23 de agosto de 2020

E VÃO DEZ. Com a prisão de Steve Bannon, acusado de fraude e desvio de dinheiro proveniente de uma agremiação filantrópica (sem ironia) que angaria fundos para construir um muro na fronteira dos EUA com o México, aumentou para 10 o número de acusados de crimes vários no círculo do chefe — alguns já a cumprir pena, outros já condenados, outros ainda em vias disso. O lunático que até há pouco comandou o Breitbart News, site da extrema-direita especializado em títulos incendiários de carácter racista, anti-semita e misógino, e que depois de corrido pelo chefe foi para a Europa pregar, sem sucesso, a revolução, e tentar, também sem sucesso, vigarizar o governo italiano com o aluguer de um mosteiro, mostrou que é humano, demasiado humano. Agora só falta o chefe, mas quem esperou até agora consegue esperar mais um tempo. Cada vez é maior a lista de vigaristas e outros patifes de que o chefe, personagem inverosímil até do mais medíocre dos romances, se rodeou para tomar o poder. Sim, o chefe de que falo, que se apressou a dizer, mal soube da prisão do arquitecto da sua campanha presidencial de 2016, que se sentia «muito mal» (recorde-se que o chefe o despediu e o despedido escreveu um livro onde disse do chefe o piorio), e que no mesmo dia manifestou simpatia por uma seita de doentes mentais que dá pelo nome QAnon (que o FBI considera fonte potencial de terrorismo doméstico), é esse mesmo que estão a pensar. Aposto que a prisão do sujeito lhe vai causar pesadelos.

18 de agosto de 2020

VIVO E DE BOA SAÚDE. Não sou ingénuo a ponto de pensar que o jornalismo e os jornalistas são um mundo de virtudes, que não cometem erros e pecados, por vezes grosseiros. Mesmo o jornalismo e os jornalistas sérios, e não me refiro ao jornalismo que se engana, corrige o erro e se penitencia. Refiro-me ao jornalismo que tem uma agenda para lá dele, que se dispõe a contar os factos de modo a construírem a narrativa que mais lhe convém. Mas também não sou ingénuo a ponto de pensar que isto é prática corrente. Muito pelo contrário. É graças ao jornalismo e aos jornalistas que em democracia sabemos o que se passa, apesar de o poder do dia, mesmo o poder democrático, fazer os possíveis e os impossíveis para mostrar o que lhe interessa e esconder o que não lhe interessa — e em alguns casos chegar a intimidar quem se atreve a incomodá-lo. Dito isto, o jornalismo e os jornalistas não são heróis. Fazem o que lhes compete fazer, embora por vezes heroicamente. Nunca foi — nunca será — fácil fazer jornalismo (diria jornalismo a sério não fosse uma redundância), porque fazer jornalismo tem custos, por vezes demasiado altos — como ser votado ao ostracismo, o despedimento, a prisão, por vezes a morte. Como jornalista num jornal despretensioso, nunca estive exposto a estes cenários. Talvez por isso admire tanto os jornalistas que arriscaram — e continuam a arriscar — fazer jornalismo apesar dos constrangimentos. Não são poucos, e é graças a eles que o jornalismo está melhor que nunca. Se os jornais estão numa agonia sem fim à vista, nunca o jornalismo esteve tão vivo, apesar de se ver obrigado a competir com o falso jornalismo que prolifera nas redes sociais que tantos levam a sério.