24 de agosto de 2017

PROVOCAÇÕES DELIBERADAMENTE PERIGOSAS. Duvido que alguém que pratica a mentira como um desporto (o Washington Post contabilizou uma média de cinco mentiras diárias) consiga minar a credibilidade de quem quer que seja, que de um mentiroso só se espera que minta. Mas já me pareceu mais improvável que Trump consiga, com as suas constantes declarações incendiárias, criar um clima de violência contra os media de que não gosta (leia-se todos os que noticiam assuntos que lhe desagradam). Os ataques do Presidente ao que ele designa por «fake news» e inimigos da pátria são cada vez mais frequentes, cada vez mais violentos, cada vez mais perigosos — porque Trump sempre gostou de pôr todos contra todos, de instigar o ódio entre quem discorda do pensamento único (leia-se o dele). Como qualquer pessoa minimamente informada já terá percebido, nunca, como hoje, foi tão necessário um jornalismo competente e actuante, e se por vezes se cometem erros, no geral está bom e recomenda-se. Mas se continuo convencido de que Trump perderá a guerra com os media, cada vez me parece mais provável que não sem antes haver vítimas. Não vítimas resultantes de danos colaterais (chantagens, despedimentos, coisas assim), que também haverá. Falo de «vítimas a sério», resultantes de violência física, que neste momento só me espanta ainda não existirem. Trump demonstrou durante a campanha que é um sujeito perigoso, voltou a demonstrá-lo já eleito, confirmou-o nos últimos dias. Quase apostaria que, a suceder, será o primeiro a dizer que estavam mesmo a pedi-las.

15 de agosto de 2017

A MORTE SAIU À RUA. Olhando para a trajectória de Trump desde a campanha eleitoral até ao fatídico fim-de-semana passado, a reacção do Presidente aos acontecimentos de Charlottesville (fez umas vagas declarações a condenar a violência «de muitas partes» que depois, encostado à parede, corrigiu a contragosto) foi coerente com o que tem dito — e feito — até agora. Fosse o terrorismo da Virgínia (sim, o que se passou na Virgínia chama-se terrorismo) praticado por radicais islâmicos, e Trump andaria, e bem, para aí aos gritos. Como veio de onde veio, isto é, de racistas, supremacistas brancos, simpatizantes do nazismo e outros espécimes do género (tudo gente que o apoiou e com quem Trump simpatiza parcial ou mesmo totalmente), limitou-se a uma espécie de condenação burocrática e a mudar rapidamente de assunto. Claro que os acontecimentos da Virgínia, muito estimulados pela retórica de Trump e dos media de extrema-direita, podem ser um rastilho para mais violência. Mas estou convencido de que tiveram pelo menos o mérito (digamos assim) de mostrar a natureza de quem nos governa, de lançar dúvidas entre alguns dos seus crentes. Como se viu nas manifestações espontâneas que logo surgiram um pouco por todo o país, é clara a associação que se faz dos acontecimentos da Virgínia à trajectória de Trump. Quem duvida que o sujeito potencia comportamentos de ódio, terá ficado com menos dúvidas. Não é muito, mas já é alguma coisa.

8 de agosto de 2017

UM DESASTRE NUNCA VISTO. O Presidente Trump arranjou, finalmente, alguém ao seu nível. Um tal Scaramucci, a quem meia dúzia de dias de poder bastaram para demonstrar ser mais papista que o Papa. Depois de ter dito vezes sem conta amar o Presidente, coisa nunca vista talvez mesmo na Coreia do Norte, ameaçou «limpar» o gabinete presidencial, «matar» (metaforicamente, presume-se) os autores das fugas de informação — medidas que, juntamente com as declarações grosseiras à New Yorker, provocaram mais duas baixas no gabinete presidencial, que se vieram juntar ao general Flynn e a outras figuras menores, para não mencionar o despedimento de James Comey, ex-director do FBI (afastado em circunstâncias muito suspeitas), e o cada vez mais fragilizado Jeff Sessions, ministro da Justiça e procurador-geral, que depois de ter sido obrigado a afastar-se da investigação russa tem vindo a ser enxovalhado pelo Presidente sem que se perceba por que não o demite ou Sessions saia pelo próprio pé. Dez dias depois, Trump mudou a agulha, e Scaramucci já era. Agora estamos na fase do detector de mentiras, que a Casa Branca pondera usar como forma de acabar com as fugas de informação, que a concretizar-se levaria a gente que rodeia o querido líder a humilhar-se ou, se tiver coluna vertebral, a demitir-se (esperemos que o polígrafo não se aplique ao Presidente). E da Trump News, uma coisa inacreditável, própria de quem não tem um pingo de vergonha na cara e que não ocorreria nem ao jumento que manda na Venezuela. E hoje mesmo a cada vez mais atrevida Coreia do Norte, que o irresponsável que nos calhou em sorte perigosamente trata com a subtileza de um elefante numa loja de porcelanas. Tudo isto em seis meses e pouco, durante os quais a grande bandeira de Trump — acabar com o Obamacare — falhou três vezes, e o resto das medidas continuam em banho-maria ou encalhadas nos tribunais. Prognostiquei, na primeira hora, que Trump seria um desastre, e muitos pensaram que exagerei. Desculpem a presunção, mas hoje, face ao que já se conhece, se de alguma coisa me podem acusar é de ter sido excessivamente modesto.