bush se atreveria a fazer, apesar da sua infinita ignorância. Além de que um juízo desta natureza pressupõe uma superioridade intelectual que MST está longe de ter demonstrado.

15 de janeiro de 2004

Chova ou troveje, há meia dúzia de coisas que não dispenso de fazer semanalmente. Uma delas é ler as crónicas de Art Buchwald e Jon Carroll, apesar de quase sempre discordar dos seus pontos de vista no que à política diz respeito.

14 de janeiro de 2004

O dr. Manuel Pinto Coelho acha que «é um erro grosseiro» ter «uma atitude mais tolerante em relação às drogas». Diz ele que «terminar com a proibição tornaria o problema ainda pior», pois a liberalização conduziria a «um aumento de consumo». E está convencido de que «mesmo que as drogas fossem legais as pessoas ainda roubariam e se prostituiriam para as pagar», porque «continuariam a necessitar de dinheiro para alimentar o seu vício». Finalmente, que é possível uma sociedade livre de drogas. Ora, vindo isto de um senhor que diz ter gasto vinte anos da sua vida a acompanhar toxicodependentes, não podia passar sem comentário. Em primeiro lugar, onde foi ele buscar a ideia de que a liberalização da droga conduziria a um aumento de consumo? Tem números que o comprovem ou é uma mera suposição? Depois, não será razoável esperar-se uma diminuição drástica do roubo e prostituição associado ao consumo de droga caso ela seja legal? Sim, porque parece não haver dúvidas de que a droga baixaria drasticamente de preço caso fosse legal. Por último, o dr. Pinto Coelho acha que é possível uma sociedade sem drogas. Será um mero desejo ou estrá mesmo convencido disso? Se está, não há dúvida de que o dr. é um lírico.

13 de janeiro de 2004

Consta que a BBC vai transmitir os célebres «4 minutos e 33» de John Cage, uma das obras-primas do compositor norte-americano cuja principal característica é o silêncio total. Mais: a obra vai ser interpretada por uma orquestra sinfónica. Ora, não estando eu em condições de discutir a obra (nunca ouvi) e não percebendo como ela possa ser tocada por uma orquestra sinfónica, parece-me que a transmissão de quatro minutos e tal de silêncio é, por si só, uma boa notícia. Digo mais: é uma excelente notícia. Porque faz bem escutar o silêncio e, sobretudo, praticar o silêncio. Quem já escutou o silêncio sabe do que falo. Quem nunca escutou, aproveite agora.

12 de janeiro de 2004

Se tudo estiver a correr como eu espero, atravessam o Atlântico neste preciso momento "Fantasia Para Dois Coronéis e uma Piscina" (Mário de Carvalho), "Às Avessas" (Vasco Pulido Valente), "Porto-Sudão" e "A Invenção do Mundo" (Olivier Rolin), "O Pintor de Retratos" (Luiz Antonio de Assis Brasil) e "O Fascínio" (Tabajara Ruas). Quatro euros mais caros por unidade devido ao transporte, mas que se há-de fazer. São os custos da exterioridade.

9 de janeiro de 2004

O "Expresso" é o jornal mais odiado pela «inteligência» — e, provavelmente, o mais lido. Falar mal do "Expresso" — e também eu já falei mal do "Expresso" — fica bem no currículo de qualquer um. Desconfio, contudo, que este falar mal é mais uma moda que outra coisa. Ou, então, deve-se à portuguesíssima dor de corno. A transferência de João Pereira Coutinho foi, desta vez, o pretexto. Pretexto, também, para arrearem em Pereira Coutinho, em parte também por dor de corno. Está visto que esta gente anda necessitada de ler o livro do arquitecto Saraiva.
Miguel Sousa Tavares insiste em fazer de conta que as pessoas são estúpidas. De uma penada, isenta de culpas a comunicação social no processo Casa Pia — como se ele não soubesse que a comunicação social não está isenta de culpas. Depois, diz que há uma campanha da Justiça destinada a punir os notáveis, nomeadamente os notáveis do PS. Razão para se interrogar: «Quantos implicados anónimos estarão a escapar incólumes por cada notável que (...) se pretende implicar?» Ou seja, Miguel Sousa Tavares pretende fazer passar a ideia de que a implicação de cidadãos anónimos ou de notáveis é a mesmíssima coisa, e que a hipotética condenação de uns ou outros têm o mesmo efeito dissuasor. Acontece que não é assim, como Miguel sabe bem que não é.
Começam a surgir discordâncias acerca da oportunidade (e do conteúdo) da última intervenção do Presidente da República. Eu já estava a estranhar tanto consenso.
Interessante o falatório acerca da lei de imprensa que a divulgação das cartas anónimas veio precipitar. A «discussão» encontra-se na fase em que toda a gente acha que deve haver censura e o contrário. Escusado será dizer que a questão vai morrer por aqui.

8 de janeiro de 2004

Um pouco de frieza e lucidez — tão arredados dos meios políticos e jornalísticos nos últimos dias — são sempre recomendáveis. Por isso saúdo a crónica de Pacheco Pereira no "Público" de hoje, depois acrescentada no Abrupto. O ilustre comentador chamou a atenção para duas ou três coisas essenciais que a gritaria tem impedido de ouvir e desfez um aparente (e estranho) consenso à volta do processo Casa Pia. Tudo com base nos factos, como mandam as regras.

7 de janeiro de 2004

Os políticos acusam os jornalistas de serem os principais culpados pelo actual clima que rodeia o processo Casa Pia. Precisamente os mesmos políticos que usam os jornalistas para criar climas semelhantes sempre que isso lhes convém, e que não hesitam em lançar nomes na lama caso seja preciso. Ora, para começar, a quem interessa esta gritaria? Às televisões e aos jornais? Sem dúvida nenhuma. Mas é só às televisões e aos jornais? Evidentemente que não é. Ela interessa a uma cada vez mais evidente estratégia destinada a descredibilizar todo o processo, e que há-de levar a que algumas das vítimas se transformem em culpados.
Vicente Jorge Silva escreveu uma carta à dra. Ana Gomes pedindo-lhe para não se calar. E era preciso?

6 de janeiro de 2004

À crítica musical devo o meu interesse pela música. Mesmo aos críticos com quem nunca estive de acordo, que me obrigaram a reexaminar os meus gostos e acabaram por reforçar as minhas convicções. À crítica musical devo, ainda, a evolução dos meus gostos para outras músicas, nomeadamente para o jazz e para a chamada música clássica, neste caso por ignorá-la. De tanto ouvir os críticos, cheguei a um ponto em que estava tão cheio de preconceitos que quase não conseguia fruir a música livremente. Ouvir música quase deixou de ser um prazer lúdico para ser um mero exercício, interessante ao princípio mas cansativo depois. Hoje não leio uma crítica musical e não mexo uma palha para saber o que estou a ouvir. Assim me sinto inteiramente livre para fruir o que ouço, e estou-me nas tintas que os especialistas o considerem bom ou mau. Vem isto a propósito de Mary Black e Eva Cassidy, que estive a ouvir esta manhã e recomendo vivamente. Sei quase nada de cada uma delas, excepto que são duas vozes que não me canso de ouvir.

5 de janeiro de 2004

As reacções à comunicação ao país de Jorge Sampaio vão todas no mesmo sentido. Isto é, toda a gente a achou oportuna e concordou com o conteúdo. Não querendo ser um desmancha-prazeres, eu achei a intervenção despropositada. Como, aliás, achei despropositada a primeira intervenção de Sampaio sobre o mesmo assunto. Além de não ter percebido muito bem o que ele disse, tantas foram as que deu no cravo como as que deu na ferradura. Mas deve ser deficiência minha.
Enjoado com os balanços do ano que findou e com as últimas peripécias da Justiça? Então leia esta pérola de Luís Fernando Verissimo.
O Fumaças colocou o Esmaltes e Jóias na lista dos 15 melhores blogues portugueses do ano que findou. Quer isto dizer que o Fumaças é uma pessoa de bom-gosto, embora eu nunca tivesse duvidado. O mais curioso é que eu não conheço nem metade dos nomes por ele escolhidos, o que talvez signifique uma escolha politicamente incorrecta. Seja lá como for, gostei de aparecer na lista.