14 de fevereiro de 2012
AGUENTA QUE É SERVIÇO. Pergunto-lhe como vão as coisas por ter de falar sem nada que me ocorra, e o sujeito desata a crescer, a crescer, a encher os pulmões — e a seguir despeja-me em cima um arrazoado que logo desisti de ouvir para lhe observar os danos colaterais que um olho matreiro no mais leve movimento das catraias ao balcão não conseguia esconder. Citou Nietzsche mal e a despropósito, embrulhou-se numa teoria do bem-estar que dizia praticar mas claramente não praticava, meteu os pés pelas mãos vezes sem conta, e concluiu o «raciocínio» a barafustar contra «os filhos da puta que nos governam». Terminou o monólogo a segredar-me o que fazia àquela pequena se ela deixasse, e a pequena a perceber que o sujeito falava dela e não devia ser coisa boa. Às vezes, quando o acaso nos junta, descreve-me as proezas sexuais que diz ter praticado ainda ontem mas obviamente não praticou, nem sequer o «papai e mamãe», como diriam as brasileiras que tanto lhe incendeiam a libido. Tudo dito com uma convicção tal que chega a parecer-me que acredita nas suas próprias mentiras, mesmo depois de ajuntar um ou outro detalhe à história que só lha enfraquece. Mas ninguém é perfeito, como ele costuma dizer, embora a modéstia não seja o seu forte.