31 de julho de 2014

AVISO AOS INCAUTOS. Um dia destes resolvi experimentar uma massagem chinesa (chamo-lhe assim porque não sei como se designa), daquelas feitas na rua montado num cavalete. Olhei para a tabela de preços e, desconfiado, escolhi a mais básica, ao que o massagista logo insistiu para que eu escolhesse outra, segundo ele muito melhor, segundo a tabela de preços a custar o dobro. Como foram várias as vezes que me magoou, impossível relaxar durante o exercício — coisa, suponho, ser o objectivo do dito. Saí de lá não sei se na mesma, mas aliviado por não me ter escangalhado o esqueleto — e não sem uma última insistência para que eu fizesse o que me recomendava, que segundo ele me deixaria como novo. Vendo bem, não se pode exigir muito mais de um serviço que me custou doze dólares mais gorjeta, que o sujeito recolheu sem me olhar, nem me agradecer. Serviu-me, ao menos, de lição, e convenhamos que lições por este preço não são fáceis de arranjar.

25 de julho de 2014

DESPROPORÇÃO DE ARGUMENTOS. Como sabe quem acompanha o conflito israelo-palestiniano, sempre que uns e outros se confrontam os israelitas matam mais que os palestinianos, graças aos meios que os primeiros têm de sobra, e aos segundos lhes falta. Enquanto os palestinianos fazem duas ou três vítimas mortais, os israelitas fazem duas ou três centenas. É a famosa desproporção de meios, que muitos usam como argumento para acusar um dos lados (Israel), como se possuir mais meios que o adversário lhe retire razão — e, por consequência, quem os não tem passe a tê-la. Como é óbvio, o argumento não tem pés, nem cabeça. É popular junto de quem, sobre tão delicado assunto, tem ideias definitivas, geralmente pré-concebidas, mas não explica — nem deslegitima — coisíssima nenhuma. Imaginem, já agora, que a desproporção de meios era ao contrário. Alguém duvida que Israel já tinha sido varrido do mapa?
A JUSTIÇA E O EX-DONO DISTO TUDO. Agora que Ricardo Salgado parece ter caído em desgraça, a justiça decidiu deitar-lhe a unha para lhe fazer umas perguntas sobre burlas, abusos de confiança, falsificação e branqueamento de capitais. Mais: decidiu constituí-lo arguido no âmbito do caso «Monte Branco», e obrigá-lo a depositar uma caução de três milhões de euros para aguardar julgamento em liberdade. Perante isto, impõe-se, desde já, uma pergunta: terá a justiça descoberto, de repente, que havia indícios de crimes que ainda há seis meses não havia? Honestamente, duvido. Regozijemo-nos, contudo, com os últimos desenvolvimentos, apesar de ser mais que provável que tudo termine da forma do costume.

24 de julho de 2014

DESCULPAS DE MAU PAGADOR. Gostei da metáfora («dores de crescimento») com que o presidente da TAP caracterizou os actuais problemas da empresa. Gostei, mas não me comovi. Afinal, a TAP está a operar acima das suas possibilidades, vendeu viagens que não pode efectuar. Fernando Pinto diz que o fornecedor não cumpriu os prazos previstos para a entrega de não sei quantas aeronaves que a TAP lhe terá adquirido — razão, sublinha, a que a TAP «é totalmente alheia». Como é evidente, a história não acaba aqui. O problema da TAP com os fornecedores não serve de desculpa para o espectáculo em cena, e o espectáculo em cena diz-nos que foram cancelados 50 voos em apenas quatro dias. Sobra, portanto, uma pergunta: como podia a TAP vender viagens sem estarem asseguradas as condições para as efectuar? Eis, a meu ver, a questão, ou a primeira questão. Estivessem as vítimas de cancelamentos e atrasos habituados a reclamar o que têm direito, e neste preciso momento a TAP estaria a desembolsar indemnizações atrás de indemnizações cujas consequências podiam ser-lhe fatais.

22 de julho de 2014

SE NÃO HÁ PROBLEMA, TALVEZ HAJA UM PROBLEMA. Depois do primeiro-ministro e outros membros do Governo, ontem foi a vez do Presidente da República garantir que o Banco Espírito Santo (BES) e o sistema bancário em geral está sólido e recomenda-se. Evidentemente que quando tanta gente importante nos vem dizer que não há problema com o BES e com o sistema bancário em geral, estamos, de facto, com um problema. Estas manobras recordam-me o célebre repórter que em Bagdade garantia, em directo para a TV, que a tropa americana não tinha entrado na cidade, enquanto o que se passava atrás dele (viaturas militares americanos a passar) atestavam o contrário do que garantia.
À ATENÇÃO DAS EDITORAS PORTUGUESAS. Dei uma vista de olhos pelos principais sites portugueses que vendem livros online e não encontrei uma só edição em português de William Ospina, escritor colombiano de quem leio as últimas páginas do excelente El país de la canela. Estão à espera de quê as editoras portuguesas para deitar mãos à obra?

18 de julho de 2014

CHAMAR OS BOIS PELOS NOMES. Pedro Braz Teixeira defendeu anteontem que os principais responsáveis do GES e do BES devem ser levados a tribunal. «Entendo que seria muito benéfico para o interesse público que houvesse uma acusação conjunta do Ministério Público, do Banco de Portugal e da CMVM», disse o investigador, sugerindo que lhe «parece evidente que uma acusação conjunta daria muito mais força à acusação». Ontem, João Vieira Pereira escreveu no Expresso: «Chegámos a um ponto que não basta saber de quem é a culpa. É preciso que os culpados respondam pelo que fizeram.» Não sei no que isto vai dar, mas não será preciso ser profeta para adivinhar que acabará em nada caso a justiça entenda haver matéria criminal e agir em conformidade. Saúda-se, no entanto, que se comece a dizer o óbvio. E o óbvio é que há demasiados indícios (para não dizer provas) de práticas criminosas que não podem deixar a justiça indiferente. Como algumas empresas com a marca Espírito Santo têm sede noutros países (Luxemburgo e Suíça, por exemplo), e há notícias de que estão a ser investigadas nesses mesmos países, pode ser que daí venha alguma coisa.
JOÃO UBALDO RIBEIRO, 1941-2014.

«Leio no Guinness que o francês Michel Lotito, nascido em 1950, come metal e vidro desde os 9 anos de idade. Um quilo por dia, quando está disposto. Informa-se ainda que, de 1966 para cá, ele já comeu dez bicicletas, um carrinho de supermercado, sete aparelhos de televisão, seis candelabros e um avião Cessna leve — este ingerido em Caracas, embora o livro não revele por quê. Sim, e comeu um caixão de defunto, com alça e tudo, a fim de garantir um lugar na História como o primeiro homem a ter um caixão de defunto por dentro, e não por fora.» Mesa farta para todos

«Esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou pelo menos um comportamento pouco recomendável. Se você me acompanhar à rua, a gente pode até fazer uma experiência. A população da Zona Sul do Rio de Janeiro é formada em grande parte de gente da terceira idade. Quando um idoso atravessa a rua, os motoristas de ônibus costumam acelerar em ponto morto, fazendo um barulhão. Eles querem dar um susto no velho, eles querem matar o velho. Já vi fazerem isso com crianças, que acabam saindo correndo. Eu mesmo, que tenho 64 anos, já tomei um susto assim. Os brasileiros estão convictos de que, se um pedestre atravessar fora da faixa, o motorista tem o direito de atropelá-lo e matá-lo.» Veja de 18 de Maio de 2005
JORNALISMO DE CACA. Precisamente no dia em que o exército israelita decidiu fazer uma incursão terrestre em Gaza, por razões que não cabem neste texto, pelo menos um jornalista da nossa praça veio defender a ideia de que alguém mandou abaixo um avião na Ucrânia para desviar a atenção do conflito israelo-palestiniano. A ideia é um bocado amalucada, mas presumo que há quem acredite. As teorias da conspiração têm sucesso garantido, sobretudo junto de quem pouco ou nada sabe sobre os assuntos lá abordados, e nem o facto de nunca se confirmarem demove os entusiastas. Como em tempos escrevi, há quem esteja disposto a perder duas e mais horas a inteirar-se de uma teoria da conspiração, mas não tem meia hora para se inteirar dos factos. Tudo porque as teorias da conspiração são mais interessantes que os factos, que para esta gente só atrapalham.

16 de julho de 2014

FUNERAL SEGUE DENTRO DE MOMENTOS. Parece que os novos administradores do Banco Espírito Santo (BES) são pessoas sérias e competentes. Conheço de ouvir falar, nem sempre bem, mas admito que sejam. Acontece que todo o produto ou serviço que neste momento leve — ou tenha levado — o nome Espírito Santo, foi chão que deu uvas. O que vier depois do BES será outra coisa, que o nome caiu de tal modo na lama que jamais se levantará. Ao contrário do que sucedeu no passado, em que o BES era uma marca de confiança até para os mais desconfiados, agora qualquer produto ligado à família é para desconfiar. Como as últimas notícias bem o demonstram (as acções do BES continuam a cair a pique mesmo depois de anunciada a nova administração, que deveria acalmar os mercados), aos mercados não bastam pessoas sérias e competentes. É preciso que haja resultados, e neste momento só um milagre os trará. Depois, há histórias por contar e factos por apurar, pelo que o caminho nos próximos tempos será sempre a descer. Resta saber se até ao abismo final.
Karajan, para além do bem e do mal (1989-2014). Um belo texto do João Gonçalves no Portugal dos Pequeninos.

9 de julho de 2014

ARTISTAS SEM OBRA. Imaginem que um cidadão comum não praticante das artes enforca a bandeira portuguesa, e o enforcamento é notícia em tudo que é media. Teria sido absolvido pelo juiz caso alguém lhe movesse um processo? Quase apostaria que não. Mas quando um artista (hesito em pôr-lhe aspas) comete idêntica proeza, o tribunal responde absolvendo-o, alegando liberdade de expressão e de criação artística — ambas garantidas pela Constituição. O mais curioso é que, tirando o cadafalso onde enforcou a bandeira, não se lhe conhece uma única obra. Curioso é como quem diz, que hoje em dia artistas sem obra é corriqueiro.
SOPHIA E O ACORDÊS. Li com atenção, que me lembre pela primeira vez, um texto que Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu para o Expresso, oportunamente republicado por aquele jornal a propósito da transferência dos restos mortais da poetisa para o Panteão, e que termina de forma que vale a pena recordar: «A cultura é cara. A incultura acaba sempre por sair mais cara. E a demagogia custa sempre caríssimo.» Lido o texto, constato que a prosa foi convertida para o novo Acordo Ortográfico, na minha opinião abusivamente, e sem que alguém explicasse porquê. Duvido que Sophia concordasse com a «actualização» da grafia caso estivesse entre nós. Infelizmente, não vi quem se indignasse. A começar pelos que lhe estão mais próximos.

3 de julho de 2014

CLARA E OS EMBUSTES. Por falar em Clara Ferreira Alves (CFA) e em ideias pré-concebidas, na mesma edição do Expresso onde publicou o provincianismo chique assinou uma entrevista a Carlos Cruz, a cumprir uma pena de prisão por abuso sexual de menores. Para começo de conversa, CFA afirma logo no preâmbulo: «Estou convencida, pela leitura do processo e do acórdão, de que não devia ter sido condenado. O que torna a prisão da Carregueira uma brutalidade e uma negação de justiça pelo Estado português.» E foi-o repetindo ao longo da entrevista, nomeadamente quando pergunta ao entrevistado: «Ele [juiz Rui Teixeira] parece ser alguém que gosta de dar nas vistas. Fazia-se fotografar de moto, no género aventura, sem perceber que um juiz não faz aquela figura nos tablóides.» Infelizmente, CFA não demonstrou por que está convencida da inocência de Carlos Cruz, muito menos avançou qualquer argumento que apontasse nesse sentido. Como escrevi quando foi conhecido o desfecho do caso, não sei se Carlos Cruz é culpado, ou inocente. Sei, todos sabemos, que foi condenado por vários juízes e pelo menos dois tribunais, e que o processo passou por demasiadas mãos para que a tese da conspiração ou assim seja uma hipótese a considerar — ou que tenha sido, como alguns garantem, um erro judiciário. Ao que parece, CFA terá evidências que outros não têm, mas infelizmente resolveu guardá-los para ela. É pena, em primeiro lugar, para Carlos Cruz, para quem qualquer ajuda seria, decerto, bem-vinda. Depois, uma entrevista que pretende demonstrar a visão da entrevistadora sobre determinado assunto (no caso coincidente com a do entrevistado), não é bem uma entrevista: é um embuste.
CLARA E O PROVINCIANISMO CHIQUE. Dificilmente haverá coisa mais chique do que ir a Nova Iorque e falar mal de Nova Iorque, e aproveitar a boleia para gozar com os americanos, essa gente primitiva e estúpida. Ele são os «restaurantes de BBQ com cheiro a óleo refrito e a restos de anteontem» e «a bacon queimado e carne fumada», ele é a «cerveja requentada e sarro nos copos», ele é «o tipo de casais que acham que podem ter uma conversa romântica num sítio daqueles [sports bars] enquanto devoram um quilo de batatas fritas», «do estilo que mistura cocktails com rabos de lagosta e ketchup». Foi o que fez Clara Ferreira Alves, a que ainda juntou outra coisa que fica sempre bem nas ocasiões em que, talvez por razões profissionais, se é obrigado a falar de futebol: fingir que não se percebe nada, que não se conhecem os nomes dos jogadores, que futebol é coisa de gente pouco letrada. A receita (uma mistura de estereótipos, lugares-comuns, ideias pré-concebidas, superioridade moral e intelectual e o mais que ignoro) é conhecida, e com sucesso garantido em certos meios. O mais interessante é que Clara Ferreira Alves é uma jornalista dos meios culturais, pelo que seria de esperar um pouco menos de ignorância. Sim, ignorância, que não estou a ver outra coisa que se lhe possa chamar.

2 de julho de 2014

COISAS QUE VOU LENDO (12). «(...) só um sério conflito geopolítico poderá criar uma identidade europeia superior às identidades nacionais.» Henrique Raposo, Expresso de 27/6/2014

1 de julho de 2014

HIROMI (2). Acho que já aqui deixei uma ligação para este vídeo, mas não faz mal repeti-la. Foi gravado em Tóquio, há coisa de dois anos, no Blue Note local. Anteontem, no Blue Note de Nova Iorque, desfrutei desta e doutras músicas, um ano e pouco após tê-la visto no mesmo local com o mesmo trio (Anthony Jackson, no baixo, e Simon Phillips, na bateria). Falo de Hiromi, cujo concerto não hesito em designar como designei o primeiro: soberbo.

OS RESSENTIDOS DA BOLA. Há anos que Manuel José se vem pondo a jeito sempre que é necessário escolher um novo seleccionador, não vá alguém não o escolher por mera distracção. Verdade que quando abre a boca nem sempre entra mosca ou sai asneira, de que agora acusa Ronaldo, a propósito do que Ronaldo afirmou durante o Mundial. Mas só um cego não vê que Portugal deve a Ronaldo ter ido ao Mundial. Não só a ele, com certeza, mas sobretudo a ele. Merecia, por isso, mais respeito, sobretudo de quem vive do futebol e para o futebol. Ao contrário de Manuel José, cujo currículo se resume a relativos sucessos em países do terceiro mundo, Ronaldo tem dado a Portugal provavelmente o que Portugal não merece. Seria bom, portanto, não o julgar pelos defeitos, que as virtudes são infinitamente maiores. Pela minha parte, moderado entusiasta de futebol, inclusive da selecção, só tenho uma coisa a dizer: obrigado, Ronaldo.
UMA QUESTÃO PESSOAL. Diz-se que nada distingue António Costa de António José Seguro em termos ideológicos — ou programáticos, ou estratégicos, ou tudo isso junto. Ora, se pouco ou nada distingue o PS do PSD, por que haveria de existir tão grande diferença entre ambos? Como alguém já escreveu, a diferença entre Costa e Seguro é, essencialmente, entre quem está politica e pessoalmente mais preparado para dirigir o PS. Sim, também é, e de que maneira, uma questão de pessoas, um claramente mais competente que o outro. Onde está o mal que isto se diga com todas as letras?