27 de junho de 2008

DE MAL A PIOR. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses diz que pelo menos 16 tribunais de todo o país registaram, recentemente, casos de violência, dois deles nos últimos dias. A violência incluiu agressão e tentativas de agressão a juízes, procuradores, funcionários e advogados, e ainda, segundo a mesma fonte, «incêndios provocados intencionalmente». Notícias diárias dão conta que há tribunais a funcionar em instalações provisórias sem o mínimo de condições ou em edifícios a cair aos bocados. Como não bastasse, o Rádio Clube Português divulgou, esta semana, que as sanções disciplinares aos magistrados do Ministério Público quadruplicaram em relação a 2006 (foram sancionados 40 magistrados, sete dos quais com suspensão de funções), um claro indício de que as coisas têm piorado. Perante estes factos, a que se poderiam juntar muitos outros, as autoridades tentam desdramatizar, dizendo o que deles se espera nestas ocasiões: as polícias estão a funcionar como devem, vai haver mais dinheiro para os casos mais necessitados, não há razão para alarme. A verdade, porém, é que a situação é mais grave do que se pinta e do que o Governo nos quer fazer crer, e os dados enunciados não prenunciam nada de bom. Resta esperar que o «abanão» em curso faça ruir os arcaísmos e, de uma vez por todas, acorde para a realidade quem deve ser acordado, isto partindo do princípio que está em curso um «abanão». Como os casos mais mediáticos demonstram e alguns protagonistas confirmam (o bastonário dos advogados acaba de dizer que Vale e Azevedo tem «razões de queixa da Justiça portuguesa» e que «há centenas» ou «milhares de pessoas presas por terem sido mal defendidas», e a procuradora-geral adjunta disse esta semana que os tribunais «deixam os denunciantes [de casos de corrupção] entregues a si próprios»), está quase tudo por fazer na Justiça, e o que foi feito não é, por si só, motivo de orgulho. Tirando um caso ou outro, antes pelo contrário.

26 de junho de 2008

LER FAZ BEM À SAÚDE (3). Carta de António Sousa Homem para o lançamento do seu livro, por António Sousa Homem. Alforges (3), de J. Rentes de Carvalho. Entre Hiddink y Aragonés, de Enrique Vila-Matas.
VALE E A JUSTIÇA. Independentemente do desfecho que venha a ter o «caso Vale e Azevedo», uma coisa já todos perceberam: depois de ter caído no mais completo descrédito, a justiça portuguesa tornou-se risível. Não para quem tenha assuntos pendentes com ela, bem entendido, que para esses, acusados ou queixosos, culpados ou inocentes, com recursos ou sem recursos para se defenderem caso se vejam a contas com ela, adivinha-se que passem um mau bocado. Razão terá o ex-presidente «encarnado» em dizer que jamais se deixará enganar pela justiça portuguesa, embora nenhum deles seja de fiar.
JUAN RULFO. É costume dizer-se que há sempre uma primeira vez para tudo. Pois bem, vou reler, pela primeira vez na minha vida, um livro acabado de ler. Trata-se de Pedro Páramo, um livro, no mínimo, espantoso. Falarei dele um dia destes com mais detalhe.

25 de junho de 2008

MORALISTAS DA BOLA. Não deve haver um único português que não acuse a televisão de prestar demasiada atenção ao que não lhe interessa — e, por consequência, pouca ao que lhe interessa. (O resto está aqui.)

23 de junho de 2008

OS BOIS. Tem razão Mário Lino em querer saber ao que se refere Manuela Ferreira Leite quando a líder do PSD diz haver uma «vaga avassaladora» de obras públicas de que o país «nem sempre carece», e que «ficará para a história como um dos maiores erros políticos cometidos». Não que a dúvida do ministro das Obras Públicas seja inocente, bem entendido, mas convém que Manuela chame os bois pelos nomes quando critica, provavelmente com razão, o Governo por causa das obras públicas, até para sabermos que não está a fazer demagogia.
LER FAZ BEM À SAÚDE (2). Pessoal, de Francisco José Viegas.

21 de junho de 2008

PIMBA. Li que a campanha de Portugal no Euro2008 encerrou com música «pimba». Assim mesmo: música «pimba». Ora, toda a gente viu que a selecção iniciou a fase final da caminhada europeia rodeada de música «pimba», e não me lembro que nessa altura alguém tenha chamado a atenção para o caso. Aliás, se eu fosse supersticioso diria que a campanha portuguesa passou a não augurar nada de bom a partir do momento em que, em Viseu, recebeu o «apoio» de notórios músicos «pimba», com quem fez questão de exibir-se. Claro que é improvável que algum jogador da selecção alguma vez tenha ouvido falar de Mahler ou imagine quem é Jan Garbarek, e os adeptos da selecção que sabem de quem se trata não devem ser assim tantos. Mas não havia necessidade de associar a selecção portuguesa ao que há de pior na música portuguesa, por mais popular que ela seja.
LER FAZ BEM À SAÚDE (1). O carro eléctrico, de João Miranda. As virtudes da sinceridade na pedinchice, de Eurico de Barros. À boleia, de Paulo Moura (só para assinantes do Público).

18 de junho de 2008

O POVO. Concordo praticamente na totalidade com quem se insurge perante a hipótese de se realizar um novo referendo ou perante outro expediente que pretenda contornar o veredicto irlandês, pois o voto popular deve ser respeitado. Mas não deixa de ser irónico verificar que os mais aguerridos defensores do veredicto, a pretexto de que o povo não se pode ignorar, são os mesmos que não se cansam de demonstrar que o povo lhes causa repugnância.

16 de junho de 2008

REFERENDO. Não tenho uma opinião definitiva sobre o Tratado de Lisboa, mas tenho uma opinião definitiva sobre o referendo da Irlanda. Repetir a consulta popular porque ela não deu os resultados que alguns esperavam, só pode ser brincadeira de mau gosto. Ignoro como vai a Europa descalçar a bota irlandesa, isto partindo do princípio que estamos perante um problema sério e difícil de resolver. Mas repetir o referendo até que os irlandeses se pronunciem como os mandantes da Europa desejam, é uma manobra anti-democrática — além de os mandantes da Europa se arriscarem a um «não» ainda mais expressivo. O ideal, para esta gente, seria fazer um referendo que garantisse, à partida, o resultado que lhes convém, e certamente tudo farão para que isso suceda caso o referendo se repita. Até porque estão em jogo inúmeras carreiras políticas, como a do nosso primeiro-ministro, e com as carreiras políticas não se brinca. Resta saber até onde vão os mandantes no desprezo por quem os elege.

13 de junho de 2008

SCOLARI. Será muito difícil determinar até que ponto o anúncio da transferência de Scolari para o Chelsea foi um factor de perturbação na selecção lusa caso Portugal «caia» nos quartos-de-final. Mas também eu estou convencido de que o timing do anúncio não podia ter sido pior para a selecção, por mais razões que tenha havido para o anúncio ter sido feito na altura em que foi feito, e por mais que a situação tenha fugido ao controle de Scolari. Muito mais que uma promessa quebrada pelo seleccionador (Scolari terá proibido os jogadores de se pronunciarem acerca dos respectivos futuros), o treinador brasileiro perdeu autoridade no grupo que comanda a partir do momento em que anunciou o abandono da selecção, pois deixou de ter condições para exigir o que quer que seja a quem quer que seja. Isto começando logo pelo principal, os jogadores, que certamente deixaram de o ver com o mesmo respeito com que o viam até então, com todas as consequências negativas que daí podem resultar. Estão, portanto, criadas as condições para que Scolari se transforme no bode expiatório caso as coisas não corram bem nos quartos-de-final, mesmo que não seja por culpa dele. Primeiro, porque Scolari se pôs a jeito. Depois, os adversários de Scolari nunca desarmaram, mesmo perante o evidente sucesso de Scolari à frente da selecção, e não hesitarão em trucidá-lo.

12 de junho de 2008

PETIT. Será que as televisões conseguem exibir um grande plano de Petit onde ele não apareça a assoar o nariz como no tempo das cavernas?
LIVROS. Graças a mais uma incursão neste estabelecimento, que só há pouco descobri ter o dobro do tamanho (e dos livros) que eu imaginava (prometo que um dia falarei em detalhe do Montclair Book Center), descobri uma preciosidade que desconhecia. Trata-se de um volume de entrevistas com escritores latino-americanos (Interviews with Latin American Writers), graças ao qual tomei conhecimento da existência de um segundo volume (Interviews with Spanish Writers), desta vez, como o nome indica, apenas com escritores espanhóis, igualmente conduzidas por Marie-Lise Gazarian Gautier e que me acaba de chegar às mãos após o ter desencantado por meia dúzia de patacos não me lembro bem onde.

10 de junho de 2008

SELECÇÃO. Visto o jogo de Portugal frente à Turquia e lidas dezenas de comentários sobre o dito, continuo sem vislumbrar o brilhantismo da prestação portuguesa. Tirando o resultado (excelente), confesso que não vi nada de especial. Pelo contrário. Como diria Nelson Rodrigues, chutámos mal à baliza pelo menos em três ocasiões (duas ao poste e uma à barra), foi preciso um defesa vir lá de trás mostrar aos avançados como se fazia, e marcámos o segundo golo quando os turcos tinham mais que fazer do que preocupar-se com a defesa. Claro que nada disto tira mérito à selecção portuguesa. O que eu quero dizer, insisto, é que não vi nada do que se disse por aí, pelo que desconfio que foi dito com a mesma convicção com que a generalidades dos comentadores desportivos costuma zurzir num jogador quando o jogador está a jogar mal, mas que logo muda caso o jogador marque um golo decisivo. Resta esperar que os checos sejam tão maus como demonstraram frente aos suíços (aqui parece que estamos todos de acordo), e que percam em vez de ganharem. Aliás, espero que Portugal tenha a contabilidade resolvida quando defrontar a Suíça, pois os helvéticos demonstraram frente aos checos que são melhores do que a encomenda. O ideal seria que o jogo fosse a feijões, para nós e para eles, ambos pelas melhores razões (os dois com a qualificação garantida). Caso assim não for, os nossos compatriotas que por lá vivem e trabalham arriscam-se a uma demonstração suplementar do famoso zelo das autoridades suíças.
CAROLINA. Subscrevo inteiramente o que diz João Miguel Tavares no DN. De facto, não custa nada bater em Carolina Salgado, até porque é politicamente correcto bater na ex-companheira de Pinto da Costa. O curioso é que alguns dos que agora lhe batem são os mesmos que ontem lhe beijavam a mão. Curioso, é claro, é uma maneira de falar, que não se espera outra coisa de gente que não tem vergonha na cara.
Era só o que faltava
«(...) para se dar uma revolução no nosso ensino bastaria que os nossos professores estudassem diariamente, durante duas horas, livros cientificamente sólidos sobre a sua área de actuação.» Desidério Murcho, Público

6 de junho de 2008

OBAMA/HILLARY. É provável que um número considerável de apoiantes de Hillary se prepare para votar em McCain nas Presidenciais de Novembro caso a ex-primeira-dama não seja candidata a vice, como seria provável que um número significativo de apoiantes de Obama votasse no candidato republicano caso o senador do Illinois não fosse escolhido para vice em circunstâncias idênticas. Mas não me parece boa ideia Obama escolher Hillary para vice por mero receio de perder para os republicanos os votos da ex-adversária, pois toda a gente viu que é mais o que os separa que aquilo que os une. Um candidato que fez da mudança bandeira de campanha escolher alguém comprometido com o sistema seria, obviamente, uma contradição que o candidato republicano não deixaria de explorar até onde for possível explorar — além de que nunca me pareceu que a candidatura de Obama tendo por vice Hillary (ou o inverso) constituísse um dream ticket, pois sempre achei que a dupla cria mais problemas do que resolve.

4 de junho de 2008

DÚVIDAS. Não vislumbrei o alcance do que disse Eduardo Pitta quando disse que «o Partido Democrata fez o que se julgaria impensável nos Estados Unidos» ao não reconhecer a totalidade dos votos da Florida e do Michigan, bem como o que disse João Gonçalves quando disse «vale tudo para afastar Hillary Clinton do combate». Quererão eles dizer que o processo não foi correcto e/ou transparente? Se assim é, convinha que apresentassem factos a demonstrá-lo.
UMA LIÇÃO. Como estarão lembrados, o Futebol Clube do Porto (FCP) foi condenado a perder seis pontos porque o órgão disciplinar da Liga de Clubes entendeu que o clube nortenho cometeu um crime de corrupção na forma tentada. Como se viu mal a decisão foi conhecida, o FCP acatou o castigo praticamente sem comentários, e logo anunciou que não tencionava recorrer. E por que razão assim foi? Aparentemente, pelas razão que todos suspeitam: o FCP não perdeu nada no plano desportivo, e no plano financeiro 150 mil euros de multa nem atrasam, nem adiantam. (O resto está aqui.)

2 de junho de 2008

MORALISMOS DE OCASIÃO. Não me venham com histórias da carochinha ou moralismos de ocasião: Hillary pretendia que o Partido Democrático considerasse os votos das primárias da Florida e do Michigan pela simples razão de que a contabilidade lhe era favorável, não por uma questão de princípio, a meu ver a única aceitável. Aliás, o problema da Florida e do Michigan, que acabou por se resolver atribuindo metade dos votos a cada um dos estados, só se pôs, à ex-primeira-dama, quando se tornou claro que os votos a beneficiavam. Até lá, não me consta que se tenha ralado com o facto. (O mesmo se pode dizer de Obama, que certamente também não se interessou pelo caso por razões contabilísticas.) Pretender mudar as regras do jogo enquanto este decorre, é uma manobra que não é bonita de se ver. Além de que, a ser bem-sucedida, é bem provável que se viesse a revelar contraproducente.