26 de junho de 2019

O PADEIRO DE PORTALEGRE. O discurso de João Miguel Tavares (JMT) no Dia de Portugal causou embaraço à direita e à esquerda — mas, sobretudo, à esquerda. Li o texto e confesso que não percebo porquê. Antes de mais porque, sendo JMT assumidamente de direita, não escandalizaria se tivesse sido proferido por alguém de esquerda, e só não foi aplaudido pela generalidade da direita porque JMT, sendo de direita, vive à margem dos partidos, e nem a direita nem a esquerda partidárias apreciam quem pensa pela sua própria cabeça. Depois há coisas que não entendo. Inês Pedrosa, cuja ultima vez que ouvi falar dela foi a propósito de um episódio pouco edificante que metia estrelas que um determinado crítico literário atribuiu — ou ia atribuir — a um dos seus livros mas não atribuiu (ou atribuiu por pressão não sei de quem), começou por se mostrar escandalizada com a escolha de JMT para presidir à comissão organizadora das comemorações do Dia de Portugal e se agarrar à circunstância de JMT se ter assumido como um homem comum, que ela interpretou no pior sentido do termo (o homem comum podia muito bem ser, segundo ela, o «padeiro de Portalegre»). Prosseguiu acusando-o de populista, de fazer um discurso antidemocrático, de ofender o país, e de mais umas coisas de que já não me lembro. Infelizmente, a escritora não fundamentou o que disse. Mas a sobranceria com que se aliviou deixou antever que não há nada que possa acrescentar. Está, portanto, dispensada de mais explicações, até porque suspeito que a emenda seria pior que o soneto.

20 de junho de 2019

DESTINO MARCADO. Fiz parte de um júri que decidiu a inocência de um jovem acusado de ter agredido um agente da autoridade. Como não havia provas materiais do que estava acusado, a decisão foi remetida para um júri, que decidiu com base em factos circunstanciais. Havia, realmente, alguns factos circunstanciais considerados credíveis, mas como a dúvida persistia, o júri decidiu, por unanimidade (a decisão tinha que ser por unanimidade), pela não-culpabilidade. Reparem que a terminologia usada não previa a inocência — o arguido era culpado ou não-culpado. Acompanhei, também, neste caso por motivos profissionais, o caso do futebolista americano O. J. Simpson, acusado de matar a esposa, que foi considerado não-culpado graças a uma equipa de advogados que conseguiu pôr em causa tudo o que era evidência, incluindo um teste de ADN, até então uma prova inquestionável. Apesar de mais de cem evidências encaixarem umas nas outras como um puzzle, o júri não conseguiu considerá-lo culpado do que parecia evidente, e o tipo acabou inocentado. Tudo isto para dizer que o Presidente Trump não é, até ver, culpado do que é suspeito, apesar das inúmeras provas materiais e circunstanciais indicarem ter cometido crimes de vária espécie que a seu tempo se hão-de provar. Repito: provas materiais, não apenas circunstanciais. São tantos os esqueletos no armário e fora dele que o Presidente americano acabará, mais tarde ou mais cedo, na cadeia. Sim, acredito na justiça americana, apesar de não ter grande margem de manobra enquanto Trump estiver no poder (é a política, e não a justiça, quem decide). Mas seja durante ou depois, Trump será confrontado com os seus crimes, e pagará em conformidade. Como já estão a pagar dois colaboradores próximos e um terceiro em vias disso.

7 de junho de 2019

OBRIGADO. Peço ao sr. do talho que me avie uns pés de porco, se faz favor. O sr. vira-se para mim e diz-me que faz favor coisa nenhuma, que está ali para me servir, que é o trabalho dele. Sorrio, e mecanicamente digo obrigado. O colega interrompe o assobio. O sr. repete que ora essa, que não tenho nada que agradecer, que mais não faz que o seu dever — e desta vez seguro-me a tempo e fico-me por um sorriso de assentimento. O colega retoma o assobio. O sr. do talho faz o que tem a fazer e entrega-me os pés de porco — que eu, já esquecido dos entretantos, volto a agradecer com um obrigado. O sr. quase se exalta. Repete asperamente o que já tinha dito, para trás e para a frente, e o colega interrompe novamente o fadinho. Despeço-me com um aceno de cabeça — que o sr. do talho, para meu alívio, não terá visto como um agradecimento. Dali a pouco já tinha a cabeça na próxima etapa, o chouriço, onde mo venderiam sem dizer uma palavra — nem, sequer, um simples obrigado. É o que se chama a lei das compensações, que não sei bem o que é mas para o efeito serve perfeitamente. Muito desequilibrada, mais tarde, por uma feijoada, que costumo comer sempre que preciso de acertar contas com o estômago. Sim, a canja é óptima, sobretudo quando acrescentada à minha maneira, mas não há como uma feijoada para certos desarranjos. Talvez o remédio só funcione para estômagos delicados, género alface e tofu três dias seguidos, mas nos tempos que correm, cheios de receitas para salvar o mundo e, com sorte, o canastro, o conselho não será de desprezar. Sobretudo quando acompanhado de um tinto insuspeito, que a medicina dos magazines há muito consagrou como remédio para santos e pecadores.