28 de junho de 2013

MORALISTAS DE OCASIÃO. Finalmente, Edward Snowden terá conseguido refúgio num país conhecido — e admirado — pela liberdade que concede aos seus cidadãos, onde não existem escutas telefónicas, vigilância da internet, coisas assim. Se tudo correr bem, dentro de poucos dias estará a jogar à bisca com Julian Assange, outro paladino da liberdade que elegeu o Equador como país modelo das virtudes que apregoa. Só espero que na fuga de Snowden não haja mão de Baltasar Garzón, como muitos garantem. É que o meritíssimo juiz, que se distinguiu por levar à justiça um certo tipo de ditadores e por fazer vista grossa sobre outros iguais ou piores, foi corrido do cargo por ter ordenado escutas ilegais (sim, ilegais), pelo que talvez não tenha autoridade moral para agora vir defender um cavalheiro que revelou escutas legais. Sim, tudo indica que as escutas do Governo americano foram legais. Goste-se, ou não, da ideia.
PRIMAVERA TROPICAL, DIZEM ELES. O tempo dirá se é bom ou mau o que está a ocorrer no Brasil. Para já, é visível que o poder treme que nem varas verdes, e pouco mais. As manifestações por todo o país já levaram o Governo a desistir de aumentar os transportes e da chamada Lei da Impunidade, o Supremo Tribunal apressou-se a fazer cumprir a ordem de prisão de um deputado que ele mesmo condenou por corrupção (coisa que já não sucedia há um quarto de século), e o Senado acaba de aprovar uma lei que passa a designar a corrupção como um «crime hediondo». Aparentemente, tudo boas notícias. Mas palpita-me que a cedência em toda a linha e em tão curto espaço de tempo ainda vai acabar mal.

26 de junho de 2013

OUTRA VEZ A GREVE DOS PROFESSORES. A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) e Mário Nogueira são, provavelmente, a agremiação sindical e o sindicalista mais odiados dos portugueses, na minha opinião com inteira razão. Embora uma e outro se movam segundo a vontade dos seus membros (grande parte dos professores do ensino público), a verdade é que eles atraem o ódio da generalidade dos cidadãos que em matéria laboral vivem muitos furos abaixo, e não têm, como os professores, possibilidade de fazer greve por tudo e por nada. Não, não me parece que por inveja. Mas por ser um direito que, na prática, eles sabem não ter, e que vêem os outros usar de forma incompreensível. Não é admissível que os professores sejam obrigados a fazer 40 horas semanais, como pretende a tutela? Que sejam colocados num regime que designaram por mobilidade especial? Com certeza que ninguém gosta de perder direitos, alguns deles muito difíceis de conquistar. Mas quantos trabalhadores do sector privado, professores incluídos, têm direito a contemplações na hora em que a entidade patronal decidir que já não são precisos? Como é sabido, vão direitinhos para o desemprego, e não há requalificação que os valha. Depois há outro factor de que raramente se fala, e é bom não esquecer: os professores do ensino público querem ser eles a ditar as regras das escolas e o seu papel dentro delas. Será preciso dizer que no ensino privado isto seria absurdo? E que o Governo, por mais absurdas que sejam as medidas que tome, tem a legitimidade para as tomar que os professores não têm?

21 de junho de 2013

DESTES JÁ NÃO SE FAZEM. Revi Conversas Vadias, para quem não sabe uma série de 13 entrevistas que o professor Agostinho da Silva concedeu à RTP nos anos 90. Tinha eu nessa altura trinta e poucos, e das poucas que então vi pouco ou nada recordo. Vistas agora, surpreendeu-me a impreparação da generalidade dos entrevistadores, ao que sei a fina flor do jornalismo da época (mas não só do jornalismo), que não poucas vezes se perderam nos labirínticos raciocínios do professor e/ou desempenharam um papel que não era o deles. Foram incontáveis as vezes que o interromperam para lhe fazer perguntas a despropósito e sem qualquer motivo lhe cortaram o raciocínio, não poucas vezes com o único propósito de tentarem brilhar como entrevistadores. Os que se portaram pior foram Adelino Gomes, Baptista-Bastos e Joaquim Vieira, de certa maneira uma surpresa. Sobretudo este último, que desde o início procurou apoucar, sem sucesso, o entrevistado. Que passou toda a entrevista armado em carapau, tentando exibir conhecimentos que claramente não tinha. Que a acutilância do entrevistado acabou por colocar no devido lugar, criando-lhe situações tão embaraçosas como hilariantes, virando o feitiço contra o feiticeiro. Claro que não era fácil entrevistar Agostinho da Silva, e nalguns casos notou-se bastante. Afinal, o professor de tudo parecia saber, saltava de assuntos complexos para assuntos complexíssimos como quem se diverte a saltar à corda, por vezes deixava cair ideias tão originais como desconcertantes — e o abismo entre quem perguntava e quem respondia crescia rapidamente. Escusado dizer que aconselho as Conversas a quem nunca as viu (todas no YouTube), e a quem as viu nos anos 90 que as reveja, que seguramente irá ver o que não viu antes, como sucedeu a este vosso criado. Surpreendentemente, a entrevista que mais gostei foi conduzida por dois jovens estudantes, que fizeram perguntas pertinentes, inteligentes, despretensiosas. Também gostei da entrevista do Herman e da Isabel Barreno. Mas podem começar pela última, a de Joaquim Vieira, que a ordem não tem importância — e talvez seja um aperitivo para as restantes.

20 de junho de 2013

VIRA O DISCO E TOCA O MESMO. Como fosse preciso, a justiça que temos voltou a demonstrar, no caso do cavalheiro que insultou o Presidente da República durante as cerimónias do Dia de Portugal, que é célere quando se trata de cidadãos anónimos, e quando não são move-se como o caracol. Miguel Sousa Tavares insultou o Presidente da República durante uma entrevista, recusou pedir desculpa por aquilo que o próprio considerou excessivo, e continua por aí. Não se sabe se será acusado, se houver acusação suspeita-se que vai demorar anos a resolver, e não será preciso ser astrólogo para adivinhar o desfecho. Já o cidadão Carlos Costal foi um caso em que o Tribunal de Elvas não teve dúvidas, e para resolver de forma urgentíssima. Dois dias bastaram para o julgar e condenar a pagar uma multa de 1300 euros, que o Ministério Público considerou «inadmissível» e se apressou a anular. Como novamente ficou demonstrado, a justiça exige respeitinho, mas não se dá ao respeito. Pior: tornou-se risível para quem se pode defender, e cada vez mais perigosa para quem não pode fazê-lo. Bem sei que há dois ou três figurões na cadeia, que apesar das mil e uma artimanhas não conseguiram escapar. Mas essas são excepções, a que a justiça desesperadamente se agarra para tentar demonstrar, até ver sem sucesso, que a todos trata por igual.
JOHN McLAUGHLIN. Vinte anos depois, outra vez John McLaughlin, de novo no Blue Note. A primeira vez em trio — um baixista quase em transe, um baterista de joelhos a tocar com as mãos, e, claro, John McLaughlin, então muito além do que fui capaz de assimilar. Agora com Gary Husband (teclados e bateria), Etienne Mbappé (baixo eléctrico) e Ranjit Barot (bateria), três músicos à altura do «mestre». No primeiro concerto acompanharam-me dois músicos, ambos guitarristas. Ontem acompanhou-me o meu filho, que aos vinte e poucos «tem melhor ouvido» do que eu tinha aos trinta e muitos. As expectativas eram altíssimas, o resultado ficar-me-á para sempre.

18 de junho de 2013

TELHADOS DE VIDRO. Eu também teria imenso prazer que Manuela Ferreira Leite tivesse feito, enquanto governante e presidente do PSD, um trabalho melhor do que fez, que os portugueses se recordassem dela pelas melhores razões. Infelizmente, a ex-ministra das Finanças contribuiu, como tantos outros, para o estado a que as coisas chegaram. Mais valia, por isso, calar-se quando aponta o dedo à esquerda e à direita, incluindo aos governantes da sua própria família política. Até para atirar pedras é preciso um mínimo de credibilidade, coisa que Manuela Ferreira Leite manifestamente não tem.

14 de junho de 2013

MAIS BALELAS ORTOGRÁFICAS. De facto, esquecer-se de noticiar que o primeiro-ministro português e a presidente do Brasil insistem na burrice apesar de todas as evidências, não me parece normal, como notou Seixas da Costa. Mas se isso não me parece normal, já me parece excessivo concluir-se que o esquecimento do Público se deva à discordância do jornal com o novo Acordo Ortográfico. Afinal, o Público é o jornal que mais espaço tem dado ao assunto, e não só a quem o ataca. Esquecer-se de noticiar a burrice de Passos e Dilma não retira um só argumento a favor — ou contra — o Acordo. Assim sendo, que necessidade teria o jornal de recorrer à omissão (ou censura) para impor o seu ponto de vista? Como se tem visto, até os defensores do Acordo já admitiram a existência de erros grosseiros (convenhamos que não é fácil ignorá-los), e que tem de ser revisto. Aliás, quantos mais detalhes do Acordo se vão conhecendo, mais evidente se torna que a coisa não tem ponta por onde se lhe pegue. Não são, portanto, necessários truques, omissões ou outros malabarismos para o demonstrar. Os factos chegam e sobejam.
A GREVE DOS PROFESSORES. Alguém me sabe dizer quantas greves fizeram os professores do ensino público desde que vivemos em democracia? Um só nome de um ministro que eles tenham considerado capaz? Não discuto os motivos que os professores e seus representantes agora invocam para boicotar os exames, que a falta de paciência para o assunto me aconselha a ignorar. Mas bastou-me ouvir a Federação Nacional de Professores dizer que está disponível para dialogar com o Governo «mesmo ao fim de semana» para constatar que nada mudou. Pelos vistos, as crises, para eles, discutem-se apenas durante a semana, mas tendo em conta não sei bem o quê estão dispostos a abrir uma patriótica excepção e discutir ao fim de semana. A coisa fez-me lembrar a guerra do Solnado, em que uns disparavam às segundas, às quartas e às sextas, e os outros às terças, às quintas e aos sábados. Aos domingos fechava a guerra, que os guerreiros também eram gente. A diferença é que a guerra do Solnado era a brincar.

11 de junho de 2013

OUTRA VEZ A BALELA ORTOGRÁFICA. Por onde andarão os arautos do Acordo Ortográfico, que há muito não se ouvem? Os jornais publicam semanalmente textos a desancar o Acordo e quem o pariu, e as criaturas não se ouvem, não se vêem, não se sabe se pensam o mesmo ou se mudaram de ideias. Esgotaram os argumentos? Como sempre foram escassos e pobrezinhos, e nunca concretos, não me surpreenderia. O que é feito do professor Carlos Reis, que em tempos vi defender, como mais sobranceria que argumentos, o novo Acordo? E qual é, já agora, a missão do grupo parlamentar especialmente criado para o efeito (o site do Parlamento é omisso sobre as suas funções), e o que tem feito?

7 de junho de 2013

UM NOJO.



Alertado para a entrevista de José Eduardo dos Santos à SIC, sobre a qual o Daniel Oliveira já disse o que havia a dizer (por uma vez concordo com ele), fui ver. De facto, a coisa podia resumir-se desta maneira: abaixo de cão. O jornalista Henrique Cymerman ri-se constantemente de quê? É só incompetente, não teve tempo para se preparar, recebeu instruções do altíssimo para não perguntar o que devia, ou pura e simplesmente não tem vergonha na cara? E a SIC? Achou normal pôr aquilo no ar? E gabar-se de ter conseguido uma «entrevista» em exclusivo com quem não dá uma há mais de duas décadas? Ou achará a SIC que os fins, a haver, justificam os meios? Alegarão o jornalista e a SIC que não havia condições para fazer melhor. Pelo que vi, a desculpa não cola. Mas se assim foi, se não havia condições para cumprir os mínimos, havia uma saída: não se fazia. Poupar-se-iam a esta triste figura, e ao enxovalho mais que merecido.
COISAS INFANTIS. Se bem entendi, Miguel Sousa Tavares voltou, na entrevista a RTP, a admitir que se excedeu, mas não põe a hipótese de pedir desculpa ao Presidente da República — e está, por isso, disposto a pagar pelo erro. Ora, se admite que se excedeu, qual é o problema em pedir desculpa? Confesso que não percebo. Miguel Sousa Tavares diz não ter, do ponto de vista político, consideração por Cavaco Silva, nem tem, obviamente, que ter. Mas continuo a não ver em que isso o impede de pedir desculpa. Parece-me, aliás, uma birra infantil. Admitir que se errou e não pedir desculpa pelo erro é uma coisa que ultrapassa a minha compreensão.

6 de junho de 2013

GRAFITAS. Um pândego que dá pelo nome artístico Mesk e se intitula writer declarou ao Público que vai entrar em guerra com a Câmara do Porto. Porque uma brigada daquele município decidiu, «às cegas», limpar os graffitis na baixa portuense, porque na opinião dele a limpeza deve ser feita de forma ponderada e após juízo crítico sobre o que se limpa, porque não se pode meter tudo no mesmo saco. Daí sugerir que se analise o que por aí anda antes de proceder à limpeza. Hazul Luzah, outro activista da seita, foi mais longe: a Câmara deveria apoiar os writers e disponibilizar-lhes paredes para que eles possam livremente derramar o que lhes vai na alma. Estão a ver uma comissão a analisar graffiti por graffiti, decidir o que é bom e não presta? Os sujeitos acham não só que é possível como é desejável, e assim sendo não há muito a fazer. Imagino que apreciar graffitis é ser culto, moderno, cosmopolita, e quem não aprecia é o contrário. Mas devo dizer que geralmente não aprecio, e ainda aprecio menos o direito que os sujeitos julgam ter para os fazer onde bem lhes apetecer. Por que carga de água hão-de os transeuntes ser obrigados a ver as suas «obras», e por que razão hão-de os contribuintes pagar a limpeza das paredes onde elas são derramadas?

5 de junho de 2013

COISAS QUE ME DEPRIMEM. A propósito deste caso, para o qual o Filipe chamou a atenção, vale a pena ler este trabalho publicado no Washington Post, e este na Vanity Fair. Sete anos passados no primeiro caso e dois no segundo, o assunto mantém-se actualíssimo.

4 de junho de 2013

OS PORTUGUESES NÃO QUEREM TRABALHAR. Depois do «ai aguenta, aguenta» de Fernando Ulrich, querendo dizer que o Governo ainda pode aumentar mais os impostos, o presidente do Banco Espírito Santo veio dizer que «os portugueses não querem trabalhar», antes preferem viver do subsídio de desemprego (Ricardo Salgado deve estar convencido que os milhares de portugueses que nos últimos meses emigraram foram passar férias). Definitivamente que os nossos banqueiros, que têm ganho rios de dinheiro à custa de negócios ruinosos para o Estado, não têm um pingo de vergonha. Imagina-se que os bancos que dirigem ganhariam mais caso os portugueses trabalhassem mais. Assim sendo, quem os impede de mudar de país, de se mudarem para onde se trabalha e produz mais? Impede-os, é claro, uma razão de peso: não encontrariam um Estado como o nosso, que descaradamente controlam e sugam até à medula.