10 de janeiro de 2020

JOACINE E O OPORTUNISMO. Posso estar enganado, mas o Livre viu nas características pessoais de Joacine Moreira (mulher, negra, gaga) uma oportunidade de eleger um deputado que de outro modo não conseguiria, e Joacine percebeu que estava a ser um instrumento desse jogo — ou então aproveitou o jogo para impor as suas regras, reclamando que venceu as eleições graças à sua pessoa e só a ela. Mas não é isto o que aqui me traz. A gaguez da senhora merecia, por si só, um debate — que ninguém quer, mas que valia a pena fazer. Porque suspeito que é necessário ter uma altura mínima para ingressar na Marinha, que os obesos (espero que não seja ofensivo chamar obesos a quem tem excesso de peso) não se metem a praticar ballet e que quem não joga futebol não se candidata a ponta-de-lança do Real Madrid, suspeito, igualmente, que nunca terá passado pela cabeça de Joacine candidatar-se ao festival da canção — e todas estas obviedades mereciam reflexão. Mas como dizer isto sem ser logo considerado racista, misógino, preconceituoso? Como se viu pelas reacções de desagrado aquando da tomada de posse de Joacine, é praticamente impossível. O que foi visto por uns como puro circo (foi penoso de ver o assessor vestido de mulher), foi visto por outros como um momento corajoso, talvez mesmo histórico. Escusado será dizer que cenas destas só contribuem para debilitar ainda mais a já tão debilitada democracia, e que apenas servem para dar munições a trumps e bolsonaros. A Esquerda rala-se tanto com o acessório que esquece o essencial. E o essencial são as causas de todos, ou as causas da maioria, que hoje, por não se sentir representada, vai caindo nos braços de quem ainda ontem era o inimigo.