31 de julho de 2009

AI QUE ME DÓI AQUI. Cada vez me dá mais gozo ler o Alberto Gonçalves (Diário de Notícias e Sábado), que a passagem dos anos tem, na minha opinião, tornado como um certo produto que ali tenho que costumo ingerir após o jantar. Alberto Gonçalves tem tudo o que eu gostaria de ter: argumentos difíceis de rebater, ironia a roçar o sarcasmo, estilo. Espanta-me, por isso, a sobranceria com que o Pedro Rolo Duarte se refere ao Alberto Gonçalves, que considera um cronista que «escreve bem e chega a ter graça», mas que não passa de um Vasco Pulido Valente «dos pequeninos». Um comentário de um leitor ao post do Pedro insinua que o dito tem dor de corno. De facto, também me parece. Aliás, o Pedro é um caso interessante. Quando escrevia uma crónica no DN, disparou contra os jornalistas que escreviam nos blogues (e contra a blogosfera em geral), alegando não perceber os motivos que os levavam a descer tão baixo. Terminada a crónica no DN, apressou-se a fazer mea culpa, e a criar o seu próprio blogue. Como se vê, as ideias do Pedro, que agora dirige a revista do i, variam conforme as circunstâncias. Não são, portanto, para levar a sério.

30 de julho de 2009

LIVROS E SUPERMERCADOS. Volta e meia encontro referências pouco lisonjeiras para com a venda de livros em supermercados ou estabelecimentos congéneres. Pois também eu tenho um problema com os livros em supermercados e aparentados: considero que o espaço que lhes é destinado devia ter o triplo do tamanho. Acho, aliás, que devia haver livros em todo o lado — nos cafés, nas sapatarias, nas padarias, nos comboios, nas farmácias, por aí fora. Os livros não devem estar circunscritos às livrarias e bibliotecas. Pelo contrário. Quanto mais próximos dos consumidores, melhor. Melhor para quem os publica, melhor para quem os vende, melhor para quem os escreve, melhor para quem os lê.

28 de julho de 2009

O TROMPETE. Francisco Duarte Azevedo, cônsul-geral de Portugal em Newark já em final de missão, prepara-se para publicar O Trompete de Miles Davis, um belo romance ainda em fase de revisão — e que eu gostaria de ter escrito. Eis um excerto:

Falava português e não era portuguesa (Brunette, obviamente), falava cantando sem cantar, arrastando as palavras, abrindo vogais sem ser arrastadeira. Presa numa gaiola nem dourada nem de ferro, girava o corpo em tubo da noite, rendia que se fartava, mas não era ave que pudesse piar em seu próprio ninho. O homem dos ovos contava tudo direitinho. Cada poedeira tinha de render tanto. Impôs tabela fixa. Podiam fazer festa no quintal, não tinha problema, mas regressavam à capoeira para dormir. Brunette estava nesse entretém de ave. Se piasse fora, quebravam-lhe o bico. Consta que depois de adoptada como filha...
— Passou à condição de amante, disse eu.

— Como sabes?

— Não foste tu que disseste existirem pássaros que piam?


Não vou alongar-me em considerações sobre o livro (que já tive o privilégio de ler), muito menos entrar em detalhes. Direi, apenas, que é uma história cujo principal personagem é um detective mais talhado para o jazz e para os livros que para os mistérios do crime, e que na hora do aperto se revela, imaginem, um cagarolas. Arrisco, já agora, um palpite: ou muito me engano, ou o livro vai dar que falar.

27 de julho de 2009

NÃO PERCEBO. Qual é o problema de um partido político convidar quem muito bem lhe apetecer de outro partido a integrar as suas listas de deputados? Se bem entendi, não há problema se o convidado aceitar, mas já há se o convidado recusar. Foi isto o que disse o líder do Bloco. Segundo ele, situações destas são «uma prática frequente», e só não transpiram para a opinião pública «pelo facto de os convidados aceitarem os lugares». Pegando no caso que despoletou a polémica, se Joana Amaral Dias aceitasse o convite que os socialistas lhe terão feito, seria normal e nada se diria. Como não aceitou, é um escândalo e um desrespeito pelos «valores republicanos». Alguém me explica a lógica disto?
DIVINO (2). Frei Manuel Cardoso é um nome que nada dirá aos portugueses, mesmo a uma minoria reduzida de portugueses. Também eu não fazia ideia quem era o compositor seiscentista até que o Nuno Guerreiro me chamou a atenção para a sua obra magnificamente interpretada pelos Tallis Scholars, como se pode ver por este excerto.

24 de julho de 2009

OBAMA. Não sei se a polícia de Cambridge foi «estúpida» quando prendeu um professor de Harvard que terá forçado a entrada da sua própria casa por se ter esquecido das chaves, como disse o presidente Obama. O que me parece evidente é que Obama se excedeu ao dizer o que disse, ainda por cima admitindo desconhecer os detalhes do caso. Excedeu-se porque não se trata, apenas, de um aparente caso de violência policial, eventualmente desnecessária, mas de um caso que poderá ter contornos racistas, um tema que sabiamente soube afastar da campanha eleitoral. Percebe-se que Obama ande nervoso (as coisas não lhe têm corrido bem nas últimas semanas), mas não se espera de um presidente que perca a cabeça com um caso de polícia. Ficou-lhe bem assumir que as suas palavras foram infelizes, mas soube a pouco.
DONA BRANCA. Bem podem os media denunciar as burlas e respectivos burlões que os portugueses não desarmam: mal tenham oportunidade e um excedente orçamental, investem na Dona Branca. Ainda há pouco uma notícia dizia que centenas de portugueses perderam um milhão de euros num «investimento» que lhes prometia, imaginem, 36% de juros ao mês, e já outro se anuncia. Isto depois dos escândalos financeiros dos últimos meses, que aconselhariam maior prudência aos investidores. A ganância tenta qualquer um. Mas quando se alia à cegueira, não há nada que a detenha.
PORNOGRAFIA. Que os tablóides se agarrem a Berlusconi como uma lapa se agarra a uma rocha, entende-se. Mas já me custa entender que o jornalismo dito de referência esteja em cima dele (salvo seja) por causa das meninas e programas afins. Qual é o problema de Berlusconi promover orgias e outros pecados? Usou bens públicos para os concretizar? Se usou, denunciem-no, processem-no, e punam-no. Espreitar pelo buraco da fechadura os aparentes excessos do sujeito é tão pornográfico como a pornografia de que o sujeito será praticante imoderado, e quando o voyeur é o chamado jornalismo de referência só pode merecer que lhe percam o respeito. A NBC recusou um pedido da Casa Banca para mudar a hora em que aquela estação pretendia transmitir a entrevista com a estouvada de voz divina, porque os seus responsáveis consideraram que a entrevista iria bater recordes de audiência caso fosse transmitida à hora prevista. O resultado é conhecido: tirando o episódio Obama, que resolveu antecipar uma comunicação ao país para não coincidir com a entrevista à sra. Boyle, a entrevista foi vista por uma audiência vinte vezes inferior ao esperado, isto é, foi um fiasco para os padrões americanos. O chamado jornalismo de referência devia aprender alguma coisa com isto.

22 de julho de 2009



DIVINO (1). Pierluigi da Palestrina pode não ser um compositor que mudou a história da música, e não passar de um bom músico entre muitos outros bons músicos. Mas é um compositor que me reconcilia com o mundo, e isso não é pouco. Não será por acaso que dele se diz ter produzido obras-primas de «perfeição absoluta», e eu conheço algumas. Sei que me contradigo (sou agnóstico), mas não hesito em dizer que a música de Palestrina é divina. Como esta, por exemplo, pelos Tallis Scholars.

21 de julho de 2009

LIVRARIAS DE MANHATTAN. Lido um texto do Alberto Gonçalves onde ele fala das livrarias de Manhattan, apetece-me recomendar-lhe a Alabaster e o Skyline (ambos alfarrabistas, o primeiro a dois passos da Strand e o segundo pertíssimo da loja principal da Barnes & Noble), a Book Culture (mesmo ao pé do comedouro celebrizado por Seinfeld), a Saint Marks (praticamente encostada à New York University), a Complete Traveller (na Madison, entre as ruas 34 e 35), e alguns alfarrabistas que nos últimos anos se mudaram de Manhattan para Brooklyn por não aguentarem os custos de viver em Manhattan. Isto sem falar da Strand, que o Alberto mencionou, e que é, em Manhattan, a minha preferida. Se estiver disposto a dar um salto até New Jersey, isto é, a fazer um desvio de pouco mais de meia hora, recomendo-lhe o Montclair Book Center (atenção à cave, de que só me apercebi para aí à terceira visita), um alfarrabista de se lhe tirar o chapéu.

20 de julho de 2009

AI DOURO. Depois da célebre campanha «Allgarve», destinada a vender não sei o quê a não sei quem, vem aí o «I Douro You». Leram bem: «I Douro You». Deve ser por causa de decisões como esta que já se anuncia, para este ano, uma redução na produção de vinho do Porto (menos 13.500 pipas que no ano passado). De facto, se esta gente não é capaz de vender um produto de excelência como é o vinho do Porto, como acreditar que serão capazes de «vender» toda uma região com uma saloiice destas?

17 de julho de 2009

TRETOFONIA. Quem vê, na TV, os Jogos da Lusofonia? A avaliar pelas horas de directos que a televisão pública lhes dá, parece que muita gente. Os estádios às moscas e os ginásios sem vivalma, que as câmaras nem sempre conseguem esconder, não são, pelos vistos, o que parece. Vicente Moura, presidente do Comité Olímpico português, garante que se está «a construir um projecto importante» que «ainda não foi bem compreendido no país». De facto, não se percebe. Eu próprio gostaria de saber, por exemplo, quanto é que o «projecto» custou aos cofres públicos, e que audiência tem na RTP.
AMEAÇAS. Que me perdoem se estiver enganado, mas a história de um escritor português que decidiu adiar a publicação de um romance que tem o Islão como pano de fundo por alegadas ameaças de morte, ontem contada no Público e motivo para um comunicado da editora, soa-me a uma jogada de marketing. (Vale a pena ler a notícia do Público sobre a matéria e prestar atenção às dúvidas que ela levanta.)
QUEIMAR CALORIAS. Ora aqui está uma boa receita para emagrecer e sem efeitos secundários — ou com efeitos secundários ainda melhores que os primários.
JOÃO PEREIRA COUTINHO NO CORREIO DA MANHÃ. Aceitar [na Constituição] ideologias totalitárias em nome da 'democracia' e da 'liberdade' é como aceitar a raposa no interior do galinheiro.

16 de julho de 2009

AGRADECIMENTO. O contador do Esmaltes e Jóias disparou, nos últimos dias, para números impensáveis. Ainda pensei tratar-se de algum disparate que eu tivesse publicado, mas reli os últimos posts e não me pareceu caso para tanto. Uma volta pelos blogues do costume revelou-me o motivo: o Francisco fez uma referência a este blogue, e sempre que isso sucede os acessos sobem em flecha. Escusado será dizer que lhe agradeço a referência e a simpatia. Conto, já agora, que os forasteiros que me visitaram encontrem motivo para voltar.
MIA COUTO. O Jesusalém, de Mia Couto, continua a fazer vítimas. Desta vez foi o DN, que lhe chamou Jerusalém. (Tentei, no site do jornal, fazer um comentário a dar conta do erro, mas constatei que era necessário inscrever-se para o poder fazer. Feita a inscrição, uma mensagem informou-me que iria receber a confirmação por mail, após a qual o processo ficaria concluído. Passaram dez horas e nada recebi.)
ESCOLHA O QUE MAIS LHE CONVÉM. «Jornais recuperam leitores este ano», titula o Público (sem link). «Queda generalizada de leitores no segmento dos jornais diários», titula o DN.

15 de julho de 2009

PACHECO PEREIRA. Andam para aí umas donzelas muito irritadas com Pacheco Pereira por causa do novíssimo programa na SIC (Ponto Contra Ponto), mas ainda não vi quem rebatesse um só caso lá abordado. O problema, pelos vistos, é Pacheco Pereira meter o nariz onde não devia, no caso questionar o desempenho de uma classe (os jornalistas) muito susceptível e pouco habituada a críticas, e que tem o poder (e os meios) de se defender como ninguém. Contra mim falo, mas eu cá prefiro que me questionem o trabalho às falsas palmadinhas nas costas. Prefiro uma crítica injusta mas fundamentada a um elogio simpático mas pouco rigoroso. Não sei se é o caso de Pacheco Pereira, nem isso me interessa. Mas já me interessava que o criticassem com argumentos, até porque me chateia que a ausência dos ditos nas críticas que lhe fazem signifique que ele tem, de facto, razão.
SE ELE O DIZ... «Inqualificável», disse ele.
NÃO PERCEBO. Tendo assistido a alguns programas na TVI (Roda Livre) e lida a entrevista ao i, afinal Villaverde Cabral é de esquerda em quê?

14 de julho de 2009

JUSTIÇA NÃO MERECE RESPEITO. Não me passa pela cabeça que Isaltino Morais tenha abandonado o tribunal onde está a ser julgado por se ter irritado com um procurador sem que exista uma lei que lho permita. Sair do tribunal apenas porque a juíza o autorizou, como já ouvi por aí, parece-me demasiado absurdo para ser verdade. Diria mais: a confirmar-se, seria surrealista. Com certeza que se o arguido fosse um pobretanas não se gabaria de semelhante proeza, mesmo que a lei lho permitisse, e até nem é preciso grande imaginação para ver a juíza a rir-se da esperteza do arguido caso este lhe pedisse licença para se ausentar da sala de audiência para, imaginem, não ter que ser «malcriado», como fez Isaltino Morais. Assim sendo, estamos, portanto, diante mais um caso já bem nosso conhecido: há uma justiça para ricos, e outra para pobres — ou, se preferirem, uma justiça para os poderosos, e outra para o cidadão comum. Como, aliás, a recente operação policial contra o Gangue do Multibanco muito bem demonstrou. Fossem as buscas a bancos, escritórios de advogados ou a casas de políticos e familiares de políticos, como foi dito em editorial na Sábado, e as televisões não teriam exibido as imagens que exibiram, muito menos com a conivência das autoridades.
BLOGUES. Duas notícias da blogosfera, uma boa, outra má. A boa é que o Francisco voltou; a má é que o Filipe Nunes Vicente vai parar até final de Agosto.

13 de julho de 2009

MAIS ALFARRABISTAS. Fathers and Sons: The Autobiography of a Family, de Alexander Waugh, nove dólares; A Writer's Diary: Being Extracts from the Diary of Virginia Woolf, de Virginia Woolf, um dólar e oitenta; The Lawless Roads, de Graham Greene, um dólar. Eis a mais recente colheita num alfarrabista que acabo de descobrir graças ao Francisco Duarte Azevedo, cônsul-geral de Portugal em Newark, que se gabou de lá ter comprado um Hemingway por meia dúzia de patacos. Nas quase duas horas que por lá andei entre as estantes ouvia-se, em fundo, não sei que ópera, tornando o local ainda mais agradável. Voltarei um dia destes.

10 de julho de 2009

CARREIRAS POLÍTICAS (2). A deputada Ana Gomes insiste no que julga ser uma lógica implacável e um argumento irrefutável: foi candidata ao Parlamento Europeu, mas os eleitores sabiam de antemão que renunciará ao mandato de eurodeputada caso seja eleita presidente da Câmara de Sintra. Acontece que a «honestidade» e «transparência» com que diz ter actuado não bastam para esconder o óbvio. E o óbvio é que a candidatura ao PE foi, no mínimo, um expediente pouco recomendável, e eticamente reprovável. Os eleitores sabiam que ela abandonará o PE caso seja eleita para Sintra? Também Ana Gomes sabia que os eleitores votariam, nas Europeias, no partido por quem se candidatou, e não especificamente nela. A eurodeputada sabia, portanto, que seria eleita, acontecesse o que acontecesse, apreciassem ou não a sua conduta. Resta esperar que nas autárquicas tenha aquilo que merece.
Este vai longe

8 de julho de 2009

CARREIRAS POLÍTICAS (1). Dizendo que alguns deputados «em início de carreira» não estariam dispostos a assumir outros combates políticos caso soubessem que poriam em risco «a carreira que já tinham iniciado», a deputada Leonor Coutinho transformou-se, involuntariamente, no símbolo de uma certa forma de estar na política, provavelmente a forma de estar na política da maioria dos seus protagonistas. E a forma, como se vê, é demasiado evidente: os políticos vêem as suas funções como uma carreira, que é necessário preservar a todo o custo. Bem pode Manuel Alegre jurar que a proibição de candidaturas simultâneas agora anunciada pelo PS é uma «atitude pedagógica exemplar». É uma medida que se saúda, mas não muda o essencial.
PORTUGAL DOS PEQUENINOS. Depois de Saramago, que resolveu emigrar para as Canárias, e de Maria João Pires, que se mandou para o Brasil, eis que Miguel Sousa Tavares se prepara, também ele, para abandonar a Pátria. Devo dizer que também eu abandonei, há muito, a dita. Como eles, por causa do estômago. A diferença é que eles saíram enfastiados, e eu com ele vazio.

7 de julho de 2009

BOA MÚSICA. Michael Jackson foi tudo o que dele se disse, sobretudo o que de pouco abonatório se disse. Mas também é preciso que se diga que Michael Jackson fez músicas excelentes. Como esta, por exemplo, que Miles Davis recriou para escândalo de muitos. (Vejam a segunda parte aqui.)

6 de julho de 2009

JUSTIÇA PARA POBRES, JUSTIÇA PARA RICOS. Oitenta e dois por cento dos inquiridos num estudo agora publicado considera que a justiça não trata ricos e pobres de forma igual, e a maioria dos entrevistados não lhe passa pela cabeça recorrer aos tribunais para defender os seus direitos por não acreditarem nos tribunais. De facto, a coisa é de tal modo evidente que não eram precisos estudos para o demonstrar. Deviam, agora, fazer um estudo para saber em que é que os portugueses realmente acreditam. Não estou a brincar. Um país que não acredita na justiça, acredita em quê?
JORNAL DA MADEIRA. O mais extraordinário da notícia que nos dá conta que o Governo de Jardim estourou 23,4 milhões no Jornal da Madeira é constatar-se que a coisa já nem merece reparo, muito menos indignação, e ainda menos acções que ponham fim àquela pouca vergonha.
GLORIOSO. Queiramos, ou não, 92% dos votos é obra. Além de fazer lembrar os resultados das eleições em alguns regimes pouco recomendáveis, tanta unanimidade numa casa que nos últimos anos se distinguiu pela mediocridade não deixa de ser extraordinário.
O BURACO D'AGULHA. O meu amigo Rui regressou à blogosfera, agora num registo diferente.

2 de julho de 2009

CHIFRES E BENGALADAS. Estava o país suspenso da conferência de imprensa onde o sr. Vilarinho iria anunciar o futuro do glorioso, e eis que o já ex-ministro Manuel Pinho resolve pôr um par de chifres na cabeça do sr. Bernardino e provocar um abalo na Pátria. O episódio fez-me lembrar um texto notável de Eça de Queirós, que transcrevo sem mais demoras.

Tumultos no Parlamento

Julho 1871.

Escrevemos no primeiro número das
Farpas: «As sessões da Câmara não têm seriedade. Aí reinam o tumulto, a confusão..., etc.»

Uma nova justificação desta verdade apareceu na sessão do dia 29.


O sr. presidente do Conselho falava. Houve um momento em que S. Exª, ou cometeu um erro de gramática, segundo o dizer de alguns jornais, ou arremessou desdenhosamente à circulação a eloquente palavra
bomba, segundo a afirmação de outros. O facto é que a maioria entendeu que a melhor maneira de manifestar ao sr. presidente do Conselho que não tinha confiança na sua política, era apupá-lo! E a Pátria deve agradecer aos senhores deputados que eles não lhe tivessem dado bengaladas!

Então o sr. presidente, a título de esclarecimento, perguntou timidamente se se achava numa praça pública. Pergunta excessivamente ociosa. Numa praça nunca há nem aqueles gritos, nem aqueles tumultos — porque a polícia intervém e faz evacuar a praça. Impunemente, ao abrigo das instituições, sem ingerência policial — uma assuada só se pode dar na Câmara dos Deputados. Em mais nenhuma parte é permitido, pelos regulamentos da polícia, ser-se tão excessivamente trocista. O caso é que a maioria, para provar ao sr. presidente que se considerava ofendida com a designação de
praça, rompeu num alarido tal como não é uso fazer-se na praça de touros — tudo para demonstrar bem claramente que não estava ali um grupo de moços de forcado, mas um corpo de legisladores. A palavra patife fez então pela primeira vez a sua entrada na Câmara e tomou assento. Foi também então que o sr. presidente do Conselho, em compensação, mandou o epíteto malcriados a cumprimentar e abraçar os eleitos do País.

A assuada, o motim, o chasco, o charivari, cresceram tão constitucionalmente que o Sr. Aires de Gouveia, eclesiástico, teve de enterrar na cabeça o seu chapéu alto. A este gesto, cheio de dedicação nacional, a tempestade evacuou a sala. Diz-se que alguns srs. deputados foram cumprimentados à saída pelos melhores frequentadores do sol na praça do Campo de Santana, que se achavam presentes. As galerias permaneceram impassíveis. Tal foi esta memorável sessão, em que a altura das ideias competiu com o vigor da eloquência!


Parece pois definitivo que o Parlamento decidiu adoptar o motim e a assuada como a forma parlamentar dos seus trabalhos. Vistes, amigos, a sessão de 29 de Junho. Quereis assistir à de 29 de Julho? Aí tendes o seu fiel extracto:


O ORADOR
(concluindo): — E foi assim, sr. presidente, que se passaram os factos.

O SR. LUCIANO DE CASTRO
(interrompendo com grandes punhadas na mesa): — O ilustre deputado diz uma refinadíssima peta...

Vozes
: — Apoiado, apoiado!

O ORADOR
(voltando-se e desabotoando o colete): — Petas? oh! descarado! (apoiado, apoiado). Eu, sr. presidente, não posso consentir que esse biltre entre no meu foro interior!

Vozes
: — Fora, fora!

O SR. COELHO DO AMARAL
(espancando com dignidade o Sr. Barros e Cunha): — E assim provo, sr. presidente, que o Sr. Barros e Cunha não tem razão alguma nos princípios que estabeleceu.

O SR. MARIANO DE CARVALHO: — Mas a ditadura foi nefasta! E não há mariola nenhum que me demonstre o contrário...
(acende o cigarro).

O SR. COELHO DO AMARAL
(continuando o espancamento): — Não me interrompam o discurso! Não me interrompam!

O SR. PRESIDENTE
(aos Srs. Mariano e Santos Silva): — Os senhores não têm direito a interromper sovas que o regimento garante (berreiro).

O SR. PRESIDENTE DO CONSELHO: — A Câmara está-se sepultando na mais profunda abjecção!


(O sr. presidente do Conselho sucumbe, sob uma chuva de bengaladas).


O SR. JOSÉ DIAS
(batendo com a bengala sobre a mesa, a um continuo): — Dois cafés! Um cabaz!

Vozes (atravessando o corpo legislativo)
: — Salta meia de Colares!

O SR. PINHEIRO CHAGAS
(deitado, com ar melancólico):

«Oh virgem pálida e triste

Branca visão doutros Céus!»


O SR. AIRES DE GOUVEIA: — O que diz ele?


Vozes
: — Ele cisma! Ele cisma!

A oposição atira cebolas ao Sr. Pinheiro Chagas. Alguns senhores deputados grunhem obscenidades, que o ruído impediu que chegassem à mesa dos taquígrafos.


O ORADOR: — A Câmara não quer escutar-me? Pois bem, eu passo a outros argumentos...
(Distribui bengaladas).

Tumulto. O sr. presidente atira a campainha à cara da maioria, e o tinteiro aos queixes da oposição. Alguns senhores deputados miam de gato. O Sr. Santos e Silva, no auge da sua indignação, dá cambalhotas. O Sr. Luís de Campos espalha uma prodigiosa quantidade de pontapés.


O SR. PRESIDENTE: — Para amanhã continua esta interessante discussão.


A Câmara sai correndo, gritando, rebolando pelas escadas abaixo.


Os contínuos levantam as garrafas de
Colares.

A política chegou a tal miséria, que nem a polidez instintiva coíbe os homens.


Eça de Queirós, As Farpas
DA INGENUIDADE. Dias Loureiro diz que só ontem, após ter sido constituído arguido por suspeita de envolvimento em negócios pouco claros do Banco Português de Negócios, percebeu «alguns contornos do negócio da Biometrics» que dantes lhe «passaram completamente ao lado». Pois eu era capaz de jurar que os portugueses perceberam, há muito, uma coisa: ingénuo é que Dias Loureiro não é.
MANUELA vs GRANADEIRO. Saborosa a troca de acusações entre Manuela Ferreira Leite e Henrique Granadeiro a propósito do abortado negócio entre a PT e a Media Capital. É bom não esquecermos que nenhum dos partidos do «arco do poder» está isento de culpas quando acusa o outro de controlar os media uma vez no Governo, e também é bom que se saiba que o Governo, seja ele qual for, meteu o nariz onde não devia e com que intenção. Com certeza que nada disto desvaloriza a aparente tentativa do Governo de Sócrates em controlar a linha editorial da TVI, mas convenhamos que nem o PS nem o PSD têm autoridade moral para acusar quem quer que seja.

1 de julho de 2009

MEDIA. Passado o episódio Portugal Telecom/Media Capital, a propósito do qual já foi dito o que havia a dizer, há que dizer que a concentração dos media em meia dúzia de empresas não interessa a ninguém. Tirando as empresas do sector, a concentração dos media não interessa aos consumidores (leitores, ouvintes, telespectadores), não interessa ao jornalismo, não interessa à democracia. A concretizar-se a compra da Media Capital pela Cofina (vale a pena lembrar que a Cofina ainda há dias fez saber que está interessada na Media Capital), talvez seja pior que o controlo da Media Capital pela PT, mesmo sabendo-se o que significa o controlo da Media Capital pela PT. Os media portugueses já estão concentrados em demasia, e um negócio do género Cofina/Media Capital ainda traria mais concentração. Independentemente de quem está no poder (hoje um, amanhã outro), não hesitaria em escolher a PT como «patrão» da Media Capital caso fosse obrigado a escolher, embora o ideal seria que as coisas continuem como estão.
COMO É? O PS tem razões para se queixar à ERC do novo programa de Pacheco Pereira?