31 de julho de 2013

BRINCAR AOS POBREZINHOS. Alertado por meio mundo, fui ler a reportagem do Expresso sobre a Comporta, ao que dizem um «refúgio das elites». A fazer fé no que lá vem, aquilo é espíritos santos e realezas por todo o lado, nomes sonantes de toda a espécie e proveniência que lá decidiram assentar arraiais, festas na praia regadas a champanhe — mas quando se fala dos habitantes locais (também há), o jornalista resume-os ao «arrozeiro», ao «maneta», e ao «patusco». Um só habitante é identificado pelo nome próprio, mas só pelo primeiro, ao contrário das «elites», identificadas uma a uma do primeiro ao último nome, incluindo o petit nom. Estar na Comporta «é como brincar aos pobrezinhos», refere, às tantas, uma Espírito Santo, que já deu origem a um movimento que promete ir brincar para o local e a um pedido de desculpas da própria. Visto e revisto, confesso que se alguma coisa me incomodou foi o papel a que o jornalista se prestou, certamente para agradar a quem o acolheu durante um mês inteiro. Bernardo Mendonça esqueceu-se que os habitantes locais têm nome e dignidade.
DESEMPREGO. Quando se fala da taxa de desemprego, que terá caído pela segunda vez no espaço de poucos meses, ter-se-á em conta os portugueses que emigraram, que terão desaparecido da lista dos desempregados?

26 de julho de 2013

RECAUCHUTAGEM GOVERNAMENTAL. A recauchutagem governamental resultou na entrada de dois novos ministros que já estavam debaixo de fogo ainda antes de o serem. A nova ministra das Finanças é suspeita de não ter feito o que devia e mentir ao Parlamento, e o novo ministro dos Negócios Estrangeiros omitiu na biografia enviada ao primeiro-ministro e à comunicação social a circunstância de ter sido, durante anos, presidente do conselho superior da entidade proprietária do banco que lesou os contribuintes em vários milhares de milhões de euros (esse mesmo, o BPN). Alega Maria Luís Albuquerque que desconhecia os chamados swaps e jamais ter mentido no Parlamento, apesar das notícias dizerem o contrário. Alega Rui Machete que a omissão no currículo só foi notícia porque vivemos num clima de «podridão dos hábitos políticos», para o qual naturalmente considera não ter contribuído. Chegados a este ponto, os senhores ministros podem continuar a alegar o que muito bem entenderem que as suspeitas que recaem sobre eles continuarão, e convém não esquecer que as suspeitas assentam em factos. Repito, por isso, o que aqui já mencionei: não basta à mulher de César ser séria. As suspeitas que recaem sobre um e outro bastariam para não serem nomeados, e se já o tivessem sido para se demitirem. É isto o que sucede nos países em que os governantes respeitam os seus cidadãos.
COISAS QUE NÃO SE PERCEBEM. Alguém me explica para que servem as moções de confiança (ou de censura) quando antecipadamente se conhece o resultado e o resultado não muda um milímetro?

24 de julho de 2013

QUE BEM PREGA FREI TOMÁS. Não li as reportagens do Público sobre a última greve dos professores e as peças do Diário de Notícias sobre um alegado corte de medicamentos aos idosos e sobre não sei que argumento que terá levado o DN a concluir que os juízes não condenam os ricos, que Miguel Sousa Tavares considerou facciosas, e a propósito das quais sentenciou que o jornalismo já viu melhores dias. Mas dou de barato que tem razões de queixa sobre as peças a que se refere e que o jornalismo já viu melhores dias, embora sobre este último ponto eu tenha mais dúvidas que certezas. Acontece que Miguel Sousa Tavares não tem autoridade para dar lições de jornalismo. Quem leu o que ele publicou sobre a invasão do Iraque por Bush filho? Eu li, tenho presente o essencial do que ele então disse, e devo dizer que não gostei. Não por causa das suas opiniões, mas pelas constantes inverdades e manipulação dos factos de modo a concluir — e a fazer concluir — o que pretendia. Lembro-me bem disso, e por várias vezes escrevi contra tais práticas (ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui). Convém, portanto, que o Miguel recorde o seu próprio passado, e que ponha a mão na consciência antes de vir dar lições sobre as quais me parece não ter autoridade.

22 de julho de 2013

ALFARRABISTAS. Apesar dos ebooks, que leio cada vez mais, passo a vida a comprar livros, alguns que nunca lerei. Agora quase só nos alfarrabistas, onde vou descobrindo preciosidades que nem sabia que existiam. Foi o caso no fim-de-semana, em que por meia dúzia de patacos adquiri Hermit in Paris: Autobiographical Writings, compilação de textos autobiográficos de Italo Calvino que comecei a ler a todo o vapor.
UM FRACASSO ANUNCIADO. Estava escrito nas estrelas que o «compromisso de salvação nacional» (entendimento entre PSD, CDS e PS pelo menos até Junho do ano que vem), praticamente imposto pelo Presidente da República, iria acabar num rotundo fracasso. Afastada a hipótese de um Governo de iniciativa presidencial, o Presidente optou por manter o Executivo em funções, não se sabe se com a remodelação tal como foi anunciada. Resumindo, há dez dias o Presidente não confiava no Governo, e exigiu um «compromisso de salvação nacional». Agora, que o compromisso falhou e nada mudou, passou a confiar, mantendo-o em funções sabe-se lá até quando. Será preciso fazer um desenho para demonstrar que nem este Governo nem este Presidente merecem a confiança dos portugueses, a começar por quem votou neles?

19 de julho de 2013

ESTALOS À CLASSE POLÍTICA. Como estarão lembrados, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que o Presidente da República deu um «estalo à classe política». Acontece que o Presidente integra, e de que maneira, a classe política, pelo que me irrita que se insista em colocá-lo acima dela. Um cavalheiro que foi primeiro-ministro durante uma década e já vai no segundo mandato como Presidente da República não faz parte da classe política? Percebo que Cavaco se queira distanciar do que há de pior na política, mas honestamente não me parece que o passado o ajude. Bem pelo contrário. Como tantos outros, Cavaco representa o pior que ela tem, e as trapalhadas (chamo-lhe trapalhadas para não ir mais longe) em que se viu metido bastarão para o demonstrar.

17 de julho de 2013

POLITIQUICES. Se o PS aceitar o «compromisso de salvação nacional», como deseja o Presidente da República, no final da legislatura (ou antes, no caso de o Governo não chegar até lá) será, como o PSD e o CDS, co-responsável pelo fracasso da governação. Se não aceitar, será, obviamente, acusado de apenas se ralar com o umbigo, de não quer saber do país, e com um pouco de esforço ainda acabará como o primeiro responsável pelo estado a que isto chegou. É isto, no fundo, que resultará do «compromisso» proposto pelo Presidente, em que o PS será preso por ter cão, e preso por não ter. Mas há pior: não se vislumbra o que o país possa ganhar com um eventual negócio do Governo com o PS. Servirá, quando muito, para calar o PS durante algum tempo, e correr com o líder logo a seguir. Se apear Seguro talvez seja benéfico para o país, o silêncio dos cemitérios só aos mortos interessa.

12 de julho de 2013

CAVACO (3). Não se vislumbrando como será alcançado um «compromisso de salvação nacional» que passe por um entendimento entre PSD, CDS e PS, como exige Cavaco, qual será o passo seguinte? Aparentemente, um Governo de iniciativa presidencial. Chefiado e constituído por quem? Como a questão ainda não se colocou, só o Presidente saberá. Mas adianto, desde já, um prognóstico: a solução não sairá do papel. Porque o Presidente perdeu a confiança do país para impor uma solução deste tipo. Porque não estou a ver uma figura consensual para chefiar um Governo de «salvação nacional». Porque duvido que os partidos viabilizem uma solução presidencial, tenha ela os contornos que tiver. Contra a sua vontade, Cavaco será, mais dia, menos dia, obrigado a optar pelo cenário que menos deseja: eleições antecipadas antes de Junho do próximo ano. A dúvida é saber quando, e quanto vão custar ao país.

11 de julho de 2013

CAVACO (2). A concretizar-se, o «compromisso de salvação nacional» proposto pelo Presidente da República acabaria, na prática, com a actual oposição, já que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda não conseguiriam, por si só, derrubar o Governo, ou fazê-lo mudar de rumo. O ideal, como em tempos sugeriu Manuela Ferreira Leite, seria suspender a democracia por seis meses, na crise presente talvez por mais algum tempo, e se Manuela na altura estava a brincar, agora começo a ter dúvidas. Embora o PC e o Bloco não me merecem qualquer simpatia, parece-me que o Presidente está a ir longe demais. Dificilmente imaginaria estar de acordo com o líder da CGTP, mas está cheio de razão quando diz que «a declaração do Presidente da República (...) é um condicionamento gravíssimo ao exercício da democracia».
CAVACO (1). Se bem entendi, o Presidente da República defendeu outra solução governamental, logo passou um atestado de incompetência ao actual Governo. A solução que propõe passa por um «compromisso de salvação nacional» (entendimento entre PSD, CDS e PS) até Junho do ano que vem, altura em que haverá eleições — e, à cautela, já foi avisando que o Governo que daí resultar terá que cumprir igual pressuposto. Temos, para começar, que há um Governo em funções que vai estar praticamente em gestão até Junho de 2014 caso não seja possível o tal «compromisso de salvação», se é que se aguenta até lá. Depois, Cavaco condicionou, desde já, o resultado das próximas legislativas, inaceitável em democracia. Finalmente, basta ouvir os analistas para se perceber o óbvio: em vez da instabilidade, que ele sempre disse ser imperioso evitar, resolveu instalar a confusão, o caos, deitar mais gasolina na fogueira.

9 de julho de 2013

IRREVOGÁVEIS REMENDOS. A confirmar-se as mudanças anunciadas, o primeiro-ministro cedeu em toda a linha ao parceiro de coligação. Se dantes Passos desprezou Portas, agora deu-lhe as chaves do cofre. Vista por um lado, a coisa dá para rir. Vista pelo outro, é inacreditável. Pessoalmente, prefiro Portas a Passos no leme da governação. Mas não foi isso o que os portugueses disseram na últimas legislativas, pois não?
SER E PARECER. Tendo em conta que foi a nova ministra das Finanças quem liderou, enquanto secretária de Estado, o processo de venda da EDP, são legítimas as suspeitas de favorecimento que recaem sobre a contratação do marido por aquela empresa. E mais legítimas se tornam quando, conhecidos os factos, o cavalheiro se apressou a pedir a cessação do contrato que mantinha com a empresa agora liderada pelos chineses. Como não bastassem as dúvidas sobre os «swaps» que recaem sobre Maria Luís Albuquerque, que o bom senso mandaria não «promover» a ministra (além de ter sido a gota que fez transbordar o mal estar na coligação governamental), eis que um novo caso lança ainda mais dúvidas sobre o comportamento da governante, e a fragilizam ainda mais. Decididamente que os governantes desprezam quem representam e a parábola sobre a mulher de César, neste caso se calhar não apenas a parte que respeita às aparências. Será preciso dizer que as suspeitas que recaem sobre a ministra vão estar constantemente a pairar sobre ela e, por arrasto, sobre o Governo de que faz parte?
BOA PERGUNTA. «A que vai ficar reduzido o papel do primeiro-ministro se Paulo Portas passa a ser o responsável pela coordenação económica, pelas negociações com a troika e pela reforma do Estado, num cenário onde é a troika que toma as decisões fundamentais? Ficámos com dois co-primeiros-ministros?» José Vítor Malheiros, Público

5 de julho de 2013

PANTOMINICES. Os governantes que temos puseram os portugueses a pão e água, e pelo modo como as coisas vão caminhando até isso podem tirar-lhes. O retrato é exagerado, mas a verdade é que são cada vez mais os portugueses espoliados dos seus direitos, e só um cego não vê que a miséria cresce de dia para dia. Alguém consegue vislumbrar o desfecho do espectáculo em cena? Até ver, só se viram palpites — mais ou menos fundamentados, mais ou menos verosímeis, mas todos errados. São tantas (e tão contraditórias) as notícias que circulam que duvido que alguém possa, com fundamento, antecipar um desfecho para a pantomina que um bando de irresponsáveis e/ou incompetentes resolveram representar. Imaginem um cenário de eleições antecipadas, talvez inevitável. Estão a ver os militantes e/ou simpatizantes dos partidos no poder (se calhar também os da oposição) a fazer campanha nas ruas sem correrem o risco de serem insultados e, quem sabe, pior? Pelo andar da carruagem, não seria bonito. E não fosse a gravidade que tais actos representariam para o regime que o outro considerou o pior de todos excluindo todos os outros, diria que seria muito bem feito.

2 de julho de 2013

UMA COISA EM FORMA DE ASSIM. Como diria António-Pedro Vasconcelos, a escolha de Maria Luís Albuquerque para render Vítor Gaspar nas Finanças foi um erro de casting. Primeiro, porque há dúvidas sobre o comportamento da nova ministra no caso dos «swaps», que naturalmente a fragilizam, e por arrasto o Governo de que faz parte. Depois, porque a escolha de Passos Coelho não terá agradado a Paulo Portas, e o resultado é conhecido. Perante isto, só faltava o primeiro-ministro vir comunicar ao país não ter aceite a demissão de Portas e implorar o seu regresso (como se fosse possível — e desejável — o regresso de Portas depois do que se passou), uma coisa absolutamente inacreditável. Está visto que mais dia menos dia o poder vai inteirinho para António José Seguro, de que ninguém sabe o que quer e o que pensa, e que também já mostrou propensão para a asneira.
TAPAR O SOL COM A PENEIRA. Nuno Azinheira resolveu insurgir-se contra quem criticou a entrevista de Henrique Cymermann ao presidente angolano com base no seguinte: «Foi Henrique Cymerman, o mesmo que no passado entrevistou o rei Hussein, Isaac Rabin, Yasser Arafat, Ariel Sharon, Mahmoud Abbas, Jimmy Carter, Al Gore, Shimon Peres, José Maria Aznar, Juan Carlos, José Eduardo dos Santos e agora o Papa Francisco.» Currículo, na sua opinião, que devia calar as críticas, incluindo, naturalmente, a minha. De facto, o currículo enunciado por Azinheira impressiona. Mas já tenho dúvidas que impressione pelas melhores razões. Afinal, qual das figuras citadas não gostaria de ter sido entrevistada da forma (vergonhosa, insisto) como foi entrevistado Eduardo dos Santos?