3 de dezembro de 2003

Tenho andado a reler as crónicas de Vasco Pulido Valente no "DN" e descobri uma que se ajusta bem aos tempos que correm. Com a devida vénia ao autor e ao "DN", aqui vai:

Unilateralismo

Para lá da hipocrisia oficial, a grande consequência política do ataque de Ben Laden à América foi levar o antiamericanismo a um novo cume. O antiamericanismo não uniu só a esquerda e a direita - uniu o mundo. Não há pateta que não se dê ao trabalho de chamar a Bush imbecil, ignorante e vácuo; e não há «teórico» que não disserte por aí sobre a malvadez do «império». A mortandade do 11 de Setembro libertou um ressentimento universal e a vítima foi promovida a carrasco.
Paradoxal? De maneira nenhuma. Há um século que a América anda a cometer erros sem nome. Resolveu a I Guerra Mundial e ditou largamente as condições de paz. Sem ela, na II Guerra, o Exército Vermelho teria chegado à Mancha. Durante trinta anos defendeu o Ocidente e uma larga parte do planeta da expansão soviética. E, no fim, ganhou, acabando com o mito do socialismo, «real» ou virtual. Pior ainda: espalhou a sua cultura popular pela terra inteira, subverteu a ética sexual com uma revolução única na história e, na ciência e tecnologia, deixou toda a gente para trás. Fora isso, é rica, forte e livre. Coisas destas não se desculpam. A «Europa» não lhe desculpa a sua decadência. Os pobres não lhe desculpam a sua pobreza. As civilizações arcaicas não lhe desculpam o seu atraso. A América acabou por se tornar no bode expiatório da miséria humana. Tirando a América não existem responsáveis: nem o Islão, nem o racismo, nem o tribalismo, nem o ódio étnico, nem os cleptocratas que governam África. Nada e ninguém. E, depois, vêm uns senhores virtuosos protestar contra o unilateralismo da política de Bush. Que esperavam eles? Que a América se entregasse à «Europa» ou à ONU para lhe atarem seguramente as mãos? E em nome de quê? De uma lei internacional imaginária ou para ganhar a simpatia de quem já a detesta?