31 de dezembro de 2010

FECHAR O ANO. «Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia.» Nelson Rodrigues, O Óbvio Ululante

29 de dezembro de 2010

DEBATES PRESIDENCIAIS. O debate entre Cavaco e Alegre foi, até agora, o único que vi, e provavelmente não verei mais nenhum. Como aqui já escrevi, nunca as eleições presidenciais me interessaram tão pouco, e nem uma hipotética segunda volta me levará à mesa de voto. Dito isto, surpreendeu-me o tom do debate, em que eu esperava um Cavaco à defesa, mais contido, e um Alegre ao ataque, mais expansivo. Como se viu, foi o contrário. Já o resto não surpreendeu. Cavaco foi mais contundente, mais sereno, mais convincente. Ao contrário, Alegre esteve inquieto, inseguro, e não soube explorar as fraquezas do adversário (as alegadas escutas de São Bento a Belém e o caso BPN, por exemplo). Nenhum deles contará com o meu voto, mas ficou claro que Cavaco é o único candidato credível.
VERGAR A MOLA (2). Afinal, apareceram aqui uns sujeitos que se ofereceram para me limpar a neve. Ofereceram-se é como quem diz, embora lhes tenha pago metade do que me pediram. Ao contrário do que alguns julgam, a economia de mercado é muito eficaz.

27 de dezembro de 2010

VERGAR A MOLA (1). Cercado de neve por todos os lados, impedido de sair de casa (nem a porta da rua conseguia abrir), espreito pela janela a chegada do limpa-neve como quem, há dois dias, esperava o Pai Natal. Diz que vem mais logo, quando o mais logo vem promete-me que ainda mais logo, quando o ainda mais logo chega não dá sinais de existir. Acciono o plano de emergência, mobilizo as tropas, distribuo funções — e só de pensar nos movimentos da pá já me doem as cruzes. Verdade que o espírito da quadra não me inspira amor ao próximo, mas nunca imaginei que me inspirasse instintos homicidas.
LEITURAS QUE SE RECOMENDAM. O major dos pequeninos

23 de dezembro de 2010

NÃO HÁ FUMO SEM FOGO. Por manifesta incompetência (para dizer o mínimo), o Millennium BCP dos EUA mudou, recentemente, de mãos, e a minha conta bancária com ele. Devo dizer que nunca me ralei por aí além com «práticas bancárias arriscadas e pouco saudáveis», como a entidade que por aqui supervisiona os bancos designou as práticas do Millennium, pela simples razão que estou convencido de que todos os bancos recorrem, de um modo geral, a práticas idênticas, embora uns mais do que outros. (Não deve ser por acaso que a concorrência nunca abre a boca sobre casos destes, quando seria de esperar que aproveitasse casos destes para apontar o dedo aos outros e propagandear as virtudes próprias.) Mas quando as práticas «pouco saudáveis» começam a ser uma constante, quando se diz que o Millennium terá oferecido informações aos americanos que deviam ser confidenciais em troca não se sabe de quê, convenhamos que é demais. O presidente do Millennium já desmentiu tal intenção, e nem se esperaria que não o fizesse. Mas cada um acredita naquilo que quer, e já houve variadíssimas suspeitas sobre o Millennium que acabaram por se confirmar apesar dos veementes desmentidos.
ESTALOU O VERNIZ. Quem lê a imprensa espanhola há-de ter reparado que os jornalistas nuestros hermanos têm um problema com Mourinho por ele ser português. Exactamente: por ele ser português. Não há notícia onde se critique a actuação de Mourinho que não mencione o facto de ele ser português, sem que se perceba o que isso acrescente à notícia, e sem que se veja tratamento idêntico para os treinadores de outras nacionalidades. Bem sei que o comportamento do «special one» se presta a isto e muito mais e que é nestas alturas que vem ao de cima o que o ser humano tem de pior, mas é lamentável que seja a imprensa a fazer esse papel.

21 de dezembro de 2010

DA VIDA SAUDÁVEL. Ontem sentou-se aqui um sujeito que passou o tempo em que eu engolia o bife a pregar as virtudes da água com limão, que a água com limão é remédio para não sei quantas maleitas, e depois virou-se para o alho, que o alho para trás e para diante. Vai a enterrar amanhã.

17 de dezembro de 2010

FUMO SEM FOGO. A Secretaria de Estado das Comunidades (SEC) anunciou a criação de um portal destinado à troca de informação entre órgãos de comunicação social de expressão portuguesa espalhados pelo mundo a que ninguém parece ter prestado atenção apesar da notícia ter saído em vários jornais. Consultado o site, constata-se, vários dias depois de ter sido anunciado, que nem links tem para grande parte dos media a que se destina (depreende-se dos regulamentos que estão à espera que lhe caiam nas secretárias), e links é só o que há. Constata-se mais: segundo o responsável do portal, vai ser enviado um inquérito aos órgãos de comunicação social portugueses no estrangeiro para os «auscultar e sensibilizar para o projecto». Quer isto dizer que os media ainda não foram contactados, muito menos se sabe se estarão interessados. Assim sendo, a SEC facturou por aquilo que não fez, nem se sabe se fará. Mas não é só: lido o regulamento, constata-se uma série de regras que os participantes vão ter que cumprir, e que o projecto, que as notícias descreveram como «muito ambicioso» e «há muito desejado», será uma benesse para a comunicação social das comunidades. Dito de outra maneira, a comunicação social das comunidades fornecerá o conteúdo, e ainda deverá mostrar-se agradecida. O tempo dirá o que isto vai dar, mas palpita-me que vai dar um molho de brócolos. É que eu não estou a ver o que os media das comunidades possam ganhar com o negócio, e duvido que se contentem em aparecer no retrato.

16 de dezembro de 2010

QUEM SERÁ? Um episódio edificante sobre uma «figura histórica da Revolução de Abril», actual candidato à Presidência da República.

15 de dezembro de 2010

ESTOU QUE NEM POSSO. Após variadíssimos percalços e inúmeras démarches, consegui, finalmente, uma remessa de alheiras como manda a lei, e escrevo já com o estômago aconchegado por elas. Um punhado de grelos, uma batata cozida e um tinto que eu cá sei fizeram o resto. Confrontos no centro de Roma? Porrada em Atenas? Amanhã prometo informar-me.

14 de dezembro de 2010

MUITO INSTRUTIVO. Eliminar 1200 cursos superiores em dois anos seria, em circunstâncias normais, impensável. Como falamos de Portugal, onde universidades de vão de escada se distinguiram por passar canudos ao domingo e por inventar cursos destinados a formar doutores da mula ruça, a coisa é normal. Ironicamente, um alto dirigente político acaba de ser notícia por ter assinado pareceres jurídicos a coberto de um canudo que não tinha, ou que foi obtido ninguém sabe bem como, precisamente numa dessas universidades de vão de escada entretanto encerradas por ordem governamental.

13 de dezembro de 2010

VOTOS COMPRADOS. A ser verdadeira, e nada indica que não seja, a história da compra de votos no PS publicada pela revista Sábado devia deixar o PS em alvoroço e o país em sobressalto. Quatro dias após ter sido publicada, não se vê o mais leve comentário. Será normal? Infelizmente, tudo indica que é. A história da compra de votos no PS não é caso único, e quem tem telhados de vidro só pode fazer de conta que não ouve, nem vê.

10 de dezembro de 2010

CIBERATAQUES. Seria de esperar que a WikiLeaks se demarcasse dos ataques efectuados por hackers aos sites das redes Visa e Mastercard, entre outros, que os responsáveis por esses ataques — um grupo denominado «Anonymous» — justificaram como protesto pela prisão de Assange, acusado pela justiça sueca — convém não esquecer — de crimes sexuais. É que os membros da WikiLeaks podem ser tudo, mas estúpidos é que não são. Afinal, o que distingue um ataque cibernético a uma empresa, causando prejuízos que podem ser astronómicos, de um mero assalto destinado a roubar dinheiro e/ou objectos de valor praticado por um bando de delinquentes? Não serão estes ataques dos «Anonymous» igualmente criminosos? Dizem-me que o tal grupo é composto por «activistas», por «pessoas que defendem a liberdade de expressão», assim procurando branquear os seus actos e justificar os seus comportamentos. Confesso as minhas dúvidas, mas concedo que poderá ser. O problema é que a perigosidade destes actos, na minha opinião muito maior que a divulgação dos documentos secretos, poderá levar à criação de legislação que se traduzirá em mais restrições à liberdade individual, precisamente o contrário do que os «activistas» pretendem.
REVISITANDO A KAPA. Li a Kapa do primeiro ao último número, mas raramente me lembro do blogue onde alguém colocou parte dos textos lá publicados. Um dia destes algo me recordou a sua existência, e o resultado foi relembrar textos como aquele em que Vasco Pulido Valente contou as peripécias da sua passagem pela candidatura de Soares à Presidência, da competição entre Jaime Gama e Vítor Constâncio para agradar ao chefe (Soares), da embaraçosa solicitude do então sindicalista Torres Couto, das doses generosas de vodka ordinário ingeridas no Monte Carlo, de como ia caindo de um quarto andar por um buraco onde deveria estar um elevador. Uma delícia.

7 de dezembro de 2010

CORMAC McCARTHY. Comecei a ler Meridiano de Sangue com alguma reserva, já não me lembro porquê, mas o entusiasmo foi crescendo de página para página. Habituado o estômago à violência (uma constante em todo o romance), descubro um livro espantoso, e um personagem notável (o Juiz Holden). Provavelmente vai ser uma decepção, mas apetece-me ler todo o McCarthy que me aparecer pela frente.
VARGAS LLOSA. A propósito deste discurso, li meia dúzia de livros de Vargas Llosa, nenhum deles ficção. Por concluir tenho A Fish in Water, também não-ficção, e por começar quase uma dúzia. Como os li com prazer e proveito, significam estas leituras que gosto do escritor peruano. Dito isto, o que mudou depois de lhe atribuirem o Nobel da Literatura? Para ele, provavelmente muita coisa. Para mim, rigorosamente nada. Os prémios literários são óptimos para a indústria e para quem os ganha, e presumo que úteis para quem quer comprar livros e não sabe o quê.

6 de dezembro de 2010

DESACONSELHÁVEL A ESTÔMAGOS SENSÍVEIS.

«Encontraram os batedores desaparecidos pendurados de cabeça para baixo dos ramos de uma árvore paloverde enegrecida pelo fogo. Tinham os tendões dos calcanhares trespassados por espigões aguçados de madeira verde e pendiam, lívidos e nus, acima das cinzas frias das brasas onde tinham assado em fogo lento até as cabeças ficarem carbonizadas e os cérebros lhes borbulharem dentro do crânio e o vapor lhes sair pelas narinas e sibilar. Viam-se-lhes as línguas puxadas para fora da boca e presas com paus afiados que as atravessavam de lado a lado e tinham as orelhas cortadas e os torsos rasgados com lascas de sílex até as entranhas lhes penderem sobre o peito. Alguns homens adiantaram-se de faca em punho e soltaram os cadáveres e deixaram-nos ali caídos nas cinzas. Os dois corpos mais escuros eram os últimos Delawares e os outros dois eram o foragido da Terra de Vandiemen e um homem do Leste chamado Gilchrist. Às mãos dos seus bárbaros anfitriães não haviam conhecido favores nem discriminação alguma, antes tinham sofrido e morrido com imparcialidade.»

Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue
O HOMEM QUE ESCREVE OS ENSAIOS DOS NOSSOS FILHOS. Já foi publicado há um mês, mas nem que tivesse sido há um ano perderia actualidade. O tema também não é novidade, mas talvez surpreenda a real dimensão do problema.
WIKILEAKS (2). Se outras razões não houvesse, esta chega e sobeja para demonstrar a natureza — e os objectivos — do WikiLeaks e do seu fundador.

3 de dezembro de 2010

ALEGRE CEGUEIRA. Quando mais tempo vai Manuel Alegre necessitar para perceber que o problema da sua candidatura a Belém não é Marcelo e/ou os jornalistas? Quanto mais tempo vai Manuel Alegre necessitar para constatar que a sua candidatura não entusiasma nada nem ninguém, a começar por quem mais devia? Quando mais tempo vai Manuel Alegre necessitar para perceber que o milhão e tal de votos nas Presidenciais de 2006 não foi, na sua maioria, votos nele mas contra Mário Soares? É verdade que o PS tem feito o que pode para fazer de conta que Alegre não existe, para já não falar de Cavaco, que ostensivamente o ignora desde o início. Mas salta à vista que o principal problema de Manuel Alegre é Manuel Alegre, um personagem que os portugueses conhecem na política pela voz de trovão e pelos poemas que vai dando à estampa, o que é pouco para quem pretende dirigir uma junta de freguesia, e nada para dirigir um país.
SÁ CARNEIRO. Nelson Rodrigues escreveu: «Toda [a] unanimidade é burra.» É precisamente isto o que me apetece dizer das opiniões sobre Sá Carneiro, todas lisonjeiras, todas unânimes. Não que eu tenha alguma coisa contra Sá Carneiro, antes pelo contrário. Mas o que se diria dele hoje caso ainda fosse vivo? Definitivamente que um homem bom é um homem morto.

2 de dezembro de 2010

MUNDIAL. Não me rala que tivéssemos perdido, nem entraria em delírio caso tivéssemos ganho. Mas será mesmo verdade que entre os executivos da FIFA que decidiram quem vai organizar os mundiais de 2018 e 2022 há quem tenha interesses directos, sobretudo de natureza financeira, na escolha da Rússia? Se assim é, o recente afastamento de dois executivos da FIFA por suspeita de corrupção é bem capaz de não ter sido um caso isolado, e as insinuações que têm vindo a fazer alguns dirigentes das candidaturas hoje derrotadas não deve ser só mau perder.
PEDRO MEXIA. «Há pessoas que acham que ser pessimista deve ser «angustiante». Estão enganadas. Ser pessimista é sobretudo cansativo. Todos os dias o mundo confirma a ideia que temos do mundo. Imaginem: todos os dias.»