MOMENTO VALTER HUGO MÃE. Como já perceberam, tenho um problema com Valter Hugo Mãe, que as más línguas (e algumas boas) garantem ser bom. Ora vejam só o primeiro parágrafo da última prosa no Público:
«Nas imagens de Paula Rego, nestes colectivos de gente estranha, há muitas vezes uma espécie de baile para começar ou já terminado. Chegamos àquelas histórias cedo demasiado e ou demasiado tarde. Vemos como a corte parece falhar, invariavelmente. A meninas noivas estão prontas para os rituais de dois. Elas encaram-nos como se postas numa montra oferecidas à nossa capacidade de amar. Elas são asperamente amorosas. Aguardam-nos sem prometer, apenas severamente atrapalhadas na educação para a sensualidade. As meninas da gravura parecem pedir-me que as tire daquele quarto estranho. Que as tome como quem sobe alguém para um muro. Estão afundadas na imagem e querem ascender ao assento do muro. Eu sou enorme diante delas. Prefiro quase explicar-lhes que devem esperar o tempo da infância. Mas como convencer da validade da infância uma criança velha? Uma criança que envelheceu impossivelmente, talvez já muito mais do que eu.»
Leiam, já agora, os dois primeiros parágrafos da crónica anterior, ainda no Público, para que não se pense que foi um momento de infelicidade, ocasional falta de inspiração, uma excepção:
«O Outono acontece a Genebra como uma excentricidade amorosa. A cidade ajardinada assiste ao nevoeiro do lago tingindo as árvores como se crianças ou os apaixonados decidissem o mundo.
As copas são garridas, coisas entusiasticamente pintadas a mexer com o céu. Novelos de lã verde, amarela, vermelha, há até uma árvore azulada, ou roxa de uma maneira intermédia, a fazer intensamente o ruído de uns pássaros que não consegui ver.»
Não será caso para alistar-me no ISIS ou aderir à Al-Qaeda, até porque sou incapaz de matar uma mosca — e para matar uma mosca seria preciso apanhá-la. Mas que me apetece dizer que a prosa de Mãe roça o analfabetismo, lá isso apetece. António Lobo Antunes disse uma vez que lhe apetecia começar logo a corrigir sempre que se deparava com uma prosa de Saramago. É um episódio que me vem à memória sempre que leio a prosa de Mãe, embora no caso de Mãe talvez não bastasse. Vendo bem, a prosa de Saramago ficaria aceitável com umas emendas. Já a de Mãe, não estou a ver como.