25 de maio de 2016

PROGNÓSTICOS A POSTERIORI. Consta que ninguém do Partido Republicano prestou a devida atenção ao «fenómeno» Trump, e o resultado está à vista: é tarde para o travar. A explicação é plausível. Mas a verdade é que não me lembro de ver ninguém (politólogo ou aparentado, independente ou politicamente comprometido) avisar atempadamente para o perigo Trump, como alguns agora tentam fazer crer, embora sem darem um único exemplo. O que se viu até há pouco foi a ausência total de qualquer análise a sério sobre a candidatura do multimilionário, a meu ver muito por culpa dos media ditos de referência, que levaram demasiado tempo a levá-lo a sério. Ninguém, absolutamente ninguém, previu que Trump chegasse onde chegou, provavelmente a começar pelo próprio. Os especialistas (assim ditos para simplificar) que agora andam por aí a dar raspanetes aos supostos incautos fazem-me lembrar o célebre futebolista que, à cautela, só fazia prognósticos no final do jogo. É que pior do que não ser capaz de acertar um prognóstico, por definição antes do jogo, só mesmo agora dizer-se que se fez (e acertou) mas ninguém sabe onde nem quando. Mas imaginemos que se tem prestado a devida atenção a Donald Trump. Teria sido diferente? Ter-se-ia evitado que chegasse onde chegou? Como não sucedeu, impossível saber. Há, no entanto, um facto que se vai demonstrando um pouco por todo o lado: apesar da proliferação de especialistas, de quem é legítimo esperar-se prognósticos mais assertivos, a política continua a ser muito imprevisível. Até para os melhores.

17 de maio de 2016

O CORREIO DA MANHÃ SEMPRE A ENOJAR. Discordo com frequência do que escreve Daniel Oliveira, como se pode ver no blogue que mantenho desde 2002. Mas subscrevo o que disse no Expresso sobre o caso Fernanda Câncio vs Correio da Manhã. Devo acrescentar que também discordo, ainda com mais frequência, de Fernanda Câncio, e repetir que respeito algumas pessoas que colaboram com o Correio da Manhã e com a Correio da Manhã TV. Dito isto, insisto no que já disse: o «jornalismo» que lá se pratica causa-me nojo. Desde o esquema que encontraram para ter acesso ao processo que envolve Sócrates e companhia (dois jornalistas constituíram-se assistentes no processo só para terem acesso a informação privilegiada, que depois divulgam violando impunemente a lei), à insistência em linchar na praça pública quem não é, segundo a justiça, suspeito de coisa nenhuma (o caso de Fernanda Câncio, com a agravante de contar com a escandalosa conivência da mesmíssima justiça), passando pela arrogância de quem lá manda (bem patente numa recente entrevista ao i). O Correio da Manhã e derivados vendem às mãos-cheias, até às elites? Também os livros e as músicas de alguns vendem muitíssimo, até às elites, e nem por isso deixam de ser a merda que são. Votos de que os que hoje aplaudem as abjecções que nos querem vender como jornalismo não sejam, amanhã, vítimas dele.

10 de maio de 2016

CONCORDAR PORQUE SIM. Deixei de prestar atenção às razões dos que se opõem ao Acordo Ortográfico de 1990 (daqui em diante o Acordo). Porque julgo conhecê-las todas, e quem as conhece sabe que não são poucas. Já a favor, mal se publica algo vou logo ver, sempre na esperança de descobrir um argumento que me tenha escapado ou algum novo que mereça atenção. Foi o que fiz com o texto de Bacelar Gouveia, no DN da semana passada. Sem surpresa, nada que já não tenha sido dito. O alfabeto aumentou de 23 para 26 letras, congratula-se o professor. Depois, «é muito boa ideia não escrever letras que não se pronunciam, até por uma razão de economia de esforços». Como «há já vários anos que a nova ortografia é utilizada nos manuais e no ensino, e há já algumas gerações de alunos que aprenderam o português na nova ortografia (...), o pai ou a mãe poderem aprender com os seus filhos (...) a nova ortografia portuguesa!», escreveu Bacelar Gouveia, exclamação incluída. E considerou «legítimas e boas as suas finalidades» (que não enunciou), «bem como muito lógicas as suas soluções» (nem um exemplo para amostra). Terminou a arenga desta maneira: «(...) as queixas, os queixumes, as lamúrias, os remoques ou as piadas vêm basicamente de dois setores: os que são mais velhos, isso se compreendendo pela sua maior dificuldade e resistência à mudança; também de uma certa elite pensante que erigiu o Acordo Ortográfico a tema e moda de discussão fundamental, à falta de capacidade para terçar armas por coisas mais substanciais que verdadeiramente interessam a Portugal». Espreitei a página dele na internet, e fiquei esmagado com tão impressionante currículo. Logo à entrada, fiquei a saber que o «cidadão empenhado» está receptivo a todos os contributos e sugestões que queiram enviar-lhe, pois acredita «que é no espaço público do diálogo e dos valores que podemos construir um mundo melhor». Assim sendo, cá vai uma sugestão: que tal terçar armas em defesa do Acordo com argumentos a sério? Talvez os opositores da pantomina sejam «basicamente» os «mais velhos» (por mera resistência à mudança) e uma «certa elite» (presumo que ociosa ou ignorante). Mas o cidadão empenhado há-de ter reparado que uns e outros o fazem com argumentos, dezenas deles. Já o professor, nem um para amostra.

6 de maio de 2016

VELHICE (4). Até uma certa idade, averigua-se a qualidade do vinho. A partir de uma certa idade, averigua-se a qualidade da água.

1 de maio de 2016

A REALIDADE NÃO INTERESSA PARA NADA. Daniel Oliveira escreveu, no Expresso, que a Uber é «um recuo civilizacional», que pode ser «encontrada (...) na generalidade dos países do terceiro mundo». Dois disparates seguidos, de certo modo surpreendentes. O recuo civilizacional é uma tolice tão óbvia que dispensa comentário. Já sobre os países do terceiro mundo, Daniel Oliveira citou dois exemplos que podem, segundo ele, ser comparados à Uber: o tuk-tuk em Bombaim, e o «chapa» em Moçambique. Como é evidente, são coisas distintas, como tal não podem ser comparadas. Mas eu dou-lhe um exemplo a sério de um país «do terceiro mundo» onde o serviço é cada vez mais utilizado: os Estados Unidos da América, por acaso onde nasceu a Uber. Como deixou claro no texto, o colunista tem um problema com a Uber porque a Uber é uma «empresa multimilionária», e com a agravante de ser americana. Que a empresa se tenha tornado «multimilionária» graças ao número crescente de utilizadores, nos Estados Unidos e fora dele, não lhe interessa para nada. O que lhe interessa é o que ele pensa, a doutrina que vem na cartilha, e quando os factos não encaixam no que ele pensa é porque há um problema com os factos. Nada que já não se tenha visto antes, mas continua a surpreender que gente de todos os quadrantes políticos continue a não ver os factos como tal. Sobretudo quando se é jornalista (julgo ser o caso dele), para quem os factos devem ser intocáveis.