21 de março de 2012

POETAS DE ÁGUA DOCE. Terminaram cedo as minhas veleidades poéticas, logo após a leitura de Pessoa, e depois de Cesário, Sophia, Herberto e do senhor O’Neill, quase senti vergonha de ter feito uns versinhos. Reza a lenda que somos um país de poetas, embora desconfie que também outros países reclamem o mesmo estatuto. Mas quando alguém diz que somos um país de poetas, apetece-me acrescentar que somos um país de poetas de água doce, expressão como o dicionário define os poetas de maus versos. Os exemplos são muitíssimos, e há-os para todos os gostos. Qualquer analfabeto que conhece uns rudimentos da língua em que diariamente se expressa consegue alinhavar uns versinhos em que a bota emparelha com a perdigota, e por isso se julga à altura de dar à estampa ou mesmo de antologia — e é vê-lo como incha de gozo quando alguém o trata por poeta ou adjectivos assim. Mas não me refiro apenas à poesia popular — ou ao gosto popular, ou como lhe queiram chamar. Refiro-me também à poesia que passa por ser erudita, mas que no fundo é um mero jogo de palavras que tem tanto de erudito como a Modestine de Stevenson — e se destina, claro está, a impressionar os pategos. Sim, hoje é Dia Mundial da Poesia, soberana ocasião para nos embebedarmos de versos e cantarmos as musas. Mas eu permaneço sóbrio, estranhamente sóbrio, e talvez mais logo leia as últimas páginas de um livro divinamente escrito por um cavalheiro que nada sabia de versos.