5 de maio de 2011

DA VIDA SAUDÁVEL. Sigmund Freud fez questão de manter o hábito de fumar vinte charutos por dia mesmo depois de saber que tinha um cancro, e todos conheciam a sua dependência da cocaína e o namoro com uma cunhada. Truman Capote e William Faulkner morreram alcoólicos. Van Gogh bebia demais. Hemingway, além de alcoólico, era aldrabão. Gauguin seria pedófilo pelos padrões de hoje. Rousseau abandonou os cinco filhos logo à nascença. Naipaul forçou a amante a abortar. Mailer esfaqueou a mulher. Arthur Miller rejeitou o filho deficiente. O que há de comum entre Wagner, Heidegger, Hamsun e Richard Strauss? Eram, todos, nazis, ou simpatizavam com o nazismo. Céline apoiou a ocupação de França pelo regime nazi e defendia a inferioridade dos judeus. Karajan não hesitou em inscrever-se no Partido Nazi para subir na vida. Borges foi condecorado por Pinochet. Pound apoiou o regime de Mussolini. Sartre defendeu o estalinismo. Foucalt simpatizava com o Irão de Khomeini. Dalí apoiou o ditador Franco, e contratou assistentes para lhe pintarem centenas de obras que depois assinava e vendia como suas. Muitíssimos outros criadores (escritores, artistas plásticos, músicos, cineastas, etc.) houve cujo legado se tornou referência nas artes, nas letras e nas ideias cujos modos de vida não se recomendam. Perguntar-me-ão a que propósito vem tudo isto. Vem a propósito dos tempos politicamente correctos em que vivemos, que pretendem catar as «impurezas» das biografias dos mortos e «limpar» a cabeça dos vivos. Ficaremos sem nada «se tirarmos os filhos da puta da literatura e da pintura», dizia, há pouco, Miguel Esteves Cardoso. De facto, é pena que nem todos vejam a evidência. É que um só destes filhos da puta tem mais a ensinar-nos que todos os outros que por aí andam a pregar as virtudes do corpo e da alma, verdadeiros fascistas do politicamente correcto, que ainda hão-de fazer com que os médicos recusem tratar-nos por consumirmos sal em excesso e com que as seguradoras recusem pagar-nos os tratamentos por ingerirmos produtos cujo mal que fazem não estamos dispostos a trocar pelo bem que sabem, prática hoje intolerável para essa cambada, a quem sinceramente desejo que morra saudável.