22 de junho de 2018

RAZÃO ANTES DO TEMPO. Resultante de uma viagem pelos EUA entre Novembro de 1959 e Maio de 1960, Italo Calvino publicou, há meio século, Um Optimista na América, onde a páginas tantas se lê sobre a sua passagem pelo Texas:

 «Uma noite estava a jantar numa villa do Sul. (...) Era um ambiente sério de homens de negócios. A conversação deteve-se (...) no tema das eleições. Um dos convivas explicava por que motivo apoiava um determinado candidato. (...) Dizia ele que nos momentos difíceis que aguardavam os Estados Unidos, era aquele homem o que convinha, porque era um tough guy, um duro, um tipo ruthless, um que não está com cerimónias. Tentei objetar que os momentos difíceis só aparecem quando não nos apercebemos de quais são os problemas dos países do mundo e ao estudo e ao empenho para resolver esses problemas se antepõem a política da força e o apoio de regimes desacreditados e policiais: já era o tempo das pessoas sensatas e reflexivas – disse eu – e não de tipos tough. Não me entendeu; sim, tudo belas coisas, dizia ele, mas antes de mais nada é preciso mostrarmos que somos os mais fortes, que temos cabeça, que não damos sinais de fraqueza. (...) Os jornalistas, os especialistas, os políticos conscientes do que está a acontecer no mundo têm um número de apoiantes ainda limitado. O futuro decerto reservará aos Estados Unidos outras más surpresas.»

Como se vê, o texto foi premonitório. Os EUA têm um tough guy na Casa Branca, e o resultado é a barafunda que se conhece. Vale-nos que o sujeito não tem um décimo do poder que julgava, embora continue a ser demasiado para que possamos estar descansados.

16 de junho de 2018

É SÓ FUMAÇA. Como, por lapso, reportou uma jornalista da Fox, Singapura foi palco de um encontro entre dois ditadores. Foi um lapso compreensível. Afinal, houve um ditador de facto, e outro que gostaria de sê-lo. Tirando a photo opportunity para mostrar aos netos e o facto de o ditador norte-coreano ter feito sentar à mesa o todo-poderoso presidente americano (um feito que, por si só, constitui uma notável vitória), nada mais saiu dali. Tudo o que houve resume-se a um documento de intenções — os americanos comprometeram-se a apoiar a segurança da Coreia do Norte (ninguém sabe como) e acabar com os jogos de guerra (que não vão, obviamente, cumprir), e os norte-coreanos terão prometido desmantelar o arsenal nuclear (que também não vão cumprir). Quem acredita que o lunático dos foguetes vai abrir mão do poder nuclear? Quem acredita que os americanos vão aliviar as sanções à Coreia do Norte? Dir-me-ão que, mesmo saindo de mãos a abanar, o encontro foi, para os americanos, melhor que nada. Possivelmente. Mas para o regime de Pyongyang, parece não haver dúvidas de que foi um tremendo sucesso, como costuma dizer o imbecil que mora na Casa Branca sempre que se gaba do que faz e do que não faz. Valha-nos que a expectativa para a cimeira de Singapura era quase nula. E quando assim é, qualquer coisa de que lá saia de positivo — ou que passe por positivo — é lucro, como disse o «nosso» Guterres, comandante de uma agremiação que hoje, face aos grandes conflitos, pouco mais faz do que contabilizar os mortos.