29 de abril de 2021


Keith Jarrett

MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (2).
 Na minha adolescência, a música servia para dançar ou não servia — logo era boa ou má consoante cumprisse, ou não, essa função. Julio Iglesias é o primeiro músico de que me lembro. Depois veio o rock, que naquela altura não tinha as sub-designações que hoje tem, de que me fui afastando depois de conhecer praticamente tudo dos Dire Straits e Pink Floyd, e algum rock-jazz. Comecei a ouvir música clássica pouco depois graças a um programa de rádio, o Em Órbita, que na altura passava o que designavam por música antiga, quase sempre do período barroco, ao mesmo tempo que ouvia o primeiro jazz a sério, sobretudo Keith Jarrett, de quem viria, anos depois, a assistir a concertos memoráveis, a solo e em trio. Vieram outros depois, Miles Davis e assim, e contemporâneos de várias origens. E Beethoven, na música clássica, talvez o compositor que mais aprecio, a par de Mahler, de quem um dia vi o registo da Sinfonia Nº 5 pela Lucerne Festival Orchestra dirigida por Claudio Abbado e me ficou para sempre.

23 de abril de 2021


Henri Matisse | Still Life with Asphodels

MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (1). Cheguei à pintura graças aos surrealistas, sobretudo a Dalí, suspeito que a entrada de muitos na pintura. Seguiram-se Rothko, Van Gogh, Picasso, Chagall, Bruegel e Matisse, mais ou menos por esta ordem. Hoje vejo a pintura em geral com o interesse que dantes não tinha. Da pintura antiga à Renascença, do naif ao pós-não-sei-quê. Matisse, cuja obra só nos últimos anos conheci melhor, é o mais recente assombro. Digo bem, assombro, o que melhor descreve o que sinto por Matisse.

12 de abril de 2021

O QUE SE PÔDE ARRANJAR. Face ao que foi dito ao longo dos últimos sete anos, as acusações a José Sócrates na chamada Operação Marquês revelaram-se um fiasco monumental. A ser verdade o que disse o juiz Ivo Rosa, a acusação foi de uma incompetência difícil de explicar. Recordo pelos jornais o que disse o juiz Rosa sobre os fundamentos de grande parte das acusações: «Só especulação e fantasia»; A acusação tem «pouco rigor e consistência»; «Total falta de prova»; A acusação «é pura especulação»; «A acusação não prima pelo rigor necessário»; «Apenas com recurso à criatividade e à especulação será possível sustentar uma conclusão dessa natureza». E por aí fora. Dos 31 crimes de que Sócrates era acusado pelo Ministério Público, o juiz pronunciou-o, apenas, por seis: três por branqueamento de capitais e outros tantos por falsificação de documentos. Os mais graves, de corrupção, caíram, segundo o juiz, por erros grosseiros nas acusações, e outros por terem prescrito. Dito isto, não acho que Sócrates esteja inocente, mesmo do que não foi pronunciado. Também não acredito que o juiz manipulou (deturpou, enviesou, como queiram) as provas que a acusação lhe pôs nas mãos, como já vi quem dissesse. Por mais voltas que desse, parece-me que o juiz não poderia ter feito outra coisa. Teve, além disso, a coragem de o dizer cara a cara aos portugueses. Que mais podia ter feito? Permitiam os dados de que dispunha concluir outra coisa? Não sei. O que ficou claro é que a justiça portuguesa é de grande competência a produzir julgamentos mediáticos e de grande incompetência a produzir prova nos tribunais.

6 de abril de 2021

MASSACRES NA AMÉRICA. Qualquer pessoa com senso comum percebe à vista desarmada que os massacres que têm assolado os EUA nos últimos meses se devem, antes de mais, às leis que permitem a venda e posse de armas pesadas, e depois ao clima de ódio que o ex-presidente Trump foi instalando no país nos últimos anos. Os defensores da venda e porte de armas agarram-se à Segunda Emenda da Constituição, mas a Segunda Emenda não especifica que tipo de armas se pode usar — logo pode comprar-se ou vender-se quase tudo, incluindo metralhadoras. Depois há os lobbies, à cabeça de todos a National Rifle Association, que investe fortunas nos políticos de vários quadrantes, sobretudo conservadores, tornando-os reféns dos seus interesses. Há outros motivos para os massacres quase diários, mas estes explicam quase tudo. Basta olhar para a generalidade dos países «civilizados», onde existem leis que restringem fortemente a venda e posse de armas, para constatar que há uma relação de causa-efeito. E não me venham com o argumento de que se podem comprar armas mesmo sendo o comércio ilegal. Um cidadão comum (os massacres americanos têm sido cometidos por cidadãos comuns) não teria facilmente acesso a armas pesadas caso elas fossem proibidas — de vender, de comprar, de usar. É o que diz o senso comum.