24 de abril de 2015
LETRAS E TRETAS DA PARVÓNIA. Este texto de António Araújo (publicado quase há um ano mas actualíssimo) ilustra bem por que motivo a deputada Isabel Moreira votou o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90, para simplificar), e por que se abespinhou quando alguém, numa comissão parlamentar, a confrontou com a circunstância de defender o AO90 e escrever como se ele não existisse. Tratar a língua portuguesa como a deputada a tratou em Apátrida, ao que parece a sua primeira incursão literária, é, de facto, lamentável. Os exemplos de António Araújo são abundantes, e seria fastidioso estar aqui a repeti-los quando estão ao alcance de um clique. Já a crítica de Maria da Conceição Caleiro, que no Público considerou Apátrida «um belo e doloroso livro», e generosamente lhe atribui quatro estrelas (a escala vai de 1 a 5), fui ler para crer. «Apátrida é a vários níveis um livro surpreendente e dos mais interessantes que se publicaram em Portugal nos últimos tempos: belo, doloroso, denso, contagiante», diz Conceição Caleiro no parágrafo final. E porquê? Porque o livro está «superpovoado de marcas de subjectividade, de emoção grafada (interrupções, parêntesis, exortações); porque «dá a descobrir uma intimidade que o leitor deslumbrado e ofegante pressente ser extrema, incandescente, despudorada, recôndita, magmática, aflita, aflitiva»; porque é um «resíduo vivíssimo de um confronto surdo, de uma violência»; porque «toda esta fala é mais do lado da intensidade e da insistência do mesmo sempre outro, ou de cada vez já outro, pois é impossível a sobreposição absoluta»; porque a índole de Isabel Moreira «é por natureza apátrida, reinventada por uma causa, uma procura, um sentido, subsumida por uma ética». Resumindo e concluindo, por razões que não se percebem. A única coisa que se percebe é que Conceição Caleiro quis dizer bem, mas quanto a razões, não quis — ou não soube — explicar. Se não surpreende (a crítica literária está cheia destes malabarismos), exercícios destes acabam, invariavelmente (e talvez involuntariamente), por contrariar o que pretendem. Pois é muito bem feito.