31 de janeiro de 2020
OS BOIS PELOS NOMES. Talvez por ser independente, nunca percebi os motivos de tanto ódio ao ex-presidente Obama. Tudo de que o acusam e é verdadeiro (a maior parte das acusações são falsidades) não me parece bastante para tanto ódio, extensivo, também, à ex-primeira dama. Que não se goste de Obama, é normal. Que se pense politicamente de modo contrário, normalíssimo. Que se pertença a uma força política que se lhe opõe, faz parte de uma democracia saudável. Mas odiar, confesso que não vejo porquê. A não ser porque Obama é negro (ou de cor, ou afro-descendente, ou afro-americano), e como não fosse bastante, não foi uma tragédia eleger um presidente negro. Sim, tanto ódio não fundamentado só pode ser racismo, neste caso de brancos contra negros (também há de negros contra brancos), essa praga que ainda nenhum remédio foi capaz de erradicar. Claro que, tirando os supremacistas brancos, que os há mais do que parece, a maioria dos racistas não se assume como tal. Porque nalguns casos a lei o impede, por ser publicamente condenável, pela correcção política, por mera cobardia. Mas, sobretudo, porque não têm um único argumento que sustente a superioridade de uma raça sobre outra.
15 de janeiro de 2020
A FARSA. Com que argumentos pode um tribunal, mesmo que meramente político, rejeitar o testemunho de alguém que teve conhecimento directo sobre o que está a ser julgado? Até à hora em que escrevo, nem um para amostra. Mas o Senado americano decidiu, mesmo assim, que o julgamento de Donald Trump não terá testemunhas, porque os republicanos mandam no Senado e não querem que o povo americano saiba o que realmente se passou. Os republicanos com assento no Senado querem, apenas, inocentar o Presidente, e quaisquer factos que contrariem esse desígnio não interessam. Escusado será dizer que um julgamento que não permite a audição de testemunhas, ainda por cima testemunhas cruciais, com conhecimento directo do sucedido e prontas a dizer o que sabem, não é um julgamento: é uma farsa, um insulto à inteligência do comum dos mortais. Se isto é possível num país tão elogiado pela eficácia do seu sistema de freios e contrapesos, mas que não consegue punir crimes políticos mesmo com provas para todos os gostos, rezem aos santinhos pela democracia.
10 de janeiro de 2020
JOACINE E O OPORTUNISMO. Posso estar enganado, mas o Livre viu nas características pessoais de Joacine Moreira (mulher, negra, gaga) uma oportunidade de eleger um deputado que de outro modo não conseguiria, e Joacine percebeu que estava a ser um instrumento desse jogo — ou então aproveitou o jogo para impor as suas regras, reclamando que venceu as eleições graças à sua pessoa e só a ela. Mas não é isto o que aqui me traz. A gaguez da senhora merecia, por si só, um debate — que ninguém quer, mas que valia a pena fazer. Porque suspeito que é necessário ter uma altura mínima para ingressar na Marinha, que os obesos (espero que não seja ofensivo chamar obesos a quem tem excesso de peso) não se metem a praticar ballet e que quem não joga futebol não se candidata a ponta-de-lança do Real Madrid, suspeito, igualmente, que nunca terá passado pela cabeça de Joacine candidatar-se ao festival da canção — e todas estas obviedades mereciam reflexão. Mas como dizer isto sem ser logo considerado racista, misógino, preconceituoso? Como se viu pelas reacções de desagrado aquando da tomada de posse de Joacine, é praticamente impossível. O que foi visto por uns como puro circo (foi penoso de ver o assessor vestido de mulher), foi visto por outros como um momento corajoso, talvez mesmo histórico. Escusado será dizer que cenas destas só contribuem para debilitar ainda mais a já tão debilitada democracia, e que apenas servem para dar munições a trumps e bolsonaros. A Esquerda rala-se tanto com o acessório que esquece o essencial. E o essencial são as causas de todos, ou as causas da maioria, que hoje, por não se sentir representada, vai caindo nos braços de quem ainda ontem era o inimigo.
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