6 de outubro de 2021
MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (7). Tendo escrito, num obscuro jornal, acerca de não sei que problema que o apoquentava, e não tendo a reclamação surtido qualquer efeito (o mais provável é que ninguém leu), o meu amigo voltou à carga na edição seguinte com novo texto que titulou: «Terei malhado em ferro frio?» Teodorico Raposo, n’A Relíquia, também prometeu comer os fígados a um certo hércules caso o apanhasse em Lisboa, fora de portas, num sítio que ele lá sabia. Não sei por que relaciono os dois episódios, mas aqui fica a passagem: “Vagarosamente, calado, com método, o hércules pousou a vela no chão, ergueu a sua rude bota de duas solas, e desmantelou-me as ilhargas... Eu rugi: «Bruto!» Ele ciciou: «Silêncio!» E outra vez, tendo-me ali acercado contra o muro, a sua bota bestial e de bronze me malhou tremendamente quadris, nádegas, canelas, a minha carne toda, bem cuidada e preciosa! Depois, tranquilamente, apanhou o seu castiçal. Então eu, lívido, em ceroulas, disse-lhe com imensa dignidade:
— Sabe o que lhe vale, seu bife? É estarmos aqui ao pé do túmulo do Senhor, e eu não querer dar escândalos por causa da minha tia... Mas se estivéssemos em Lisboa, fora de portas, num sítio que eu cá sei, comia-lhe os fígados! Nem você sabe de que se livrou. Vá com esta, comia-lhe os fígados! (...) E muito digno, coxeando, voltei ao quarto a fazer pacientes fricções de arnica.”