29 de setembro de 2016
O DEBATE. Tenho para mim que nos debates cada um vê o que quer ver, e eu não serei excepção. Mas cá vai na mesma o que vi no tão aguardado debate de segunda-feira. Donald Trump não explicou por que não torna pública a sua declaração de rendimentos (como manda a tradição dos presidenciáveis), e ainda adensou as suspeitas de que tem algo a esconder (as autoridades estão a investigar). Justificou o não pagamento dos impostos federais como um acto de inteligência da sua parte, logo quem paga impostos ao Governo só pode ser estúpido. A tentativa de explicar, pela enésima vez, o episódio sobre a nacionalidade do Presidente Obama, que a sua opositora ouviu com indisfarçável deleite, roçou o patético. Sobre a violência racial, mostrou-se preocupado com os casos de Charlotte e Chicago, onde disse, certamente não por acaso, ter negócios, que a violência perturba. Foi incapaz de explorar as (inúmeras) fraquezas da adversária, especialmente quando ela apelidou os apoiantes de Trump de «racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos, islamofóbicos» e espécimes assim, na minha opinião uma burrice de todo o tamanho. Depois gastou grande parte do tempo a justificar, quase sempre mal, as trapalhadas em que se meteu em vez de contra-atacar. Negou, por exemplo, ter apoiado a guerra do Iraque, quando há provas (repito: provas) que demonstram o contrário. Até na resistência física, que segundo ele a adversária não tem, levou por tabela. Já Hillary, por quem não nutro especial simpatia, excedeu as expectativas. Por mérito próprio, mas, sobretudo, à custa do medíocre desempenho do adversário. Mostrou-se segura no essencial (pelo menos passou essa imagem). Foram várias as vezes em que assistiu com gozo evidente às tentativas de Trump explicar o inexplicável — metendo os pés pelas mãos, esbracejando para não se afundar. Acusou o adversário em casos concretos (racismo, xenofobia, misoginia, fuga aos impostos, etc.), enquanto Trump se limitou a fazer-lhe acusações vagas e pouco fundamentadas. Foi, em resumo, um debate que Hillary ganhou em toda linha, devo dizer que com alguma surpresa. Resta saber se mudou, e de que modo, a opinião de quem vota a 8 de Novembro.
25 de setembro de 2016
TOSTÕES E MILHÕES. Concordo com a generalidade das críticas que são feitas ao juiz Carlos Alexandre, mas numa coisa parece-me certo: há sempre uns milhões (expressão dele) para salvar bancos na falência, mas não há uns tostões (novamente expressão dele) para resolver a «gritante falta de meios» no sector da justiça, sobretudo na investigação. Inquirido se a desproporção entre tostões e milhões tem por finalidade fragilizar a capacidade de investigação, o juiz chutou para canto, atribuindo a endémica falta de meios à não menos endémica escassez de recursos. Mas eu chuto à baliza: convém a quem tem poder que a justiça funcione mal. Graças aos meios de que dispõem para se defender (bons advogados, dinheiro), assim têm muitíssimo mais probabilidades de escapar aos crimes de que possam ser acusados, e os exemplos conhecidos são mais que muitos. Haverá, certamente, excepções. Mas de momento não me ocorre nenhuma.
15 de setembro de 2016
AS MELHORAS. Fernando Lima, então assessor do ex-Presidente Cavaco, passou seis anos «no sótão» da Presidência da República «sem qualquer função atribuída» (palavras do próprio). Isto porque «plantou» no Público, a coberto do anonimato e por «indicação superior» (leia-se Cavaco), que o Presidente estaria a ser vigiado pelo Governo Sócrates, o DN descobriu-lhe a careca, e o então Presidente, após uma patética comunicação ao país sobre tão malcheiroso assunto, decidiu retirar-lhe a assessoria de imprensa e mandá-lo literalmente para o sótão (sabia demais para o mandar embora). Ora, este rocambolesco episódio, cuja versão de Lima agora conhecemos (acaba de publicar um livro onde conta a sua versão do que então terá ocorrido), encerra um facto pouco referido: tendo sido afastado do cargo que exercia e remetido para outro mais ou menos inexistente (o próprio Lima admitiu que assim foi), por que se manteve como colaborador de Cavaco por mais seis anos? Dir-me-ão que não ocupava um cargo político para que pudesse demitir-se ou ser demitido. Mas um sujeito que foi muito mais que um mero funcionário, e que não teve problema em viver meio ano à sombra do erário público sem nada que o justificasse, não tem autoridade moral para vir agora armar-se em vítima. Por aquilo que vi citado, o livro agora editado só traz uma novidade, se calhar nem isso: Fernando Lima mantém a mesma coluna vertebral que não teve na altura.
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