O meu sobrinho Luís contou-me este Verão uma história deliciosa, daquelas de fazer corar o mais liberal fundamentalista. Um amigo dele (vinte anos e picos) deu cabo de alguns ossos num desastrado salto à vara. Levado para o hospital, o médico que lhe viu os primeiros raios X fez cara de poucos amigos. Mandou preparar o bloco operatório e murmurou entre dentes qualquer coisa como: "Só a mim é que me calham destas." O pronome demonstrava claramente uma fractura arrevesada.
Depois, virou-se para o lesionado e perguntou-lhe sibilino: "Não fuma, pois não?" "Nunca fumei um cigarro na vida, senhor doutor", respondeu, em auto-estima, o jovem atleta. "Já calculava", grunhiu o médico, enquanto a maca atravessava a enfermaria no seu inexorável caminho para o teatro de operações. "Também não bebe, pois não?", tornou o clínico, com um tom de voz crescentemente áspero. "É muito raro", disse o jovem, "algumas festas, alguns dias de anos." "Pois, pois. Do que gosta mesmo é de desporto, ar livre e musculação, não é?", interrogou o médico, agora quase ríspido. Aflito com dores, mas controlando-se bem, o padecente sorriu com enlevo e confirmou a nobre paixão pelo desporto a que consagrava todos os fins-de-semana.
Foi aí que o clínico explodiu. Apontando-lhe as camas cheias de corpos envolvidos em ligaduras, com braços e pernas suspensos de arames, disse-lhe mal dominando a voz. "Não fuma, não bebe e faz muito desporto. Corpo são em mente sã, não é? Pois olhe bem esses todos que estão para aí. Também não fumavam nem bebiam e só praticavam desporto todos os santos fins-de-semana. Olhe bem para eles e continue. Saltos aparatosos, nada de cigarros, nada de álcool!..." À entrada da sala de operações ainda foi mais explícito: "Fumem, bebam, mas não me caiam para aí todos os dias com essa maldita mania do desporto que enche mil vezes mais os hospitais do que o tabaco ou os copos!" João Bénard da Costa, Público