28 de fevereiro de 2014

AS RAZÕES QUE A RAZÃO DESCONHECE. O Partido Comunista diz que «a adoção de uma grafia comum para o conjunto de países de Língua Oficial Portuguesa é um objectivo que apresenta indiscutíveis vantagens, mas suscita incontornáveis dúvidas e dificuldades». Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, afirmou que o seu partido «continua a ver vantagens na aproximação ortográfica» entre as várias grafias da língua portuguesa. Paulo Pisco, deputado do PS, argumentou que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO90) está «indissociavelmente ligado à projecção e estratégia global da língua portuguesa», e que o «ruído que se tem criado (...) contra o acordo tem argumentos pouco consistentes». Infelizmente, nenhum entrou em detalhes. Que o acordo suscita «incontornáveis dúvidas e dificuldades», como diz o PC, só não percebeu quem anda distraído. Mas quais serão as «indiscutíveis vantagens»? Para não variar, não especifica. Sobre as vantagens de uma «aproximação ortográfica», de que Fazenda parece não duvidar, o que se vê é que o negócio produziu um maior distanciamento ortográfico, e está por demonstrar que uma «aproximação» seria benéfica. Finalmente, Paulo Pisco repete a cartilha politicamente correcta: o acordo é fundamental para a «projecção e estratégia global da língua portuguesa», coisa de altíssima política que só os iluminados saberão o que é. Depois, ou o sr. deputado tem andado distraído (e nesse caso devia abster-se de se pronunciar sobre coisas que não sabe), ou mente descaradamente quando diz que o «ruído» contra o AO90 «tem argumentos pouco consistentes». Ao contrário do que afirma, há dezenas de argumentos devidamente fundamentados contra o acordo (meia hora de Google bastarão para o demonstrar). Quem os não tem (pelo menos não os tem apresentado) é quem o defende, que se fica por frases pomposas, certamente destinados a impressionar os pategos, a enganar os incautos, e a esconder a ignorância.
PROGRESSISTAS DO RESTELO. Para não variar, e porque assim se julgam dispensados de argumentar, alguns defensores do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO90) chamam aos seus detractores velhos do Restelo, preguiçosos, snobs, como se a questão fosse entre velhos e novos, «conservadores» e «progressistas». É o caso de Carlos Enes, deputado do PS, que também para não variar não apresentou um único argumento a favor do dito, muito menos se deu ao cuidado de explicar por que é necessário um acordo ortográfico entre falantes da língua portuguesa quando é sabido que as grandes potências linguísticas convivem diariamente com dezenas de variantes da mesma língua e nunca precisaram de um acordo para coisíssima nenhuma. Aliás, os «acordistas» distinguiram-se desde a primeira hora por uma impressionante miséria argumentativa, e ultimamente por um silêncio sepulcral. Tirando abstraccionismos quase sempre embrulhados em frases pomposas, que qualquer semi-letrado descobre vazias de substância, não se lhes vê o mais leve argumento. Por que será? Como é cada vez mais evidente, porque não os têm.

26 de fevereiro de 2014

EMIGRAR PARA PORTUGUÊS VER. Por razões que não interessam, emigrei há mais de duas décadas. Hoje, olhando para o estado a que um bando de irresponsáveis deixou o meu país, não exagero se disser que me saiu a sorte grande. Por variadíssimas razões, à cabeça das quais porque a esta hora estaria a fazer as malas, depois de perder o emprego e a esperança de arranjar outro. Triste país, o meu, que investe fortunas em educação para formar cidadãos que depois vão criar riqueza para países que neles não investiram um centavo. Triste país, o meu, que nos últimos dois anos viu emigrar mais de 200 mil portugueses, oito mil (repito: oito mil) com mais de 65 anos. Triste país, o meu, que se comove com artistas menores, que em público vertem lágrimas que não vertem em privado — e que de uma hora para a outra, graças a uma investigaçãozita, vêem a «tragédia» de emigrar tornar-se uma verdadeira comédia. Comédia, por sinal, que custou milhares de euros aos contribuintes, e com a qual certamente não se terão divertido — nem saído mais instruídos, como pretendem estes «profetas».

21 de fevereiro de 2014

PROÍBAM-SE. Absolutamente de acordo com o professor Jorge Miranda, que ontem defendeu «uma iniciativa legislativa» destinada a proibir definitivamente as praxes académicas, que considera «uma questão de polícia». As praxes integram os caloiros, facilitam o conhecimento entre estudantes, e criam amizades? Nesse caso, não sei como se integram os caloiros nos países onde elas não existem. Também não me parece que a proibição das praxes as tornaria clandestinas, como defendeu dezena e meia organizações académicas, muito menos ainda mais violentas. É que não vislumbro uma lei a proibi-las que não punisse, de facto, os promotores, e quando falo em punir quero dizer punir exemplarmente. Até porque, nesse caso, os caloiros facilmente recusariam as praxes e denunciariam os seus autores — coisa que hoje, por razões óbvias, raramente sucede. Provavelmente a proibição não as erradicaria completamente, como as várias leis contra os vários tipos de crimes não impedem que eles sucedam. Mas não duvido que a proibição as reduziria a níveis insignificantes, e dos excessos jamais se falaria.

19 de fevereiro de 2014

NÃO É VÍTIMA QUEM QUER. Por uma questão de princípio, não aprecio expulsões dos partidos políticos, mas não me choca que o PSD tenha expulsado António Capucho. Digo-o sem a mais leve ironia. Afinal, Capucho resolveu candidatar-se contra alguém indicado pelo seu próprio partido, pelo que vir agora armar-se em vítima soa, no mínimo, forçado. Discordou a tal ponto que o levou a avançar contra o candidato do seu próprio partido? Considera que o PSD se «encontra cada vez mais afastado da matriz social-democrata e progressivamente mais enquistado à volta de um conjunto de oligarquias»? Nesse caso, teria sido mais coerente (e sensato) desvincular-se do partido. Se não se percebe por que não o fez na altura própria, ainda se percebe menos a escandaleira que por aí vai.

14 de fevereiro de 2014

MAIS INCONSEGUIMENTOS. Decididamente que Assunção Esteves não está à altura do cargo que desempenha. Pior: é uma vergonha. Recorrer «ao mecenato (patrocínio) para suportar os custos financeiros de algumas iniciativas para assinalar o próximo 25 de Abril»? «Ornamentar chaimites com cravos criados pela artista plástica Joana Vasconcelos»? Se no primeiro caso seria inadmissível, no segundo seria ridículo. Inadmissível porque, considerando o mesmo princípio, não se veria inconveniente que o Ministério das Finanças fosse patrocinado pelo Banco Espírito Santo ou o Ministério da Justiça pela sociedade Maria do Rosário Mattos e Associados, boutique full service ao seu dispor. Ridículo porque andamos a vender produtos de primeira qualidade (os «Mirós»), e depois propõe-se contratar uma artista muito contestada nos meios artísticos, a meu ver com razão, e por motivos mais substantivos que a mera dor de cotovelo. Depois dos inconseguimentos frustracionais, com que a presidente da AR pôs a nu o que lhe vai na cabeça, só nos faltava a Colgate patrocinar as comemorações de Abril, e uma artista de terceira ordem enfeitar os calhambeques da tropa. A presidente da Assembleia da República está com um problema, ou foi sempre assim?

11 de fevereiro de 2014

ASSIM VAI O JORNALISMO. A notícia do dia não foi o alegado romance entre Obama e Beyoncé. A notícia do dia foi que o Washington Post se preparava para revelar toda a história, que o jornal prontamente desmentiu, alegando não se prestar a esses papéis. É que o jornalismo não só passou a ser constante matéria de notícia, quase sempre pelas piores razões, como passou a ser notícia sempre que se limita a fazer o que dele se espera.
INCONSEGUIMENTOS INACREDITÁVEIS (2). Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, mandou, em tempos, retirar do currículo a circunstância de ser filha de um alfaiate. A notícia foi dada pela revista Sábado, e nunca vi desmentida. Foi, portanto, sem surpresa que ouvi as recentes declarações da senhora à Rádio Renascença, cuja ligação para o vídeo aqui deixei há três dias. As declarações da segunda figura do Estado ultrapassaram, de facto, o imaginável. Ou talvez não, que de quem esconde as origens humildes não se pode esperar muito mais.
COISAS DO RECTO. Nada de extraordinário o facto de Judite de Sousa terminar o comentário com Marcelo de Sousa com um «aqui fica, então, um reto». O extraordinário foi os «acordistas» não se lembrarem de transformar o repto em reto.
OS COITADINHOS DO BPN. Numa coisa o ex-banqueiro João Rendeiro parece estar cheio de razão: a generalidade dos investidores do BPN foi movida por uma ambição desmedida, e salvo excepções sabiam o risco que corriam. Deveriam, portanto, abster-se de reclamar nos tribunais o que dizem ter direito, e derramar lágrimas sobre os contribuintes — que já têm que pagar as aventuras em que eles se meteram.

10 de fevereiro de 2014

MIGUEL SOUSA TAVARES NO SEU MELHOR (1).



Expresso de 8 de Fevereiro de 2014

7 de fevereiro de 2014

A DEMOCRACIA QUE HÁ. Não é novidade para ninguém, mas não fará mal recordar como são escolhidos os candidatos a deputados ao Parlamento Europeu e Assembleia da República: alguém sugere os nomes, e o chefe do partido por quem se candidatam aprova, ou não. Depois, os eleitores votam em quem os chefes determinaram, e caso não gostem dos nomes propostos resta-lhes votar nos «outros», abster-se, ou não por os pés nas mesas de voto. Também será desnecessário lembrar que os eleitos do chefe «têm que se portar bem» — antes de serem candidatos, porque doutro modo não serão escolhidos; depois de já terem sido deputados, porque serão excluídos das próximas listas caso tencionem recandidatar-se. Temos, portanto, centenas de deputados no Parlamento a fazer o que quatro ou cinco chefes partidários faria com a mesma legitimidade dos duzentos e tal, e com maior economia de meios. Sim, as coisas são o que são graças ao sistema que temos. Mas convém lembrar que o sistema que temos é assim porque ninguém quer que seja doutra maneira. O resultado deste embuste democrático (chamemos-lhe assim para simplificar) é um sistema onde quatro ou cinco mandam em todos, que por sua vez obedecem a quem tem o livro de cheques. Queiramos, ou não, é a democracia que há. Ou a «ausência de democracia», de que há pouco se queixava Rui Rio, que ainda no dia anterior, então presidente de uma autarquia, não o incomodou por aí além.
INCONSEGUIMENTOS INACREDITÁVEIS (1).

COISAS QUE VOU LENDO (3). «Viajar é uma solidão em trânsito.» Cardoso Pires, prefácio a O Jogo do Reverso, de Antonio Tabuchi

4 de fevereiro de 2014

UM AUTOCARRO PARA INGLÊS VER. A mais recente vitória do Chelsea de Mourinho (sobre o Manchester City) derreteu a imprensa inglesa. Vejam, além doutros, o que dizem The Guardian (aqui e aqui), The Telegraph (aqui e aqui), e The Independent (aqui e aqui). O que parecia a «técnica do autocarro», como os meios futebolísticos designam a estratégia das equipas que tudo defendem e nada atacam, era, afinal, um refinado embuste, e o mais engraçado foi ter enganado até os mais sabidos, a começar pelo treinador adversário, um respeitável cavalheiro com muitos quilómetros de bola. No final, cereja em cima do bolo: Mourinho revelou que a derradeira palestra antes do jogo não foi proferida por ele, como habitualmente sucede. A perlenga esteve a cargo do seu mui estimável massagista, um escocês que descreveu como um sujeito que gritou umas coisas incompreensíveis num sotaque impenetrável, mas a quem os jogadores não regatearam aplausos.
UNION SQUARE, NY.