29 de abril de 2014

DESCULPEM, MAS JÁ DEI PARA O SALAZAR. Já não tenho paciência para a história de que Salazar morreu pobre, nunca acumulou riqueza, criava galinhas e não sei que mais. Até o insuspeito Mário Soares reconheceu, por estes dias, que o ditador de Santa Comba «não mexeu nos dinheiros públicos». Não tenho paciência porque a história, aparentemente verdadeira, esconde uma evidência de que nunca se fala: para que necessitaria ele de fortuna pessoal se era dono de um país inteiro? Por que haveria ele de acumular riqueza, presume-se que para amenizar a velhice, se só sairia do poder para o cemitério? Para que haveria ele de criar um pé-de-meia, de forma honrada ou «mexendo nos dinheiros públicos», se jamais precisaria dele? Pensem um bocadinho antes de abrirem a boca, que diabo.
FINALMENTE ALGUÉM TEM A CORAGEM DE DIZER O ÓBVIO. «A direita não é nem mais nem menos culta do que a esquerda.»

24 de abril de 2014

UM CADÁVER ADIADO. A serem contempladas as pretensões de Angola e Moçambique, na prática o Acordo Ortográfico já era. Só é pena que os países em causa não recusem aplicá-lo, o actual ou outro que vier, pela razão mais substantiva de todas: tirando quem dele beneficia, a começar pelo seu principal responsável, o Acordo não é necessário para coisíssima nenhuma, e ao contrário do que pretendem angolanos e moçambicanos (ver contempladas as variantes locais), a coisa pretende unificar as diversas grafias. Quanto mais tempo se levar a admitir a evidência (e a agir em conformidade), pior será para a língua portuguesa, onde o caos ortográfico está praticamente instalado. Haja coragem para assumir o erro, que as indemnizações (ouvi dizer que milionárias) a que terão direito quem fez contratos com Estado pressupondo a entrada em vigor do novo Acordo se resolverão — e não podem, de modo algum, servir de pretexto para que tudo fique como está.

23 de abril de 2014

DESEJOS PARA O DIA MUNDIAL DO LIVRO. Acho que já disse isto, mas não será demais repeti-lo: gosto de biografias. O problema é que leio a primeira meia centena de páginas e ainda o biografado está na infância, por regra um período que só interessa aos estudiosos. Não há paciência para tanta página de palha, para factos que não interessam nem ao menino Jesus. Contas por alto, devo ter mais de duas dezenas de biografias, começadas mais de uma dezena — mas concluídas só duas ou três. Por que razão têm, as biografias, invariavelmente para cima de 700 páginas, que a grande maioria dificilmente lerá? Hannah Arendt, de Derwent May, que li recentemente, é um exemplo de biografia com menos de meia centena de páginas que nem por isso vê diminuída a sua importância. Definitivamente que alguém devia criar um prémio para quem conseguir escrever uma biografia decente com menos de 200 páginas. (E, já agora, para quem for capaz de escrever um romance legível com menos de 400.)

18 de abril de 2014

IDIOTA ME CONFESSO. Segundo a doutrina em vigor, sou, em política, o que os «meios» designam por «idiota útil». Porque tenho o (péssimo) hábito de defender o que me parece acertado e zurzir o que considero errado, e isso implica defender governos (ou pessoas) que não aprecio, ou atacar governos (ou pessoas) com que simpatizo. Não sei bem o que é um «idiota útil», mas a designação parece aplicar-se a quem, discordando de quase tudo, não se inibe de concordar com uma parte, mesmo que pequena, mas que possa fazer toda a diferença — e com isso beneficiar, ainda que involuntariamente, quem não se pretende beneficiar. É um erro do ponto de vista estratégico, bem sei. Mas como o que penso é tudo o que me move, é-me indiferente que beneficie (ou prejudique) quem quer que seja. Sou, dentro do possível, um cidadão livre, e como tal digo o que penso — e até costumo dizer que prefiro errar pela minha cabeça a acertar pela dos outros. Não creio que influencie uma só criatura, mas também nunca tive essa pretensão. E jamais me apanharão a dizer o que penso com outro propósito que não seja dizer realmente o que penso. Para muitos é um defeito, para alguns um grande defeito. Mas um defeito de que não abdico.

17 de abril de 2014

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ, 1927-2014. Se não mudou a minha vida, mudou, seguramente, a minha relação com os livros, estou certo que para melhor. Cem Anos de Solidão levou-me não só a outras obras de Márquez, mas também a outros autores latino-americanos de que nunca ouvira falar — Llosa, Rulfo, Carpentier, Cortázar, Onetti, Borges. Ninguém Escreve ao Coronel, que li em espanhol há meia dúzia de anos (experimentem lê-lo em espanhol e verão como tem outro sabor), é das poucas histórias que sei praticamente de cor. E mais não digo, que tudo o que me ocorre são lugares-comuns — coisa que ele odiava, e eu ando lá perto.

16 de abril de 2014

AI SE FOSSE EU A MANDAR. Não há nada como um exemplo para demonstrar como a ignorância é, de facto, muito atrevida.

11 de abril de 2014

O CIRCO. Como se dizia nos tempos do MRPP, quem com ferros mata, com ferros morre. Poder-se-ia caracterizar assim o arrufo entre Rodrigues dos Santos e José Sócrates, que domingo conheceu novo episódio. Espera-se que o próximo tenha cenas ainda mais picantes, género estaladas e assim. Afinal, o último episódio foi visto por mais 120 mil espectadores que o anterior (números do DN), pelo que será de esperar que o próximo registe uma nova subida. O título do Público (Sócrates e Rodrigues dos Santos mantêm polémica na RTP, mas TVI e Marcelo continuam a ganhar) sugere que tudo isto não passa de uma guerra de audiências, no caso com a TVI, onde à mesma hora comenta Marcelo Rebelo de Sousa. Chega, de facto, a parecer, mas sinceramente duvido. Por mais reparos que mereçam o comportamento de Rodrigues dos Santos, não estou a vê-lo entrar nesse jogo. Rodrigues dos Santos fez o que fez porque é assim, e imagino que seja tarde para ser doutra maneira. O problema é claramente outro, e como as coisas chegaram onde chegaram, só há duas saídas possíveis: acabar com o programa, ou afastar Rodrigues dos Santos. É que o foco do programa deixou de ser o que Sócrates tem a dizer sobre determinados assuntos, mas saber se Rodrigues dos Santos e Sócrates se voltam a desentender — e como a desavença vai acabar. Como entretenimento, não estará mal. Mas como A Opinião de José Sócrates não é um programa de entretenimento (o site da RTP descreve-o como um «espaço de comentário e análise política»), será bom que não se transforme num circo.
INCONSEGUIMENTOS, CAPÍTULO 25. Questionada sobre a ausência da Associação 25 de Abril na sessão comemorativa da revolução, a presidente da Assembleia da República foi taxativa: «O problema é deles.» Como é óbvio, os media pegaram logo no caso, e «o problema é deles» foi título em tudo o que é jornal. Hoje, confrontada pelos jornalistas a propósito de não sei quê, Assunção Esteves debitou a rábula do costume: foram os jornalistas que criaram um facto político e não ela, e não há mais nada a dizer. Desconheço as razões da Associação 25 de Abril, que o parlamento, também por razões que desconheço, entendeu recusar. Há, no entanto, um facto a ter em conta: o parlamento tem toda a legitimidade para decidir o que decidiu. Goste-se, ou não, do que decida, o parlamento foi eleito, e não me consta que tenha havido aldrabices. Mas se a Associação 25 de Abril tem o direito de exigir o que lhe apetecer, mesmo as coisas mais absurdas, e os deputados decidir o que muito bem entenderem, mesmo os assuntos mais controversos, Assunção Esteves devia abster-se de usar linguagem imprópria do cargo que exerce. Por outras palavras, devia pensar as vezes que forem precisas antes de abrir a boca em nome da Assembleia da República. Os desastres que têm vindo a suceder-lhe justificam plenamente todas as cautelas.

9 de abril de 2014

NOS PRELIMINARES NÃO HÁ QUEM NOS BATA. A entrevista de Durão Barroso ao Expresso deixou meio mundo a questionar-lhe o propósito, e outro meio a perguntar: qual foi a ideia de só agora, uma década após ter «emigrado» para Bruxelas e a uns meses de terminar o mandato na Comissão Europeia, vir dizer que enquanto primeiro-ministro por três vezes chamou o então governador do Banco de Portugal para aferir os rumores que circulavam sobre o BPN quando nem sequer lhe perguntaram? Duas semanas depois, permanece o mistério. Candidato à Presidência da República, disse logo que não era. Da Comissão Europeia, sairá em Outubro. Sacudir o BPN do capote e culpar Vítor Constâncio, não se alcança o propósito. Que pretenderá ele, afinal? Mário Soares já veio sugerir que a Procuradoria-Geral da República o deve questionar sobre o BPN. Não sei se deve, nem sei se pode. Mas imaginemos que pode, e que deve. Será preciso dizer que Durão dirá, nessa altura, que não se lembra do que falaram?

4 de abril de 2014

SAI UM BORDALO PINHEIRO PARA O PAULO RANGEL. Paulo Rangel, cabeça de lista da coligação governamental às eleições europeias, desafiou António José Seguro e Francisco Assis a dizer se consideram melhor para Portugal que o líder da Comissão Europeia seja alemão, ou português. Isto porque o PS apoia a candidatura de um alemão à presidência da Comissão Europeia, e porque destacados militantes do PS disseram umas coisas sobre Durão Barroso de que Rangel não gostou (Silva Pereira afirmou que o dito foi um mau presidente, José Sócrates considerou-o medíocre). Desconheço, à hora a escrevo, se Rangel teve resposta, e o que Seguro e Assis pensarão sobre o assunto. Mas a pergunta a fazer, agora que se aproximam as europeias e o final do mandado de Barroso, deveria, para mim, ser a seguinte: o que ganhou Portugal com Durão Barroso na Presidência da Comissão Europeia? Que eu saiba, rigorosamente nada. Como a pergunta de Rangel pressupõe que Portugal terá vantagens em ter um presidente português, convinha que explicasse quais, se possível com exemplos concretos. Assim ficaríamos a saber se Rangel fala a sério, se realmente pensa o que disse, o que eu duvido. O episódio tresanda a patriotismo saloio e a demagogia barata — obviamente destinados a confundir quem tenciona votar nas próximas europeias. Como não posso votar, infelizmente Rangel não terá, da minha parte, o que está a pedir. Que seria, evidentemente, o que estão a pensar.
RENTES DE CARVALHO. Soube, pela manhã, que Portugal, a Flor e a Foice estava disponível em eBook. Para quem, como eu, reside fora do país (ou é emigrante, como queiram), não imaginam o que isto significa. Depois de comprado, um livro em papel demora a chegar-me uma semana e tal (nos melhores casos), e como o livro em papel é mais caro que o eBook (e ainda tenho que pagar o transporte), acaba por custar-me mais do dobro. Aqui está, portanto, um caso em que o eBook faz toda a diferença, mas não vou insistir no que há anos tenho vindo a dizer. Quanto ao autor, José Rentes de Carvalho, suspeito que já o disse, mas não me custa repetir: um senhor das letras portuguesas, que descobri tardiamente (as edições portuguesas eram praticamente inexistentes até há poucos anos), e hoje devoro quase ao ritmo dos pastéis de Tentúgal (na verdade, e para mal dos meus pecados, com larga vantagem para estes últimos). Para quem não sabe, Rentes de Carvalho vive na Holanda (parece-me que ultimamente entre a Holanda e Estevais, onde um dia, graças a Ernestina, talvez irei) — daí ser praticamente desconhecido em Portugal até há pouco. A primeira vez que o li foi numa publicação local, a Eito Fora, que apesar disso chegou a ter projecção nacional nos meios, digamos, culturais, e que viria a dar origem à Periférica, de maior fôlego mas com menos tempo de vida. Fiquei fã desde então, já li meia dúzia de livros, e os que faltam não perdem pela demora.
GILBERTO FREYRE. Depois de anos à procura, encontrei, por acaso, o primeiro volume de Casa Grande e Senzala num alfarrabista de Manhattan, e tirando a grafia original, no português em que foi escrito. Leio e choro por mais. Procuro na internet o segundo volume (ou a obra integral), e os poucos que há são relíquias que se fazem pagar como tal. De eBooks, nem falar. Como é possível um livro desta envergadura estar praticamente fora do mercado? Para quando, já agora, edições decentes dos clássicos da língua portuguesa, em papel e digital?
CARSTEN JENSEN. Li pouco mais de duas centenas de páginas de Nós, os Afogados, do dinamarquês Carsten Jensen, mas já deu para ver que é um livro notável. Pena que a tradução tenha sido em português pós-acordo ortográfico, mas o livro vale bem uns impropérios.
COISAS QUE VOU LENDO (8). «Ninguém pode levar a mal a Constâncio não se recordar de factos que aconteceram há uma década. O que não se percebe é por que é que Constâncio convoca os jornalistas para fazer uma revelação de algo sobre o qual não se lembrava.» Pedro Sousa Carvalho, Público de 4/4/2014

2 de abril de 2014

CADA UM LEMBRA-SE DO QUE LHE CONVÉM. Evidentemente que um dos dois está a mentir, e a memória que um diz ter e o outro não ter é só um pretexto. Será possível que Durão Barroso tenha, quando primeiro-ministro, convidado três vezes o então governador do Banco de Portugal (BP) a explicar-lhe os «rumores» que circulavam sobre o BPN, e o então governador do BP não se lembrar de um único convite? Não me constando que Vítor Constâncio tenha perdido a memória, ou está a mentir, ou mente quem diz tê-lo convocado três vezes para explicar-lhe o BPN. Durão Barroso pode, enquanto primeiro-ministro, não ter estado à altura do que seria exigível, mas hoje é um facto que Constâncio também não fez o que devia — por negligência, por incompetência, por impotência, por outra razão que só ele saberá. Acreditar, portanto, em quem? Por mim, não acredito em nenhum, e devo dizer que se há coisa que me tira o sono é não estar em paz com a minha consciência. Há dois dias que tomei conhecimento do assunto, há dois dias que penso desta maneira, há dois dias que durmo que nem uma pedra. Posso, portanto, continuar a dormir descansado.