28 de junho de 2012
GOZAR COM O PAGODE. Pelo rumo que as coisas estão a levar, o deputado agora condenado por furtar os gravadores aos jornalistas da Sábado ainda vai transformar-se em herói. Tudo porque o cavalheiro renunciou ao cargo de vice-presidente do Grupo Parlamentar socialista e a não sei que outros cargos parlamentares, gesto que o partido a que pertence considerou de «grande sentido de responsabilidade». Ora, grande sentido de responsabilidade teria sido se o sr. deputado Ricardo Rodrigues renunciasse aos cargos mal cometeu o crime pelo que agora foi condenado, pois desde o início ficou claro que agiu de forma inaceitável a um cidadão, e inadmissível a um detentor de cargos políticos. Afastando-se agora dos cargos que se afastou, mais não fez, tardiamente, o que não poderia deixar de fazer. Falar de «grande sentido de responsabilidade» nesta altura do campeonato é, por isso, gozar com o pagode.
26 de junho de 2012
COISAS ESTRANHAS. O jogo entre a Croácia e a Espanha ficou marcado por duas grandes penalidades não assinaladas a favor da primeira que poderiam ditar o afastamento da segunda. Como não bastasse, o presidente da UEFA veio dizer que gostaria de ver uma final entre a Espanha e a Alemanha, e talvez por isso o responsável pelos árbitros colocou o português Pedro Proença na lista dos candidatos a apitar a final, como se Portugal já estivesse arredado do jogo do título. Mas há mais: se o critério fosse a qualidade do trabalho até agora efectuado, o árbitro escolhido para o jogo de Portugal com a Espanha (até agora o protagonista do pior desempenho neste Europeu) já devia ter pendurado o apito. Verdade que o presidente da UEFA também queria o Barcelona e o Real na final da Liga dos Campeões, e nem por isso assim sucedeu. Mas também é bom não esquecer o célebre dito de Cervantes: «Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay.»
22 de junho de 2012
UM FILME DEMASIADO VISTO. «É condição essencial para fazer um julgamento imparcial ser independente das partes em conflito», escreveu, há pouco, Vítor Malheiros. Porque «não se pode ser juiz em causa própria ou próxima», acrescentou, suponho que para o caso de alguém se esquecer de tamanha evidência. Mas acontece que as regras, a serem observadas, impediriam meio mundo de julgar qualquer sujeito importante. Para só falar do episódio que envolveu o ministro Miguel Relvas e a ex-jornalista do Público Maria José Oliveira, quantos independentes haverá na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que se pronunciou sobre o caso? Seria a ex-jornalista Raquel Alexandra, que se declarou amiga de Relvas, a única sem condições? Que outra coisa seria de esperar dos decisores da ERC, cinco membros do PSD e dois do PS, que não fosse decidir o que decidiram? Compreende-se que a ERC não decida com base em suposições, que não culpe ninguém sem motivos para tanto, muito menos o ministro que tutela a comunicação social. Mas há uma coisa em que a decisão não deixou quaisquer dúvidas: Maria José Oliveira mentiu quando disse ter sido ameaçada por Relvas de divulgar, na internet, factos da sua vida privada, bem como o Público e a sua directora, que denunciaram as ameaças. E também deixou claro que, segundo a doutrina adoptada, jamais a ERC demonstrará a existência de pressões de órgãos de soberania sobre a comunicação social caso venham a surgir. Não se percebe, portanto, por que razão não são estes casos tratados pelos tribunais comuns, que certamente os resolveriam mais eficazmente.
21 de junho de 2012
LAMENTÁVEL. A edição de uma revista dedicada aos estudos pessoanos é um acontecimento que se saúda. Foi pena, porém, que a nota introdutória ao primeiro número da Pessoa Pessoal tenha sido escrita em tão mau português (1), e ao abrigo do novo Acordo Ortográfico mas com inúmeras palavras do «antigo» (2). Como é evidente, não basta uma boa ideia. É preciso estar à altura dela, e o cartão-de-visita do primeiro número não cumpriu os mínimos.
(1) «Embora não haja nenhum “dia triunfal” na génese de Pessoa Plural, os diretores desta nova revista dedicada aos estudos pessoanos pensamos que a data do seu lançamento, no aniversário do nascimento poeta, assinala um novo marco no campo e por razões várias.» (...) «Ela permitirá um veículo para a divulgação de materiais inéditos recolhidos da vasta coleção de documentos do espólio, assim como a correção e revisão de outros já publicados.» (...) «A publicação tradicional, impressa, de edições críticas dos textos de Pessoa e de estudos críticos sobre eles mantêm-se absolutamente necessária.»
(2) Electrónica em vez de eletrónica, objectivos em vez de objetivos, perspectivas em vez de perspetivas, objectivos em vez de objetivos, adoptar em vez de adotar.
(1) «Embora não haja nenhum “dia triunfal” na génese de Pessoa Plural, os diretores desta nova revista dedicada aos estudos pessoanos pensamos que a data do seu lançamento, no aniversário do nascimento poeta, assinala um novo marco no campo e por razões várias.» (...) «Ela permitirá um veículo para a divulgação de materiais inéditos recolhidos da vasta coleção de documentos do espólio, assim como a correção e revisão de outros já publicados.» (...) «A publicação tradicional, impressa, de edições críticas dos textos de Pessoa e de estudos críticos sobre eles mantêm-se absolutamente necessária.»
(2) Electrónica em vez de eletrónica, objectivos em vez de objetivos, perspectivas em vez de perspetivas, objectivos em vez de objetivos, adoptar em vez de adotar.
19 de junho de 2012
DE BESTA A BESTIAL. Como qualquer entusiasta de futebol, aprecio os dotes futebolísticos de Ronaldo, e não será preciso saber muito de bola para ver que ele é excepcional. É normal, portanto, o estatuto de que goza, e não espanta o dinheiro que ganha. Mas o estatuto e o dinheiro causam incómodo a muita gente, que logo se manifesta quando Ronaldo não tem um desempenho ao seu melhor nível. Acontece na equipa onde joga e acontece na selecção, onde foi notório um rendimento aquém do esperado até ao jogo com a Holanda. Se no clube que lhe paga por vezes se justifica, na selecção é um exagero. Esperar que Ronaldo exorcize as nossas frustrações e nos devolva o império perdido, parece-me injusto e demasiado. Aconteceu frente à Holanda, onde passou de besta a bestial, mas não surpreenderá que volte a ser besta já não no próximo jogo caso não volte a ser excepcional. Sim, continuo a achar que não temos razões para exigir a Ronaldo que não tenhamos para exigir à generalidade dos portugueses. Acho mais: por aquilo que Ronaldo já fez pelo país e por aquilo que o país tem dito dele, os portugueses não o merecem. Falo de Ronaldo enquanto profissional, que a sua vida privada não é da minha conta, nem me interessa para nada.
18 de junho de 2012
EUROPA. Diz o ditado que numa casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão, mas uma Europa — ou União Europeia — onde há anos apenas se fala de economia e finanças, não tem futuro. Pior: têm sido cada vez mais os atropelos à democracia, e cada vez se vêem mais governantes (e políticos em geral) defender soluções administrativas (ou coisa que o valha) em vez de governos eleitos, na prática modelos anti-democráticos. Os eleitores cada vez pesam menos, quem tem dinheiro (ou poder, ou as duas coisas) cada vez pesa mais. Como é evidente, só pode acabar mal. A utopia da Europa vai acabar como acabaram quase todas as utopias: mal. Esperemos, ao menos, que não acabe em tragédia.
15 de junho de 2012
ESQUECIMENTOS. Conheci uma sujeita a quem tratavam por doutora que costumava exibir um cartão-de-visita onde luziam vários títulos académicos, e que terminavam com um etc. a sugerir alguns mais. Uma vez chegou a enunciá-los de viva voz durante uma palestra, e quando chegou ao etc. traduziu-o «por outros que já não me lembro». Não me espanto, por isso, que um sujeito que exerceu funções pedagógicas e executivas numa escola durante algumas décadas venha agora declarar-se convencido de que «sempre deteve a licenciatura». Afinal, há para aí licenciados que nunca foram à universidade. E não se pode exigir a ninguém que se lembre de um sítio onde nunca pôs os pés.
13 de junho de 2012
COISAS DA BOLA (2). Para não variar, as grandes competições futebolísticas que envolvem a selecção portuguesa trazem consigo a euforia para uns, e a depressão para outros. Dos primeiros, essencialmente por causa dos media, que exploram a coisa até ao insuportável e atraem até os mais distraídos; dos segundos, por causa desse mesmo excesso dos media, e porque não suportam ver os portugueses, ainda que por umas horas, trocar a vidinha pelo «ópio do povo». Falo, essencialmente, de alguns intelectuais, para quem gostar de futebol (ou da selecção, que nem sempre é a mesma coisa) lhes parece incompatível com A Montanha Mágica ou O Anel do Nibelungo. Que mal tem os portugueses vibrarem com a selecção? Que mal tem esquecer as agruras da vida por umas horas? Considero-me um mediano entusiasta de futebol, mas confesso que ainda me irritam mais a sobranceria e os comentários de alguns intelectuais que as intermináveis horas de televisão sobre nada e coisa nenhuma.
COISAS DA BOLA (1). Já repararam na quantidade de gente que, nos jornais, se transformou, de um dia para o outro, em cronista da bola? Nada contra quem precisa de ganhar a vidinha ou vender mais alguns exemplares. O problema é que, salvo excepções (não conheço, mas haverá), é puro encher linguiça, como este caso bem demonstra.
11 de junho de 2012
INIMPUTÁVEIS. Não há dúvida de que existe, em Portugal, demasiada gente que se julga inimputável, e quase sempre com razões para isso. Ele é o ex-inspector da Judiciária que se mete a fazer uma tramóia hedionda e se esquece de uma banal câmara de vigilância que tudo regista; ele é o espião que troca emails e SMS com quem não deve sobre assuntos que não pode; ele é o governante que ameaça divulgar a vida privada de uma jornalista caso a jornalista publique o que não lhe convém. Podem ser casos de mera incompetência, como já admiti, mas a verdade é que custa a crer em tanta incompetência. E a não ser incompetência, só pode ser porque esta gente vive tão lá em cima que não lhes ocorre que alguém ouse incomodá-los, muito menos que os possam, um dia, punir. Como está amplamente demonstrado, a impunidade generalizada desta gente é uma regra que praticamente não contempla excepções.
7 de junho de 2012
SELECÇÃO (1). Manuel José diz que a selecção é um circo, que os jogadores não estão concentrados no que devem, que há excesso de mediatismo e falta de profissionalismo, que Portugal não está preparado para defrontar a Alemanha, que os jogadores vão de folga em carros de 400 mil euros, e que a selecção passa a vida em festas e mais festas. Tudo isto, segundo ele, porque o seleccionador é um jovem, a quem faltará autoridade para se impor. Também Carlos Queiroz disse umas coisas de que já não me lembro, mas que se poderão resumir numa frase: «No meu tempo é que era bom.» Só não disse que com ele à frente da selecção não estaríamos agora ralados com alemães e os demais que virão. Estaríamos, quando muito, a disputar uns lugares nas bancadas para ver os outros jogar. E também se esqueceu de contar um curioso episódio hoje relatado ao Correio da Manhã pelo ex-presidente da Federação, que por si só o deveria inibir de abrir a boca. Sim, tudo isto está longe de me cheirar bem. Não porque eu seja contra as críticas à selecção, mesmo injustas, disparatadas ou inoportunas, que as prefiro aos falsos unanimismos. Mas porque as críticas de Queiroz são puro ressentimento, e as de Manuel José são, no mínimo, pouco consistentes. Imaginem o que não se diria da selecção portuguesa caso os seus responsáveis permitissem aos jogadores o que permite a Alemanha.
SELECÇÃO (2). Por aquilo que se viu nos últimos dias, longe vai o entusiasmo em torno da selecção dos tempos de Scolari, que certamente terá contribuído para que Portugal tenha chegado à final de um Europeu e às meias-finais de um Mundial. Nem o constante «empurrão» dos jornalistas, nomeadamente das televisões, parece entusiasmar os portugueses com a selecção. E por que razão tudo isto mudou? Na minha opinião, por uma razão simples: o entusiasmo dos portugueses da fase Scolari deveu-se, inteirinho, à empatia que o brasileiro soube criar entre a selecção e os portugueses. Uma vez Scolari fora da selecção, voltamos à normalidade. Se isto é bom ou mau, é outra conversa
5 de junho de 2012
MUDAM-SE OS TEMPOS. Passou uma semana sobre a notícia de que o Presidente Obama aprova pessoalmente os nomes dos suspeitos de pertencerem à Al-Qaeda que devem ser abatidos e ainda não vi os profissionais da indignação dizer o que quer que seja. Como se dúvidas houvesse, mais uma vez se demonstra que há coisas que passam por ser normais quando praticadas pelas pessoas certas, e outras em que um décimo basta para rebentar um escândalo.
1 de junho de 2012
ELES NÃO PERCEBEM (1). É a velha história do «perceberam mal», «fui mal interpretado», «deturparam tudo o que eu disse». Como não há humildade para assumir erros próprios, a culpa é sempre dos outros. Os outros, coitados, não são capazes de distinguir um elefante de uma mosca, ou então tiveram a infelicidade de ser informados por jornalistas perversos (ou incompetentes, ou as duas coisas) que os induziram em erro. Quem não percebeu o que disse a sra. Lagarde sobre os gregos e os impostos? A sra. Lagarde não podia ter sido mais explícita. O problema foi que a directora do FMI se arrogou no direito de indicar o caminho que os gregos devem seguir, ainda por cima em forma de raspanete. Começa, aliás, a ser inquietante que instituições e pessoas que ninguém elegeu se arvorem no direito de dar lições a países soberanos, e que burocratas se queiram substituir à vontade dos eleitores. Mil vezes prefiro um país onde os governantes eleitos fazem asneiras a um país que obedece a gente desta.
ELES NÃO PERCEBEM (2). Na sequência do raspanete que a directora do FMI resolveu dar aos gregos por não pagarem os impostos que devem, descobriu-se que Christine Lagarde não paga impostos. Não paga nem tem que pagar, também se descobriu, que uma lei qualquer a isenta de pagar impostos. E porquê essa lei? Ouvi com atenção quem explicou o motivo, mas confesso que não entendi. Outra coisa que também não entendi: a sra. Lagarde estará mesmo preocupada com o futuro das crianças da África subsaariana, ou as crianças apenas serviram para fazer demagogia barata?
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