26 de janeiro de 2017

PEGAR FOGO AO INCÊNDIO. Reduzir os adversários do Presidente Trump a liberais, socialistas, comunistas, esquerdistas de várias proveniências e minorias de toda a espécie, é tão redutor como dizer-se que os seus apoiantes são da extrema-direita, racistas, xenófobos, misóginos, homofóbicos, supremacistas brancos, membros do Ku Klux Klan. Todas as generalizações são estúpidas, nalguns casos perigosas. Os eleitores de uns e de outros são americanos, que na sua grande maioria votam ora nos democráticos ora nos republicanos — e que o Presidente que nos calhou em sorte tudo tem feito para pôr uns contra os outros. Se a América está primeiro, como prometeu durante a campanha, o Presidente devia cuidar de unir os americanos em vez de tudo fazer para os dividir — fomentando o ódio e a discórdia, disparando contra quem não pensa como ele e se atreve a confrontá-lo com as suas incontáveis mentiras, criando fracturas talvez irremediáveis. Quer-me parecer que tudo isto resulta de ignorância pura e dura, de que Trump já deu mostras para todos os gostos. Mas serve-me de fraco consolo.

20 de janeiro de 2017

TOMAR NOTA. Aldous Huxley publicou, em 1931, Music at Night And Other Essays (Música na noite & outros ensaios na tradução brasileira publicada pela L&PM), excelente volume de ensaios onde se lê a páginas tantas: «Houve um tempo, não muito tempo atrás, no qual o estúpido e o inculto aspiravam a ser considerados inteligente e cultos. A corrente da aspiração mudou sua trajetória. Não é nem um pouco incomum, agora, encontrar pessoas inteligentes e cultas fazendo o melhor que podem para simular estupidez e ocultar o fato de que receberam uma educação. Vinte anos atrás, ainda era um elogio dizer sobre um homem que ele era esperto, instruído, interessado nas questões da mente. Hoje, “erudito” é um termo de abuso desdenhoso.» Não sou um observador deste «fenómeno», mas atrevo-me a dizer que as coisas melhoraram pouco de então para cá. Continua a não se perder uma oportunidade de chamar «erudito» (agora é mais «intelectual», ou «pseudo-intelectual») a quem não se fique pela rama das coisas, obviamente um insulto. Se na época o «fenómeno» se deveria à circunstância de o conhecimento não estar ao alcance de todos, hoje, que está ali ao virar da esquina, custa entender. Comparem-se, por exemplo, os políticos/governantes de hoje aos políticos/governantes das últimas décadas. Não estariam os de ontem melhor preparados que os de hoje? Olhando um pouco para trás, constata-se que o conhecimento actualmente disponível não é proporcional ao conhecimento adquirido — e pouco se evoluiu de então para cá. Por que será?

10 de janeiro de 2017

MÁRIO SOARES. Goste-se, ou não (pessoalmente não apreciei sobretudo a fase final da sua actividade política), morreu um dos principais obreiros da democracia portuguesa, a quem os portugueses devem não ter passado de uma ditadura para outra. Só por isto, que não foi pouco, merece o respeito de quem não vacila entre a democracia e outro regime qualquer, entre a liberdade e a falta dela. Mas se nesta hora também há quem verta lágrimas de ocasião e a hipocrisia atingiu níveis insuportáveis, é chocante que alguns o tentem enlamear com «evidências» de um passado que nunca teve. Acusá-lo do piorio com base em boatos facilmente desmentíveis e «factos» não verificáveis (repito: boatos facilmente desmentíveis e «factos» não verificáveis), é simplesmente indecente. Isto para dizer o mínimo.

5 de janeiro de 2017

OS FACTOS. Não sei se os ciberataques russos a centros vitais da política americana terão, ou não, influenciado o desfecho das Presidenciais de Novembro, muito menos se terão contribuído para a vitória de Trump e consequente derrota de Hillary. Mas há um facto impossível de ignorar: variadíssimas agências governamentais americanas, CIA e NSA à cabeça, reiteraram hoje mesmo, perante o Senado, a existência de ciberataques durante a campanha eleitoral provenientes de altos funcionários do governo russo. Bem sei que os entusiastas de pós-verdades e aldrabices afins, cada vez em maior número, hão-de acreditar na mais mirabolante das histórias que se hão-de inventar para negar a evidência, e em última análise cada um crê no que quer. Mas nem por isso os factos, até ver insubstituíveis, deixam de ser o que são.