26 de fevereiro de 2020
AVENTURAS PERIGOSAS. Um professor escreveu, no Público, a propósito do caso Marega, que «a máscara [de André Ventura] vai caindo e mostrando o racista, xenófobo, oportunista e populista» que ele é. O problema é que o deputado do Chega sobe fortemente nas sondagens à medida que vai deixando cair «a máscara», como diz o professor, embora me pareça que Ventura nunca tenha escondido ao que vem. Também não acho que os media lhe dêem demasiada atenção, como se diz por aí. Dando-lhe espaço, os media evitam que a cartilha passe apenas pelas redes sociais, onde se dizem as maiores barbaridades impunemente e sem contraditório. Fazer de conta que Ventura não existe é pior que dar-lhe exposição, mesmo que demasiada. Como se viu com a reacção do sujeito à proposta da deputada Joacine Katar Moreira (o deputado do Chega disse que Joacine devia ser devolvida à origem, Guiné-Bissau, quando esta defendeu que Portugal devia devolver às ex-colónias o património que será das ex-colónias), o sujeito usou o caso para estimular os seus apoiantes e simpatizantes e promover a agenda que, com grande sentido de oportunidade, resolveu abraçar, apesar de pouco tempo antes pensar o contrário — e isto é demasiado sério para se ficar por discussões de Facebook e afins. O racismo existe, e em vez de Ventura o reconhecer e combater (como se esperaria de um deputado), há que alimentá-lo para servir a sua cruzada. Joacine Katar Moreira, já agora, começou por ser um desastre, e agora tornou-se um embaraço até para quem não votou nela. Mas nada disso justifica a «ironia» com que Ventura resolveu brindá-la. O líder do Chega sabia bem como a suposta «ironia» seria interpretada pelos seus apoiantes e simpatizantes, e por isso não hesitou em usá-la. Como não hesitou em dizer que não viu insultos racistas a Marega quando toda a gente viu o contrário.
7 de fevereiro de 2020
A FARSA DOS COBARDES. Confirmou-se a farsa anunciada: o Senado americano, de maioria republicana, fez ouvidos de mercador (recusou-se a ouvir testemunhas cruciais que poderiam ter mudado o desfecho do processo de impugnação), e depois votou pela não destituição do presidente Trump. Quem não viu que Trump tentou chantagear o presidente ucraniano só pode ter sido porque não quis ver — e quem acha que o crime de que foi acusado não foi motivo bastante para o afastar da presidência jamais encontrará motivo bastante. Quem tomou conhecimento das evidências que foram surgindo viu que a acusação é cristalina e devidamente fundamentada, pelo que insistir que não houve nada, só quem está mal-informado ou mente descaradamente. As acusações que são feitas a Donald Trump não são matéria de opinião: são factos comprovados por testemunhas credíveis e às quais poderiam juntar-se outras mais que os republicanos não quiseram ouvir, porque os republicanos no Senado sabiam que as testemunhas iriam prejudicar Trump e eles, senadores republicanos, têm medo de Trump. Preocupados com os lugares que vão disputar em próximas eleições, os senadores republicanos preferiram acobardar-se a levar com a ira com que Trump iria brindá-los caso se atrevessem a contrariá-lo, como já se viu com o senador Mitt Romney, que teve a coragem de votar segundo a sua consciência e já está a pagar as consequências. É a democracia, dirão, o pior regime excluindo todos os outros. Sim, é a democracia no que tem de pior. É o regime que hoje se combate abertamente, que tem vindo a ser minado por ditadores e candidatos a ditadores diante a impotência de uns, a indiferença de outros e o aplauso geral de quem vê o mundo a preto e branco, dos que acreditam em soluções simples para problemas complicados e que por isso alimentam os evangelistas do ressentimento e os pregadores do ódio.
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