29 de novembro de 2019

LULA. Não celebro, nem lamento, a libertação de Lula da Silva. Afinal, não conheço os sarilhos em que se meteu para lhe dar «vivas» ou «morras». Mas há uma coisa que lamento: o funcionamento da justiça brasileira, ao que parece pior que o nosso. Depois, o juiz que lhe sentenciou a prisão foi logo a seguir «promovido» a governante, o que levantou as mais legítimas suspeitas. Como não fosse bastante tornar-se ministro logo após ter metido na cadeia o principal concorrente de Jair Bolsonaro, sabe-se agora que o então juiz Sergio Moro cometeu erros inadmissíveis, que aliados a toda a espécie de tropelias processuais acabaram por ditar a libertação do ex-presidente. Depois há o Presidente, que ainda há uns meses chegou ao Planalto e já é suspeito, ele e a família mais próxima, de patifarias várias, incluindo o envolvimento em esquemas de corrupção — ele que fez do combate à corrupção a grande bandeira da campanha, e, suspeito, levou grande parte dos eleitores a votar nele. Se Lula da Silva foi injustamente condenado a cadeia ou injustamente sentenciado a sair dela, não sei. O que é claro é que no Brasil os políticos decentes não se distinguem dos políticos criminosos, e só não digo que o Brasil vai acabar mal porque se anda, há décadas, a fazer este prognóstico, e nunca se concretizou. Millôr Fernandes escreveu que «o Brasil tem um enorme passado pela frente». Resta saber se também tem futuro.

5 de novembro de 2019

O DESERTO. Não me lembro de ler uma única entrevista de um jovem escritor português (o conceito de jovem pode ir aqui até aos 50) que tenha citado um livro ou autor. Por comparação com os «antigos», que citavam com abundância as leituras que tinham feito e os autores que admiravam, a gente lê estes sujeitos e fica com a ideia de que não leram, que a literatura começou com eles. Sendo um escritor um leitor que escreve, como bem disse Vila-Matas, é estranho. De facto, fica-me sempre a interrogação quando deparo com um caso destes: se não leram, o que os motivou a escrever? Eis um bom caso para um Freud dos tempos modernos. Podia citar os dois ou três do costume (já falei deles em textos anteriores), mas talvez fosse injusto para com quem fica de fora. Todos «consagrados» pela «crítica» e, suponho, por se «venderem» bem em feiras e romarias (hoje praticamente obrigatórias), apesar de obrarem entre o vulgar e o confrangedor. Falo do que me parece a realidade portuguesa, mas o fenómeno talvez seja global. Extensivo, de resto, a outras áreas, nomeadamente à política, um deserto total.