28 de julho de 2006
Incomoda-me que se manipulem os dados de modo a encaixarem-se na ideia que mais nos convém e que se minta descaradamente com o mesmo propósito, mas há uma coisa que me choca: que se chorem as vítimas de um lado, e se ignorem do outro. Falo de vítimas inocentes, dos que nada fizeram para merecer um fim violento, embora a morte de um soldado possa ser uma tragédia. E, já que falo de vítimas, seria bom saber do que se fala quando se fala de vítimas civis no Líbano. Não terá morrido ninguém do Hezbollah? A pergunta pode parecer disparatada, mas ainda não vi quem nos dissesse quantos militantes do Hezbollah há entre as vítimas. Eu sei, eu sei. Dá mais jeito metê-las a todas no mesmo saco, e fazer passar a ideia de que são todas civis. Civis inocentes, é claro, porque quando se fala de civis pressupõe-se que se fala de gente inocente. Coisa que, no Líbano, não é bem assim.
João Morgado Fernandes acha «absurdo e auto-menorizante do ponto de vista intelectual» o «debate que por aí anda sobre judeus e anti-semitismo», que só está interessado num debate «franco» e «aberto», que está acima dessas menoridades. Mas, depois, sai-se com esta: «(...) acho espantoso que um país que começou uma guerra por causa do rapto de um soldado (lembram-se?) liquide quatro representantes da ONU nas circunstâncias específicas em que o fez». Ora, se isto é ser sério (ou estimulante do ponto de vista intelectual), eu vou ali e já venho.
Acusado de estar a ser condescendente com os regimes sírio e iraniano, Eduardo Prado Coelho respondeu no Público de hoje: «(…) considero o Irão uma sociedade política odiosa, dirigida por um verdadeiro psicopata, cujo extermínio seria um bem para a humanidade e um assinalável contributo para um horizonte de paz.» Extermínio de Mahmud Ahmadinejad? Foi isso mesmo o que ele disse.
26 de julho de 2006
Qualquer pessoa medianamente inteligente e minimamente distanciada do conflito que opõe Israel ao Hezbollah percebeu que a morte dos quatro observadores da ONU durante um bombardeamento israelita no sul do Líbano foi um acidente (ou um erro). Um acidente trágico, um acidente terrível, um acidente lamentável, mas um acidente. Por mais que se tente pintar a coisa de outra maneira, os factos apontam nesse sentido. Dizer-se, por isso, que o bombardeamento visou os observadores «de forma deliberada», como declarou Kofi Annan, ou que os «ataques contra pessoal da ONU são inaceitáveis», como disse a União Europeia (pretendendo fazer crer que foram propositados), é vergonhoso e irresponsável. Que, perante um caso desta natureza, os aldrabões do costume saiam à rua a dizer coisas destas, entende-se. Mas já não se compreende que instituições que tudo deviam fazer para pôr fim ao conflito abram a boca para dizerem asneiras (nada inocentes, obviamente) e deitar ainda mais lenha na fogueira.
21 de julho de 2006
Qualquer pessoa medianamente informada sobre o conflito em curso sabe que não é possível atacar o Hezbollah sem provocar vítimas inocentes. Se as vítimas inocentes são, por regra, consequência de todas as guerras, no caso em apreço, em que os militantes do Hezbollah se misturam com a população, ainda são mais difíceis de evitar. Afirmar-se, por isso, que Israel está a atacar alvos civis e a matar inocentes, fazendo passar a ideia de que o faz propositadamente, só por ignorância ou má-fé. Compreende-se que haja quem tome partido, mesmo quem tome partido recusando-se a ver o que não lhe convém, mas quem mente descaradamente para fazer valer os seus pontos de vista é porque não tem argumentos que cheguem. Razões de sobra para não merecerem credibilidade, e ainda menos respeito.
19 de julho de 2006
Vital Moreira acha que, com a intervenção militar no Líbano, Israel está a praticar terrorismo de Estado, como achou terrorismo de Estado sempre que Israel resolveu defender-se. Pelo contrário, a captura de dois soldados israelitas pelo Hezbollah não pode ser considerado um acto terrorista, como não são actos terroristas os atentados contra civis inocentes cometidos por «mártires» do Hamas e demais tropa fandanga. Sobre o facto de o Hezbollah advogar o fim do Estado de Israel e de ter provocado o conflito em curso, nem uma palavra. Aliás, não me surpreenderia que Vital Moreira também ache que Israel devia ser «varrido do mapa», embora já me espantaria que tivesse coragem de o assumir. É que, quando fala de um Estado Palestiniano independente, Vital Moreira não ignorará que Israel é o único realmente interessado nesse cenário, pois os movimentos palestinianos ditos moderados dizem que sim mas agem com os mesmos propósitos dos radicais: varrer Israel do mapa. Só não vê quem não quer, ou quem vê com bons olhos esse caminho.
17 de julho de 2006
Como seria de esperar, a reacção de Israel face à captura de dois soldados das suas fileiras mereceu críticas da malta do costume, desta vez alegando que Israel reagiu de forma «desproporcionada». Que o problema tenha surgido após a captura, pelo Hezbollah, de dois soldados israelitas (que se recusa a libertar), não tem importância. Importante é a forma «desproporcionada» como Israel reagiu à provocação, o que põe a questão de saber o que seria, para eles, uma reacção razoável. Infelizmente não há quem responda a esta questão, mas adivinha-se que dois soldados israelitas valham pouco. É por estas e por outras que as coisas vão de mal a pior.
Obviamente que o desabafo de George W. Bush com Tony Blair teve muita graça. Muita graça e, ao que parece, tornou-se um acontecimento — ou um não acontecimento, uma variante hoje muito em voga. É claro que o facto de o desabafo ter sido captado em circunstância susceptível de levantar dúvidas do ponto de vista ético, é um pormenor sem importância. Importante é que Bush foi apanhado com a boca no trombone, e até ouvi quem dissesse que o facto de a cena não passar mais vezes na TV só pode ser devido a censura. Escusado será lembrar que os reality shows se popularizaram devido a situações deste tipo, embora com uma diferença: os intervenientes sabem que estão a ser vistos ou ouvidos.
13 de julho de 2006
Pacheco Pereira defendeu, no Público, que «o futebol é apenas ilusão, não tábua de salvação». E acrescentou: «o mundo à nossa volta é o do fecho da GM na Azambuja e não se resolve a pontapé na bola». E disse ainda: «o que torna o futebol muito mais do que futebol é o seu poderoso ingrediente de escapismo, a última coisa de que precisamos em Portugal nos dias de hoje». Escusado será dizer que discordo dos pressupostos de Pacheco Pereira, por razões já aqui invocadas e que não vou repetir. Quem está à espera que o futebol seja a «tábua de salvação» dos problemas da Pátria? Quem acha que o problema da GM se resolve «a pontapé na bola»? Que mal tem o «escapismo»? Qual é o problema de vibrar com os feitos da bola e por momentos esquecer as tristezas diárias? O que haverá de tão nocivo no entusiasmo pela selecção portuguesa que ninguém é capaz de explicar de forma que se entenda? Qual é o problema de Pacheco Pereira?
12 de julho de 2006
Não sei o que levou Zidane a dar uma cabeça em Materazzi. Por junto, tudo o que conheço sobre o caso são as justificações de um e de outro, o que é muito pouco. Mas os factos chegam e sobejam para concluir que há um só culpado neste episódio. Chama-se Zidane, e pela simples razão de que o jogador não soube controlar-se e evitar o que, provavelmente, o adversário pretendia. E nada me impede, também, de achar que Zidane foi o melhor jogador do Mundial, tal como foi designado pela FIFA, embora a FIFA o tenha decidido antes de ser conhecido o episódio da cabeçada e já admita retirar-lhe o título. É que, com cabeçada ou sem ela, o francês demonstrou dentro do campo que era ele quem merecia o título, e só não viu quem não quis — ou quem não consegue ver além do umbigo. Mas há uma coisa que não percebo: por que razão se há-de exigir a uma estrela da bola um comportamento exemplar? Porque o comportamento de uma estrela da bola tende a ser copiado por muita gente, nomeadamente pelos mais vulneráveis? Compreende-se, mas parece-me insensato esperar que as estrelas se comportem fora do campo como dentro dele — e pedir demasiado. Afinal, tirando um ou outro, os jogadores não foram ensinados a comportar-se nos salões e a usar a gramática, a evitar os palavrões e coçar as partes em público. Gostemos ou não da ideia, as coisas são o que são — e, no caso, não temos o direito de exigir que sejam de outra maneira.
10 de julho de 2006
O presidente da Câmara do Porto resolveu publicar um artigo no DN para explicar o acordo entre a autarquia portuense e a comunicação social local. Segundo ele, o episódio foi mal contado pelos jornais, pelo que havia que repor a verdade. E que verdade era essa que os jornais deturparam? A restrição confinou-se «a não criticar a câmara apenas no âmbito do que, por ela, é apoiado», disse Rui Rio. E acrescentou: a Câmara «aceita a crítica em tudo menos naquilo que é objecto de acordo» e que foi «por ambas as partes assinado». Como se vê, o autarca limitou-se a repetir o que os jornais já tinham dito — e que toda a gente já tinha percebido. Se não, vejamos: o que significa não criticar a Câmara no âmbito do que por ela é apoiado? E o que quer dizer quando diz que não se aceita a crítica naquilo que previamente foi acordado? Não será isto chantagem sobre a imprensa local? Não será isto censura pura e dura? Que outra leitura pode isto ter que não seja a que foi feita?
7 de julho de 2006
«Hay libros — la gran mayoría — horrendos. Pero nadie está obligado a leerlos. He llegado, incluso, a arrojar algunos por la ventana de mi casa. Llegué a tener una denuncia por haber derribado a un honrado transeúnte sobre el que cayeron las obras completas de varios autores.» Enrique Vila-Matas, Clarín
O que mais incomoda nas aparentes negociatas entre as câmaras do Porto e de Gaia e a comunicação social local, que prevêem que as autarquias em causa apenas concedam subsídios ou publicidade institucional a quem se portar bem, é o facto de a comunicação social local ter aceite as condições impostas pelos autarcas. Se é condenável a atitude das câmaras do Porto e de Gaia, é inaceitável a cedência da comunicação social. Bem sei que há o pormenor do pilim, sem o qual a comunicação social local dificilmente sobreviverá. Mas se a comunicação social local não consegue sobreviver sem subsídios municipais ou publicidade institucional, mais vale que se cale para sempre.
5 de julho de 2006
Com a possível excepção de Pacheco Pereira, estamos — todos — com uma ressaca danada. Toda a gente sabia que já fizemos figura ao chegar onde chegámos, mas não houve quem não acreditasse que podíamos ir mais além. Um penalty duvidoso (contra nós) e outro claríssimo (contra eles) deitaram tudo a perder, mas boas desculpas não transformam derrotas em vitórias. De maneira que me quedo por aqui.
Percebe-se que o Carlos Abreu Amorim não goste — nem tenha de gostar — de Scolari, embora as razões invocadas sejam de difícil compreensão. Mas já não se percebe que se insurja contra o que ele designa por teorias da conspiração e se socorra, também ele, de teorias da conspiração para defender a sua ideia — e ainda menos que se faça de vítima.
3 de julho de 2006
A chamada de atenção vai um pouco tarde, mas ainda deve haver quem não tenha lido A imprensa sem alma.
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