28 de dezembro de 2007

Nada surpreendente a posição de Vital Moreira face à eventualidade de um referendo ao Tratado de Lisboa. Surpreendente só os argumentos e, vá lá, a frontalidade com que os defende, embora os argumentos por si só não convençam ninguém, e a frontalidade também possa ser vista como falta de vergonha. Acha o professor de Coimbra que «defender o referendo é defender o insucesso do Tratado», pois está convencido de que o documento será rejeitado caso haja referendo. Avança, ainda, outro motivo: a mobilização dos partidários do «não» dar-lhes-ia um peso «desproporcionado» no conjunto dos votantes. Temos, assim, que o cavalheiro é contra o referendo porque o resultado não lhe convém, um gesto que se saúda pela frontalidade mas que demonstra bem a sua (pouca) estima pela democracia. Depois, Vital Moreira acha que, a haver referendo, os partidários do «não» teriam um peso «desproporcionado». Ora, como sabe ele que os partidários do «não» teriam um peso «desproporcionado»? Possui algum mecanismo que lhe permita saber antecipadamente os resultados do referendo, ou leu nos astros?
Alguém acredita que isto vai dar alguma coisa?

26 de dezembro de 2007

Há uma lista de pessoas a abater na noite portuense, garantiram, há meses, seguranças e polícias ao Correio da Manhã. Por aquilo que se vê, não se duvida. (O resto está aqui.)
O espírito natalício

21 de dezembro de 2007

Inquirido sobre o que necessita um escritor para se tornar um grande romancista, Faulkner respondeu desta forma: «Ninety-nine percent talent... ninety-nine percent discipline... ninety-nine percent work. He must never be satisfied with what he does. It never is as good as it can be done. Always dream and shoot higher than you know you can do. Don’t bother just to be better than your contemporaries or predecessors. Try to be better than yourself. An artist is a creature driven by demons. He doesn’t know why they choose him and he’s usually too busy to wonder why. He is completely amoral in that he will rob, borrow, beg, or steal from anybody and everybody to get the work done». Esta célebre tirada do não menos célebre escritor americano integra o segundo volume de entrevistas à Paris Review agora editado e que leio com enorme prazer.
Pacheco Pereira, na Sábado, a propósito das notícias sobre a operação Noite Branca: «(...) o Jornal de Notícias parece ser um jornal do Cazaquistão, tal é a ignorância do que se passa à sua volta. Mas não é, é mesmo do Porto e esse é que é o problema: é do Porto e cala.»
Visto o segundo episódio de O Caminho Faz-se Caminhando, apetece-me fazer dois reparos. Primeiro, as filmagens tresandam a amadorismo (as imagens tremem com frequência, volta e meia vêem-se os operadores de câmara, alguns enquadramentos não lembram ao diabo); depois, não há pachorra para tanto nariz empinado da Clara Ferreira Alves.

19 de dezembro de 2007

Não estava à espera de uma reacção corporativa, coisa com que raramente simpatizo. Mas também não esperava um silêncio tão ensurdecedor, nomeadamente dos jornalistas que andam pela blogosfera, após a notícia de que Alberto João Jardim resolveu processar Baptista-Bastos por causa deste artigo de opinião. Não merece reparo a atitude do presidente da Madeira? Ninguém se indigna? É normal? Confesso que isto me envergonha.

17 de dezembro de 2007

Uma coisa é certa: quanto mais azeda se torna a guerra das polícias, mais evidente se torna a incompetência que por lá vai. Não será por acaso que o PGR resolveu nomear uma «equipa especial» coordenada por uma magistrada de Lisboa, embora a operação da Judiciária do Porto na madrugada de domingo demonstre que o timing da nomeação não podia ter sido pior. Aliás, eu era capaz de jurar que ainda há pouco o director da PJ do Porto admitiu que «a noite do Porto está sem controlo» e, por isso, «é de temer tudo». E que o porta-voz do Comando Metropolitano do Porto da PSP confessou que a situação no Porto «pode piorar nos próximos tempos», e que tem consciência de que as autoridades nem tudo podem fazer. Sim, haverá falta de meios, descoordenação entre as polícias, ausência de comunicação entre quem manda, uma guerra norte-sul. Mas a incompetência está lá, não vale a pena esconder.
Onde é que o DN descobriu que Las Vegas vai ter um museu para homenagear a máfia? Desde quando um museu tem por missão única e exclusiva homenagear o que quer que seja? O Museu do Holocausto também será para homenagear o Holocausto? É só estupidez, ou há ali má-fé? Já agora, o que deu ao Expresso para se dizer orgulhoso do «papel de Portugal na Europa e no mundo nestes últimos seis meses»?
Baptista-Bastos foi processado por Alberto João Jardim por causa deste artigo de opinião.
Para quem, como eu, está farto dos «coitadinhos dos professores», recomendo a crónica de João Miranda no DN.
Ora bem.

14 de dezembro de 2007

Uma desilusão a nova livraria portuguesa, pelo menos a versão em linha. Uma pesquisa por Vázquez Montalbán, Francisco Coloane e Bioy Casares resultou em cinco títulos do primeiro, e em nenhum do segundo e terceiro. Comparativamente, a Bertrand registou 12, 4 e 6. Na FNAC, uma procura por Vila-Matas deu 11 a 0 à Byblos, e Rubem Fonseca venceu por 16 a 2. Para uma livraria que se apresenta como a maior e mais sofisticada, é pouco. Aguardo, agora, o preço dos portes para o estrangeiro, à hora a que escrevo ainda não disponíveis em linha e obscenos nas fnacs e bertrands. Aliás, não percebo por que são tão caros os portes de correio. É que eu já fiz algumas encomendas na defunta Byblos Art Net (alguma relação com a actual?), e os portes custavam metade.

13 de dezembro de 2007

Impossível ficar indiferente à reportagem sobre o Opus Dei que a Sábado publicou a semana passada. Ele são chicotes, cintos «com espigões de arame», autoflagelação, o diabo (salvo seja) — além do celibato e de os seus membros não poderem conviver com pessoas do sexo oposto, ir ao cinema, ao teatro ou ao futebol, ou de só poderem ler certos livros mediante autorização de «conselheiros». Mas o mais impressionante é constatar-se que os membros da «obra» são, por regra, pessoas instruídas, com plena consciência dos seus actos. Talvez por ser ateu (ou agnóstico, não sei bem), tenho dificuldade em compreender que ainda existam, nos países que tomamos por civilizados, criaturas com acesso generalizado ao conhecimento que se mortificam em nome do que julgam uma vida de santidade, ou lá o que é. Aliás, duvido que o deus por quem se sacrificam, a existir, aprecie tais práticas.
O Maradona limpou o cu à mística. A Rititi não duvida que noventa por cento dos problemas da Humanidade se resolveriam com um par de quecas semanais.

12 de dezembro de 2007

É preciso não esquecer que os atentados de ontem, de que resultaram dezenas de mortos (entre os quais vários funcionários da ONU), foram cometidos pela Al-Qaeda. É preciso não esquecer, também, que o primeiro atentado foi ao pé do Tribunal Constitucional de Argel, e o segundo frente às instalações do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados. «Não há dúvida de que o alvo foram as Nações Unidas», disse António Guterres à BBC. De facto, não há dúvida. Já quanto aos atentados não fazerem «qualquer sentido», como também disse Guterres, bem pelo contrário. Basta olhar para o historial da Al-Qaeda para ver que fazem todo o sentido.
«(...) há mais de 60 anos que o Brasil não dá cumprimento ao acordo [ortográfico] anterior e há perto de vinte que se vive sem o acordo de 1990. Em tantas décadas, acaso o português de Portugal se tornou uma bizarria?»

11 de dezembro de 2007

«Não beba o rótulo, beba o vinho», recomenda Mike Steinberger na Slate. Isto, diz ele, porque até os mais reputados enófilos têm dificuldade em não ser influenciados pelo rótulo quando o rótulo impõe respeito, e já Eça dizia que «é o rótulo impresso na garrafa que determina a qualidade e o sabor do vinho» (crónica O Salão, incluída no volume Ecos de Paris). Ora, este saudável princípio devia aplicar-se a tudo em geral, e às artes em particular. Imaginemos os filmes a serem vistos sem se conhecerem os realizadores, a pintura a ser apreciada sem se conhecerem os seus autores, e a música a ser ouvida sem nada se saber da sua proveniência. Imaginemos, agora, as conclusões a que se chegaria, bem como os argumentos para as fundamentar. Havia de ser bonito.

8 de dezembro de 2007

A avaliar pelo relatório de uma Organização Não Governamental, estamos muitíssimo bem cotados no ranking da corrupção. Dois por cento dos portugueses inquiridos admitiram ter pago subornos para obter um serviço, diz o estudo da Transparency International. Não pondo em causa o rigor da investigação, devo dizer que dois por cento me parece pouco. É que basta olhar à nossa volta para se constatar que a realidade ultrapassa — e muito — esse número, e não me parece que a realidade que me rodeia seja diferente dos outros lados. Além disso, falamos de quê quando falamos de subornos? Do fulano altamente colocado a quem passamos um cheque com uma quantia pré-determinada? Do funcionário a quem mandamos um presunto lá a casa por nos ter resolvido um assunto complicado? Da conta do senhor doutor na mesa lá ao fundo? Ou das palmadas nas costas ao amigo ou conhecido antes de lhe pedirmos um favor? É bom sabermos do que falamos quando falamos de subornos. É que, se falamos de suborno em todas as suas variantes, quem nunca subornou que atire a primeira pedra.
Escassos dias após ter admitido a derrota num referendo que o manteria no poder por tempo indeterminado caso tivesse vencido, um gesto muito saudado pelos crentes na «revolução bolivariana», Hugo Chávez, o tal presidente que foi eleito, anunciou novo plebiscito com idêntico propósito. Claro que o presidente venezuelano não cometerá nenhuma ilegalidade caso avance para o acto que anuncia. Aliás, é sabido que o referendo é um instrumento democrático por excelência, e não me consta que na Venezuela haja limites ao seu uso. Assim sendo, nada impede que Chávez o use as vezes que achar necessário até alcançar o resultado que pretende. É que Chávez deve saber que não há nada mais difícil de combater que um ditador «legitimado» pelo povo.

6 de dezembro de 2007

«A Cordilheira dos Andes ergue suas torres de pedra. Nelas, durante séculos, bateram o vento e a chuva. Escorreu lava de vulcão. A neve cobriu tudo e depois desceu, rio veloz, até a planície. E o vento, sempre. Por aí passou Bolívar e seu Exército. Borba Gato e seu Exército. San Martín e seu Exército. As várias bandeiras, nas várias épocas, esfarrapadas. Os homens duros, empurrando os canhões molhados, fustigados pelo vento irredutível, pela chuva gelada, pela noite de mil cristais, pelas madrugadas de escarpas rubras, pelo pânico dos cavalos, pela solidão.» Tabajara Ruas, O Amor de Pedro por João

5 de dezembro de 2007

É possível que a democracia esteja doente, como disse um deputado comunista no Parlamento, mas não deixa de ser irónico o PC ralar-se com a democracia. Afinal, como já foi amplamente demonstrado em todo o lado, incluindo em Portugal, a primeira coisa que o PC faria caso o deixassem seria pôr fim à democracia. Pena é que haja quem não tome a sério a evidência.

3 de dezembro de 2007

É verdade que quem anda à chuva está sujeito a molhar-se. Mas arriscar uma manchete como a do Público, dando como certo um cenário ainda longe de se confirmar, é como jogar a roleta russa. Pedir desculpas pelo sucedido era, de facto, o mínimo que se impunha, mas as desculpas não apagam a péssima imagem que daí resultou.
Estranha Esquerda que precisa sair em defesa de Hugo Chávez e de tudo o que ele representa.